Morre uma jovem numa queda de um penhasco na zona costeira da Escócia. Estava muito nevoeiro e as poucas testemunhas só ouviram o grito da queda. A polícia foi chamada ao local com a equipa forense. Porém, nada foi apurado. Apenas o marido que a seguia garantiu que foi empurrada por alguém. Mas o forte nevoeiro não possibilitou visualizar quem poderia ser…

Em face do depoimento do viúvo foi aberto um processo de investigação.
Porque motivo o marido a seguia? Segundo o suspeito, pressentia que a sua falecida esposa tivesse um amante e como tinha tempo livre ia acompanhando de longe os seus movimentos.
Então seria o amante o assassino? Não parecia haver motivos. Porém era preciso investigar.
A forense dos sistemas de informação, «vasculhou» toda a sua vida da vítima, desde redes sociais, telefonemas e consultas a movimentos bancários.
Constatou que mensalmente recebia de um «Senhor» avultadas quantias em dinheiro. Questionado o marido, este afirmou que desconhecia quem seria, ou mesmo o valor, dado que o casal praticamente já vivia separado, embora na mesma casa.
Investigando o benemérito descobriram que era um homem que tinha ganho o Euromilhões há cerca de cinco anos. Usufruía de uma belíssima casa, uma coleção de carros de luxo e vivia com uma namorada.
A questão que surgiu nos polícias foi será que a namorada é suspeita?
O interrogatório ao «Milionário» não levantou suspeitas porque confirmou a relação, o montante que lhe transferia mensalmente, que os seus encontros eram no máximo secretismo porque a falecida já sabia dos ciúmes do esposo que a seguia e temia pela sua vida.
«E a sua companheira sabia desta relação?»
«Provavelmente. Mas não lhe deu muita importância porque só pretende viver à conta do meu bem-estar.»
A polícia decide então por em curso uma grande investigação a este milionário.
Descobriram que tinha um irmão, também muito bem na vida e ainda um provável filho cuja paternidade negava pese embora a mãe insistisse que tinha de a assumir.
O caso do filho mereceu um apuramento mais detalhado por se tratar de um herdeiro de uma avultada quantia de bens e dinheiro. A mãe alegou que não tinha posses e nunca foi a tribunal porque os advogados que consultou diziam que estes tipos de processos eram longos e dispendiosos, porque o presumível pai podia negar-se a fazer o teste de paternidade, como era o caso.
A mãe vivia com o filho e a avó, que sustentava os seus descendentes, uma vez que está sem emprego e também ter-se divorciado há pouco. A relação com o milionário foi esporádica numa fase em que estava zangada com o ex-marido.
Falaram com o irmão que, por dificuldades financeiras dos pais teve a sorte de ser adoptado por uma família rica que lhe proporcionou uma excelente educação. O irmão, hoje milionário, ficou com os pais e trabalhava como serralheiro. Soube do seu prémio pela comunicação social mas como nunca mais se tinham visto, desde a separação, achou não haver motivos para o contactar. Salientou que as suas relações foram sempre tensas porque ele teve a sorte de usufruir de uma educação e vivência que o actual milionário não usufrui.
Entretanto, o milionário teve um despiste numa avenida pouco movimentada de Edimburgo, mas graças à segurança do carro saiu vivo, mas em coma. Com o capotamento sofreu um traumatismo craniano.
A polícia tinha agendado um inquérito com ele e necessitava de esclarecimentos sobre a relação com a falecida, o irmão e o presumível filho.
Por ser uma coincidência relevante durante um processo de investigação, a polícia decidiu por um agente à porta do quarto do hospital na Unidade de Cuidados Intensivos.
A actual namorada sempre esteve ao lado dele, tendo sido indigitada para um interrogatório. Sabia da relação do companheiro com a falecida, da existência do presumível filho, mas não o largava porque o de facto o amava.
Porém o Inspector que conduzia o processo, lembrou-se do relatório da forense de informática sobre toda a sua vida. E foi identificada que consultava as contas do companheiro e certamente notou as transferências para a vítima. A esta questão confirmou e quanto às palavras passe sabia que o companheiro as tinha no telemóvel, embora não podia fazer movimentos bancários porque era necessária a impressão digital de um dedo. Fê-lo por curiosidade e saber quanto teria ao certo. E de facto aí descobriu que essas transferências avultadas para uma mulher só poderiam ser para alguém que ele gostasse muito.
Enquanto havia esperança de o milionário sair do coma a polícia andou a vasculhar toda a cena do acidente e os serviços forenses apenas detetaram nos pneus a travagem e o despiste para o lado esquerdo da via, que ao embater no lancil, terá provocado o capotamento devido ao excesso de velocidade.
Por ter pouco movimento não haviam câmaras de CCTV e tendo apenas encontrado uma testemunha, um senhor residente que ouviu um estrondo e ainda viu o capotamento do carro. Aliás terá sido ele que chamou a ambulância.
Regressados ao hospital, solicitaram o telefone do milionário e levaram para o laboratório dos serviços forenses. Descobriram que duas horas antes de ter sofrido o acidente, terá recebido uma chamada de um número que se veio a descobrir que era da avó do filho ainda sem paternidade.
