Joaquim Brás Santos, mais conhecido na sua aldeia, São Jorge da Beira (Covilhã), por Joaquim Bernardino ou Mestre da Música, desde os princípios de Fevereiro de 1958. «Eu com seis, sete anos, já acompanhava a Banda Filarmónica pelas ruas da aldeia, idas às Festas das freguesias vicinais e também na Raia por Soito, Rendo, Sabugal… e outras localidades», diz-nos para início de conversa…

O mineiro, músico e emigrante Joaquim Bernardino tem o cuidado de escolher à partida os companheiros de convívio e de conversa. Não aprecia conversas de «lana caprina», ou seja, as que não têm qualquer interesse. Não são muitos os seus amigos mas… pertenço a sua equipa. Desafiei-o a abrir um pouco o livro da sua vida. As muitas páginas resumi-as um pouco nesta crónica.
Os nossos encontros eram e são muito frequentes nas ruas do Fundão, no Núcleo Sportinguista desta cidade ou no Centro Comercial Acrópole.
O edifício Acrópole foi inaugurado em Outubro de 1996. Obra iniciada e concluída pelo empresário de construção civil Manuel Joaquim Lambelho Ramos. Segundo Pedro Andrade, proprietário da «Chaves do Fundão» instalado no imóvel o proprietário Barreiros tinha para aquele espaço de velha garagem de autocarros e camiões um projecto para a construção de um hotel, encimado por um restaurante panorâmico. Não se concretizou. Diz que «é o edifício mais emblemático do Fundão mas nem por isso é o mais bonito».
Joaquim Brás Santos, mais conhecido na sua aldeia, São Jorge da Beira (Covilhã), por Joaquim Bernardino ou «Mestre da Música», desde os princípios de Fevereiro de 1958. Afirma que a sua aldeia terá sempre para ele, o nome de «Cebola», desconhecendo as razões por que «os ricos lhe mudaram o nome para São Jorge da Beira».
Joaquim Brás Santos é oriundo de uma família de músicos, quatro tias no Grupo Coral da Paróquia, actuamente a tia Felismina Santos ainda está ao activo, dois irmãos, cinco tios e o pai Bernardino Pereira dos Santos, Mestre da Música de São Jorge da Beira.
«Eu com seis, sete anos, já acompanhava a Banda Filarmónica pelas ruas da aldeia, idas às Festas das freguesias vicinais e também às da Raia no Soito, Rendo, Sabugal… e outras localidades.»
Nas Terras do Ribacoa, festas anuais que não tivessem Banda e Foguetório, não eram verdadeiras festas. Como era interessante viver as rivalidades nas alvoradas entre povoações vizinhas, Bismula, Aldeia da Ribeira, Vilar Maior, Badamalos…. Se numa havia uma hora, na outra aldeia, havia mais um crédito de minutos o ribombar dos foguetes. Nalguns casos houve tragédias.
Joaquim Santos depressa a integrou tocando diversos instrumentos, caixa, «que se dizia tarola», bombo, pratos, ferrinhos… Além de «um certo jeito pela música», «aprendi com o meu pai o solfejo de pauta, e frequentei um curso de música, pago pela Inatel, no Colégio de São Fiel, no Louriçal do Campo. Além de elemento da Banda de Regência, já fazia ensaios de regência, até à morte do meu pai». Com a morte do pai, a Banda ficou inactiva durante certo tempo. Mais tarde, alguns músicos com antiguidade tentaram «levantar a Banda», organizaram-se e começaram os ensaios, mas o novo mestre desistiu, nunca se sabendo as razões dessa sua atitude.
Não se desistiu e de novo iniciaram-se os ensaios sem Mestre, «com surpresa minha, fizeram-me o convite para assumir a Regência da Banda e, no final de várias tentativas, lá aceitei, e com muitos nervos à mistura, consegui dirigir os ensaios. Fiz uns exames e consegui tirar a Carta de Mestre, inscrevi-me no Sindicato dos Músicos, e lá fiquei até emigrar para a cidade de Dusseldorf na Alemanha». Naquela cidade havia uma Associação Sanjoanense, criada por gentes de São Jorge da Beira, com um curso de música, «fui convidado para dar solfejo a muitos jovens», e assim formou-se a primeira Banda Filarmónica naquela cidade alemã, com cerca de trinta elementos.
