Tantas, mas tantas palavras e ditados populares que traduzem bem a sabedoria popular! Longe de mim ter a ambição de os registar todos. Mas lá que trudo farei para que as gerações mais novas gostem destas pessoas que se vão indo e que tenham orgulho na sua aldeia… isso tudo farei para que assim seja.

Um dia disse aqui que a minha aldeia não pára nunca. Ainda bem que alguma coisa mexe. Este ano, já está marcada a data da Festa da Caça, mais uma vez. Lá chegaremos. Mas antes de mais, quero que se divirta com os modos de falar que mais me encantam naquela terra.
Em miúdo era muito curioso. Ouvia uma coisa e perguntava logo o que era, o que significava. E havia sempre alguém com pachorra para explicar ao puto do que se tratava. Acho que o meu olhar de curiosidade sincera e, depois de perceber bem as coisas, o meu ar de satisfação também agradavam às tias ou madrinha quando explicam tudo!
Foi por esse trilho fora que fui aprendendo coisa como as que vai ler e que não me canso de recordar nestes dias da comunicação volátil. Hoje está aqui à sua frente mas se calhar nunca mais volta a estar, a menos que eu lho volte a trazer se é que me faço entender. Vamos então à agradável tarefa de hoje.
Do pintcho ao denário…
Começo por recordar a quem já não se lembra que muitas palavras usadas no Casteleiro diferem bastante na pronúncia e na grafia possível do que as gramáticas e os dicionários aconselham.
Assim, informo que no Casteleiro as panelas não têm tampas… têm têstos, como já escrevi antes ou (melhor ainda) têm sampas.
Os animais não comem a erva do lameiro mas sim… a da ervais (ervagem).
Na minha terra, não há lamaçais… há, sim, lapatchêros.
Os cachos de uvas são… gatchos e as fechaduras são… pintchos.
E sabem o que é o… «cortelho»? É a pocilga, o local onde permanecem os animais.

E o «denário» sabe o que é?
De seguida, quero repor uma estória bem típica da minha aldeia. Contei-a um dia aqui e foi muito bem recebida. Vem a propósito, porque traduz uma situação de vida em que se confirma também um dito popular, que é o seguinte: «Não peças a quem pediu nem sirvas a quem, serviu!» Mais sabedoria concentrada em tão poucas palavras era impossível.
Na minha aldeia se alguém tem uma certa «pose», dizia-se assim:
«Olhem bem para aquele denário!» ou «Olha lá o denário dela!»
A palavra vem de «donaire», postura da nobreza e depois até da grande burguesia. É exactamente o que hoje se chama «pose» em bom francês.
Se alguma coisa já era demais:
– Nosso Senhor me ajude, mas nem tanto!
Na minha terra dizem que… «anda meio mundo a enganar o outro meio».
Uma terra onde… «o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita». Onde as pessoas pensam que… «se não houvesse vento, não havia mau tempo».
Asneiras, não!
Há uma regra sagrada. Não se dizem asneiras (palavrões) à frente de mulheres. Mas quando alguém se descuida e sai alguma, há sempre quem diga logo, para desanuviar a coisa:
– Mulher honrada não tem ouvidos!
De uma pessoa que se julga com algumas posses e anda de nariz empinado, dizem:
– Tem a mania que é rico!
E diz logo outra:
– Oh! E tem sete potes e um penico!
«Magarefe» é outra palavra corrompida pelo Povo. Na realidade, magarefe é o cortador de carnes, como se sabe. Vá-se lá então saber por que é de um tipo que não é de fiar se diz:
– É um magarefe!
E esta faz-me lembrar que aos miúdos (e não só, mas sobretudo) que andam sempre com parvoíces se diz assim:
– És um bom tcharepe…
Uma pessoa que anda de trombas é um «burgesso». Uma pessoa que não desenrasca as coisas é «um bom culhana». Um tipo que é pequeno e magro é um «meia-pele».
De uma pessoa que tem dificuldade em se movimentar ou que anda devagar e a tartamudear, diz-se que… «anda ali a atchalandrar».
Na brincadeira para simular um palavraozeco, mas sem ofender, quando está vento diz-se:
– Está cá uma arais. Mas c’arais.
Eu explico: «arais» é aragem, claro. C’arais seria então «que aragem». Ora o trocadilho aqui consiste em simular a corruptela de corruptela – carago e carais – ingenuidades deliciosas do meu Povo.
A propósito, a palavra «povo», na minha terra, não significa pessoas mas sim a localidade em si mesma. Por exemplo, anda-se lá longe num prédio a tratar das batatas e alguém pergunta:
– Então, o Zé Carlos?
Reposta:
– Ficou lá no povo…
E os esturgidos?
Na minha terra dantes – quando me criei – não havia cenouras. Lembro-me sempre disso: cenouras, lá, nada…
Sou de uma terra onde havia um pânico de que aparecessem milhanos e milhafres porque se atiravam às galinhas, as apanhavam com as patas e iam embora com elas: matavam-nas e comiam-nas. Mas atenção: no Casteleiro, não há galinhas são… «pitas». Uma terra onde não há noivos há… «esposados». Onde os chinelos são… «tchanêlos». Onde os ovos não eram fritos, eram sim… «esturgidos». Onde as claras deslaçam quando eram batidas por uma mulher com o período.
Sou de uma terra onde há (havia) domingos e dias santos em vez de feriados – mas onde os mais rigorosos eram os dias santos de guarda. Aí, nada a fazer, não se podia mesmo fazer nada nos campos.
Uma terra onde não há bolotas mas sim… «bolêtas». Onde, além de figos, há também abêberas e figotas. Onde devagar se vai ao longe e se aconselha: «Devagar, que tenho pressa.» Onde se bebem uns copanázios e uns trauliteiros do caneco!
A fechar…
Veja lá se sabe entender o fundo da questão quando as pessoas diziam assim:
As chocalheiras da nossa rua
Fizeram um assinado.
Uma diz, outra confirma…
Deus nos livre de tal gado.
Ou então esta forma suave de me chamarem burro. Está um edital à porta da igreja:
– Quem é burro, não o seja…
Sabe o que é um «tchincavelho»? É uma pessoa que implica com tudo de forma irresponsável. Julgo não estar a ver mal…
Termino com mais um lema da vida diária da aldeia:
– Candeia que vai à frente alumia duas vezes.
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Tenha uma boa semana e até segunda-feira, à mesma hora, no mesmo local!
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«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2011)
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