Escrevi em 2013, e tenho divulgado sempre que posso, mais estas notas sobre os modos de falar e de pronunciar que nos encantavam quando pequenos. É disso que hoje faço esta crónica, que resume algumas coisas que tenho divulgado de modo esparso. Quem aprecia estas coisas vai adorar…

Os falares bonitos de antigamente
Ouvia-as todos os dias, quando criança. São palavras e expressões genuínas do nosso Povo. Metade destas palavras e expressões só as vai perceber quem é da terra. Porque «cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso», como se costuma dizer.
Pois bem, na minha aldeia há maneiras de dizer que sempre me deixaram «banzado». Por exemplo:
– Sabem o que é um fraca-tchitchas?
– E um zarinzel?
Ou então:
– Está ali a prender o tchebinho.
– Apareceu aí um imbalde…
– Está aqui uma grande balquêrada.
– Anda ali a coxambrar.
E as expressões da tradicional sabedoria popular? Exemplos:
– Julga que se benze e parte o nariz.
– A tudo Nosso Senhor nos chega se a vida dura.
– Muito fala o são ao doente.
– Quem muito fala pouco acerta.
– Cão que ladra não morde.
– Tenho de fazer de Manelzinho de Sousa.
Mas há também palavras que já mal se usam e que noutros tempos eram o pão nosso de cada dia. São as palavras de outros tempo, como lhes costumo chamar. Alguns exemplos…
– Ir ao rebusco!
– Dar aqui uma barredela!
– Fazer uma barrela!
São meros exemplos de um sem-fim de expressões bem arreigadas na alma do nosso Povo. Mas há mais e melhor. São as…
Palavras cujo sentido foi corrompido
Na semana que vem, trago-lhe corruptelas até fartar. Mas hoje deixo já aqui uma e sua explicação, pois em geral tenho-me dedicado toda a vida a tentar explicar os caminhos prováveis que as corruptelas seguiram ao longo dos séculos. É um estudo muito satisfatório, para mim, pelo menos. A palavra que vou seguir é «azamel». Repito:
– Azamel.
Correcto seria dizer-se «azemel», mas o Povo, e bem, diz «azamel». Mas para mim isto não é assim tão líquido. Sobre este termo, antes de mais uma nota. A palavra talvez devesse mesmo ser «azamel» porque originariamente vem do árabe (az-zammal – aquele que conduz as azémolas, os animais).
Ainda há famílias árabes assim chamadas, Azhammal, se não estou em erro. As pessoas diziam:
– Aquilo é um azamel…
Quer isto dizer: é uma pessoa que não tem jeito para nada que se veja, ou que está sempre doente, um fracote. Que raio de mal tinham os azeméis (almocreves, carregadores de cargas das bestas)? A não ser que se fartavam de gemer debaixo dos pesos excessivos…
Outros modos bonitos de falar do nosso Povo
Há formas de falar das pessoas da minha aldeia que sempre me encantam. Trago-lhe meia dúzia, para se divertir, tal como eu me divirto com estas coisas. Eis alguns exemplos:
1 – Partimos da hipótese, na minha aldeia diz-se… «Partimos daí potes.»
2 – Quase é… «Acaisqui».
3 – Parece que diz-se «sei que» mas pronuncia-se assim… «Assêqui.»
4 – «Que diabo te preocupa», diz-se, «que raio te tenta», mas pronuncia-se assim… «Carrai ta tentà ti?»
5 – Malandro é «cão de água», e pronuncia-se… «Candauga».
6 – «Ter juízo» é ter… «Realengo».
7 – «Ter pouco juízo» é… «Ter uma aduela a menos».
8 – «Pessoa sem limpeza» é uma… «Seventa».
9 – Um vestido que se usa todos os dias é um vestido do quotidiano e diz-se assim… «Este vestido é dàcóti.»
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Até para a semana, à mesma hora, no mesmo local!
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«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2011)
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