AS CONFISSÕES NO CÁRCERE | Na região de Sortelha é frequente ouvir falar de Bruxas! No Arquivo Nacional da Torre do Tombo encontra-se o processo de Leonor Fernandes, «Cristã-Velha», que decorreu entre 6 de setembro de 1714 e 27 de fevereiro de 1716. Foi acusada de feitiçarias e bruxaria pelo Tribunal do Santo Ofício. No cárcere as confissões revelaram histórias fantásticas. (parte 8).

PARTE V – AS CONFISSÕES NO CÁRCERE
O segundo interrogatório a Leonor Fernandes
Ao primeiro dia do mês de abril de mil setecentos e quinze anos em Lisboa nos Estaos e casa primeira de audiências da Santa Inquisição e estando aí o Senhor Inquisidor Manuel da Cunha Pinheiro mandou vir Leonor Fernandes reclusa contida nestes autos, e sendo presente lhe foi dado juramentos dos Santo Evangelhos sobre que pôs a sua mão… e lhe foi mandado dizer a verdade, e ser segredo o que tudo prometeu cumprir.
Perguntado: Se cuidou em suas culpas, como lhe foi mandado e as quer confessar inteiramente e a verdadeira função que teve em cometer as que tem confessado ?
Disse que sim, cuidava e se não tinha mais cousa alguma a confessar, nem tivera outra tenção mais que a que tem declarado e por mais não dizer lhe foram feitas as perguntas seguintes:
– Qual a sua genealogia?
Disse que se chama Leonor Fernandes, se acha viúva de Sebastião Gázio, natural de Vale Mourisco, termo da Vila de Sortelha, moradora na Benquerença, termo de Penamacor, de setenta anos de idade.
Seu pai, já defunto, chamava-se Manoel Pires, Lavrador, e Isabel Antunes, naturais ele da Quinta de Santo António, termo do Sabugal, e ela do lugar de Vale Mourisco, e seus avós, já defuntos, não sabe os nomes nem donde eram naturais; que ela é viúva de Sebastião Fernandes Gázio, do qual tem dois filhos chamados João Fernandes e Manoel Fernandes, ambos militares um pago e outro auxiliar.
E ela é cristã e baptizada na Igreja de Matriz Nossa Senhora das Neves, na vila de Sortelha, não sabe o nome do pároco, padrinhos hum é Grinaldo e a mulher do mesmo.
E que ela é crismada em Val Mourisco pelo Bispo da Guarda cujo nome não sabe e foi sua madrinha Isabel Antunes.
Era cristã, ia às igrejas, se confessava e comungava e fazia as mais obras cristãs e logo foi mandada pôr de joelhos e se persinou e benzeu e disse as orações de Padre Nosso, Avé Maria, Credo, Salve Rainha, os dez mandamentos da lei de Deos e os da Santa Madre Igreja. Todas soube exceto a Salve Rainha.
Não sabe ler nem escrever.
Nunca saíra do Reino. Em ele assistira em Santo António, Vale Mourisco …
Que ela nunca fora presa.
O terceiro interrogatório a Leonor Fernandes
Aos vinte dias do mês de Maio de mil setecentos e quinze anos em Lisboa nos Estaos e casa primeira de audiências da Santa Inquisição e estando aí o Senhor Inquisidor Manuel da Cunha Pinheiro mandou vir si Leonor Fernandes reclusa contida nestes autos, e sendo presente lhe foi dado juramentos dos Santo Evangelhos sobre que pôs a sua mão… e lhe foi mandado dizer a verdade, e ser segredo o que tudo prometeu cumprir.
– Se cuidou em suas culpas, como lhe foi mandado e as quer confessar inteiramente e a verdadeira função que teve em cometer as que tem confessado?
– Não tenho culpas a confessar.
– Algum tempo a esta parte se afastou da Santa fé católica, leis evangélicas ou andou com os demónios, como adorar como a Deus que era digno de culto, e veneração e poderoso que salvava as almas, as levava ao céu, não acreditando no mistério da Santíssima Trindade, em Jesus Cristo Nosso Senhor, nos sacramentos instituídos pela Igreja e mais mistérios da nossa Santa fé católica?
– Nunca me aparto da Nossa Santa fé católica, acredito nos mistérios da Santíssima Trindade, em Jesus Cristo Nosso Senhor, nos sacramentos da igreja por ele instituídos, nos mistérios da nossa santa fé católica, não creio no demónio e reconheço o Espírito Santo.
– Renegou Cristo Nosso Senhor, a Virgem Maria, os santos, o baptismo e mais sacramentos, fez pacto com o demónio por si ou por interposta pessoa?
Negou tudo…
Perguntada se se ajuntou com o demónio em ajuntamentos e se o adoravam?
Disse não.
Perguntada se sabe que o Inferno é a morada do demónio, que nele estão padecendo penas severas os que foram condenados por suas culpas?
Disse que assim o confessa e reconhece.
(continua)
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«Memórias de Sortelha», opinião de António Gonçalves
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2019)
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