Na celebração do 25.º aniversário daquela Associação, a Banda de São Jorge da Beira foi convidada a participar nesta efeméride e, em conjunto, as duas Bandas Irmãs, tocaram para alegria e felicidade de todos os emigrantes portugueses ali residentes e também para a população alemã.
Regressando aos primeiros anos de idade do Joaquim Brás Santos, o nosso interlocutor esclarece-nos, que naqueles tempos não havia edifício próprio para funcionar a escola primária. Por este motivo, os alunos eram distribuídos por diversas casas particulares. Frequentou uma no sítio da Ponte, onde andou quatro anos e, no final deste período, «tive o azar de naquele ano sair uma lei de escolaridade obrigatória, que se chamava a 5.ª e 6.ª classe, que terminei em 1970». Além da frequência da escola, no Alto da Serra, ainda «guardava um rebanho de cabras, trazia um molho de lenha e com a enxada cavava a terra de sol a sol».
«Como era de uma família pobre fui direitinho para a construção civil, chegando a transportar sacos de cinquenta quilos e de materiais para as obras.»
Seguiu-se a empresa Almeidas Lda., de São Jorge da Beira que, além da comercialização de materiais de construção civil, também se dedicava ao comércio de bebidas. «Íamos à Fábrica Cristalina no Soito (Sabugal) comprar o melhor sumo engarrafado do país», recorda.
«O salário mensal era de seiscentos escudos. Com este vencimento tive direito à compra e posse do primeiro relógio». Realça que esta firma «todos os meses me descontava e entregava na Segurança Social, cumprindo as obrigações».
Seguiu-se o serviço militar em Elvas, no Regimento de Infantaria em Santa Clara. Regressado à vida civil e com uma proposta de melhor vencimento, «ingressei na Beralt Tin and Wolfran, empresa que explorava as Minas da Panasqueira, cujo trabalho era montar os carris para os vagões transportarem os cascalhos para as lavarias, a fim de serem selecionados os diversos minérios».
Em 1992, verificou-se uma grande crise neste sector mineiro e a empresa rescindiu o contrato de trabalho com muitos mineiros
Joaquim Bernardino, além de acertar os carris dos vagões no interior da mina, também acertava e dirigia as pautas, como Mestre da Banda Filarmónica de São Jorge da Beira. Pelas suas aptidões e profissionalismo musical, a gerência das Minas tentou que não se desvinculasse. Mas «não gostava de andar enterrado vivo numa mina». Saiu com a correspondente indemnização, com a qual foi viver para o Fundão, onde comprou a casa chamada «Quinhentista», na Rua José Germano da Cunha, zona histórica da cidade, onde ainda há muitos vestígios judaicos.
«Fiquei quase a zero nas minhas poupanças e, em Fevereiro de 1993, emigrei para a Alemanha, trabalhando na construção civil, principalmente na montagem de tectos falsos. Em Agosto de 2021, no final de quarenta e nove anos e meio de descontos para a segurança social, cheguei a Portugal carregado de bagagens e reformado.»
Hoje aposentado, vive no Fundão, em espaços históricos percorridos outrora por Martinho Pessoa, «um cristão novo», parente remoto do poeta Fernando Pessoa, figura principal do recente romance «O Tribunal das Almas – Os Espiões de Deus e as Fogueiras» da autoria de Fernando Paulouro Neves, jornalista, ex-director do «Jornal do Fundão» e escritor. Cito uma passagem do livro, «passeou pelas ruas velhas do Fundão, a Rua Direita, a Rua Nova, a Quintã, a Rua da Cale. Afastou-se do adro e da rua da Igreja, território perigoso». Martinho Pessoa, perseguido, preso pela Inquisição, emigrou para o Brasil, onde foi feliz e fez fortuna.
Joaquim Bernardino à despedida diz-me… «ando neste vaivém Fundão – São Jorge da Beira – Fundão, colaborando com as diversas colectividades, Clube Recreativo, Banda Filarmónica e os Bombos», olhando ainda pelas suas pequenas courelas e casinha, confortando as saudades.
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«Aldeia de Joanes», crónica de António Alves Fernandes
(Cronista no Capeia Arraiana desde Março de 2012)
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