Padre João Domingos Fernandes e o Padre Pedro da Cruz Fernandes, aldeia da Torre (Sabugal) | António Valente Mateus, com raízes na Bismula, (a sua mãe ali nasceu e viveu), ex-aluno da Escola Apostólica dos Dominicanos, situada em Aldeia Nova (Olival) no concelho de Ourém, fez-me chegar às mãos o livro: «Pinheiros, Oliveiras e Castanheiros», da autoria do ex-aluno Manuel Branco Mendes. São histórias de algumas gerações no Seminário da Ordem Dominicana e da sua instauração em Portugal.

A primeira página o autor, Manuel Branco Mendes, explica as razões do título do livro – «Pinheiros, Oliveiras e Castanheiros» –, árvores tão familiares e tão importantes, numa diversidade frutuosa para o bem de todos nós.
Nas duzentas páginas, o autor dá-nos uma longa retrospectivas da história, da formação e ensino que aquela Escola Missionária durante várias décadas proporcionou a muitos jovens, principalmente do Interior deste país, concretamente do concelho do Sabugal, que não tinham condições económicas para dar seguimento estudantil ao exame da 4.ª classe.
Num gráfico de catorze concelhos, o do Sabugal está em segundo lugar no número de jovens das freguesias que ingressaram, só ultrapassado por Aldeia Nova/Olival do concelho de Ourém, onde se situava a Escola Dominicana. Segundo António Mateus, natural da Redondinha, anexa da Cerdeira do Côa, aluno na Escola Apostólica entre 1963 e 1969, a ida de muitos alunos do concelho do Sabugal deve-se à acção de alguns elementos dominicanos da Beira Baixa e da Beira Alta, principalmente do Padre Luís Gonçalves Leitão Cerdeira, natural da freguesia da Benquerença (Penamacor), focalizando-se na «promoção de vocações no interior beirão».
Alguns desses jovens destacaram-se, como o Padre João Domingos Fernandes e o Padre Pedro da Cruz Fernandes, naturais da aldeia da Torre, anexa da freguesia do Sabugal.
António Valente, por exemplo, teve como professores estes dois padres. Quanto ao missionário João Domingos Fernandes, diz-me: «Marcou toda uma geração em termos de personalidade e competências. Era uma pessoa de concepções firmes, apelando constantemente à responsabilidade e confiança de todos os alunos. Apesar de o objectivo desta Escola Apostólica era a formação de padres, afirmava que “antes de formar padres, temos de formar homens.” Esta atitude, esta posição, na época não se enquadrava, mas aquele professor sabia que a maioria não enveredava pelos caminhos do sacerdócio.»
A maioria dos alunos era originária de famílias rurais e pobres, e não podia suportar mensalidades incompatíveis, pelo que o Padre João Domingos, nos fins dos anos lectivos, partia para os Estados Unidos na missão de angariar fundos, a fim de manter aquela casa em funcionamento, e só regressava no início das aulas.
Frequentou os estudos de filosofia e noviciado no Centro de Estudos Sedes Sapientiae em Fátima e de Teologia em Otava e Estrasburgo e desempenhou as funções de Director da Escola Apostólica Dominicana, conjuntamente com uma actividade pastoral muito intensa.
Em 1981 foi para Angola, dilacerada pela guerra civil, onde, com uma pequena comunidade dominicana, fez um excelente trabalho de evangelização. Este êxito fez com que os dominicanos alargassem a sua acção missionária, na paróquia de Nossa Senhora do Carmo de Luanda e na Comunidade de São Tomás de Aquino, sendo-lhe concedida a do ICRA (Instituto de Ciências Religiosas). Criou, no Instituto Superior João Paulo II, o Curso de Educadores Sociais, com um curso universitário de serviço social. Colaborou na criação do centro Cultural Mosaiko – empreendimento dos Dominicanos de Angola – para a diversidade dos povos e culturas – que tem sido distinguido pelo trabalho na formação e organização em todo o país de grupos para a defesa dos Direitos Humanos.
No seu funeral, veio de Luanda muita gente, sinal de estima, aceitação e carinho que aqueles fiéis lhe manifestavam.
O Padre Pedro da Cruz Fernandes (1940-2020) era considerado um homem bom, afável e amigo. Desempenhou diversos cargos na Província Dominicana em Portugal, Mestre de Noviços e Estudantes, Prior Conventual, Prior da Casa, Provincial, Promotor Provincial da Família Dominicana e Pároco de Cristo Rei no Porto. Como Director da Escola Apostólica de Aldeia Nova (Ourém), foi a pessoa certa para gerir o processo do seu encerramento.
Segundo António Valente, «era um homem com quem era agradável conviver. A sua postura dava-nos uma imagem de um Deus Misericordioso, o que não era muito vulgar observar-se. Sempre pronto a acolher, a dialogar, um padre ecuménico e sinodal».
Estes dois missionários arraianos do Planalto do Ribacôa, como uma notável obra pastoral, missionária, humana, social, intelectual, têm sido muitos esquecidos, porque não foram ídolos da bola ou do cinema.
Com a crise generalizada em Portugal e na Europa, estas Escolas Apostólicas de Vila Nova foram vendidas a uma empresa em 2009, cujos pagamentos foram concluídos em 2018, tendo como destino as áreas da saúde ou do turismo.
De há uns tempos para cá, a nova entidade proprietária decidiu ceder gratuitamente as instalações, durante sete anos, a uma associação ucraniana (Ukrainian Refugees), a fim de instalar um centro de recuperação de feridos de guerra da Ucrânia.
Importa fazer memória destes dois homens, formadores, educadores, missionários que nasceram em terras arraianas, com uma obra notável. Cito, a este propósito, as palavras do Presidente da República, no acto da Cerimónia de Honras no Panteão Nacional a José Maria Eça de Queiroz, um dos maiores escritos portugueses:
«Ao contrário de uma célebre frase acerca do Terramoto de Lisboa, não é suficiente enterrar os mortos e cuidar dos vivos. Precisamos também de cuidar dos mortos, mesmo quando continuam vivos.
Estão vivos nas nossas memórias, nas obras que nos deixaram, que lemos, meditamos, valorizamos…lembrar é uma forma resiliente contra o esquecimento e a indiferença.»
Cada vez que falamos e escrevemos sobre pessoas que nos antecederam e fizeram a diferença em palcos culturais, sociais, religiosos, no enriquecimento das nossas comunidades, damos-lhe vida e continuam agentes da nossa história
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«Aldeia de Joanes», crónica de António Alves Fernandes
(Cronista no Capeia Arraiana desde Março de 2012)
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