Foram imediatamente a sua casa e interrogaram-na. Confirmou o encontro num pub na zona perto do acidente tendo ele apenas bebido uma cerveja. Não estava alcoolizado. O propósito desse encontro era para o sensibilizar para as dificuldades financeiras da filha e do neto, visto ser ela que está a assumir todos os encargos. Segundo proferiu na conversa, ele iria pensar em fazer o teste de paternidade, mas relembrou a mãe que teve um namorado antes do caso que teve com ela.
A polícia, entretanto, questionou se ele terá ido ao WC, mas respondeu que não se recordava.
Terminado o encontro voltam ao dito pub e pedem a gravação das imagens do dia deste encontro. Notam que enquanto foi ao balcão pagar, ela despejou uma saqueta no resto da cerveja que ao saírem bebeu num trago, fazendo uma expressão de desconforto.
O facto é que nem uma hora depois tem o acidente.
O Inspector decide ir falar com o médico assistente se a forense podia fazer uma colheita de sangue. Era de extrema importância para a veracidade dos factos.
Com alguma renitência aprovou, mas a equipa médica queria assistir. A colheita tinha de ser rápida e sem qualquer movimento do braço ou mão.
O resultado da análise provou que o sangue ainda tinha vestígios de «Ciclobenzaprina» um potente relaxante muscular fornecido em saquetas. Deixa uma pessoa em elevado estado de sonolência.
No dia seguinte, infelizmente, o milionário acaba por falecer e apurou-se que não havia testamento.
A polícia requereu ao tribunal o teste de paternidade com urgência que foi concedido, confirmando que de facto era o pai da criança.
Porém a questão da morte da amante ainda está por esclarecer. Só pode ser a mesma pessoa a autora dos crimes. Mas como?
A principal suspeita é sujeita a uma profunda investigação. O importante é verificar se existe alguma relação com o marido da vítima que caiu na falésia.
Na verdade, encontraram contactos telefónicos nas vésperas da tragédia.
O Inspector decide um novo inquérito ao viúvo, com um novo cenário: agora que o amante está morto, já não há motivos para ciúmes, tem todas as condições para dizer a verdade e é muito importante saber existe alguma relação entre ele e a avó.
Foram-lhe apresentadas provas de perseguição à vítima (retiradas de camaras CCTV) e uma lista de contactos telefónicos efectuados com a avó.
Em face do exposto e da emoção que começava a sentir, a polícia convenceu-o a confessar-se beneficiando de uma despenalização na sentença judicial por colaborar com as autoridades. Não havia outro suspeito que tivesse fortes motivos para aquele assassínio.
A princípio mostrou-se renitente e muito comovido. mas com a insistência do bom senso do inspector perante os factos acabou por confessar. A senhora, de facto, infernizava-lhe a cabeça sobre este caso da sua esposa e do malandro que o enganava. Já que a vida entre o casal estafa a desfazer-se, e ela até podia contribuir mais para as despesas da casa, a pressão exercida pela avó começou por dar-lhe razão para a matar. Tinha imensos ciúmes do milionário. Mas não foi só isso. A avó prometeu ao suspeito que receberia uma parte do dinheiro que pertencia ao neto, caso a sua esposa desaparecesse, não fossem eles casar. Assim o neto seria o único e universal herdeiro.
Com raiva de ciúmes, e atiçado pela senhora, acabou por aceder e quando a esposa fazia o seu «jogging» ao fim do dia perto das ravinas, não muito longe de sua casa, aproveitou um dia de nevoeiro cerrado chamou-a e sem grande conversa empurrou-a pela ravina abaixo.
Com o caso esclarecido o homem e a avó foram detidos e presentes a tribunal.
Assinando a confissão e com base no parecer da polícia, o acórdão sentenciou dez anos de prisão com cinco anos de pena suspensa.
Com o testemunho do marido da vítima, e as provas evidenciadas pela polícia, a avó teve um acórdão de pena máxima pelos dois crimes, embora um fosse a instigadora usando a debilidade psicológica do assassino.
Finalmente a mãe do miúdo, filho do milionário, dada a cumplicidade e conhecimento de todas estas movimentações de sua mãe, o acórdão sentenciou doze anos de prisão.
No processo do tutor da criança, dado ser menor, o tribunal designou a namorada que sempre esteve ao lado do milionário, embora o acórdão estabelecesse a criação de um depósito que a criança só poderia usufruir com a maioridade e que cada mês estabelecia uma quantia simpática para a educação da criança e do apoio da beneficiária.
A segurança social acompanharia todo este processo e relataria ao tribunal qualquer infração ao acórdão.
Agora com o caso encerrado, o Inspector questiona os agentes que o acompanharam neste processo
«Onde terá ido descobrir aquele remédio mesmo a jeito para se confundir com o gás da cerveja?»
Resposta não tardou:
«Ela trabalha numa farmácia como assistente!»
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«No trilho das minhas memórias», ficção por António José Alçada
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Junho de 2017)
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Relatório muito bem feito e à semelhança de muitos efectuados pelos grandes peritos, que acabam com incertezas e em nada. Forte abraço e continua a investigar mesmo que essa investigação e presenças em tribunal levem vinte anos ou mais. É preciso fazer ou parecer que se faz alguma coisa, mesmo que não sirva para o assunto.
Abraço do amigo, sempre pronto a ler o que muito bem escreves.