A Alcina fez o exame da quarta classe. Os professores ficaram encantados com a sua sabedoria. «Estaria ali uma futura advogada, médica, professora, sabe-se lá…», elogiaram-na com ênfase.

Mas, os pais da Alcina não pensavam da mesma maneira, ou melhor, não podiam pensar assim. Havia mais meia dúzia de irmãos em casa e o salário familiar era curto.
O sonho da Alcina era ir estudar. Já nem exigia vir a ser médica, mas, se ao menos, pudesse ser enfermeira! Depois, teria um ordenado e estudaria pelas noites fora, se fosse preciso.
Quando ouviu a mãe pedir trabalho ao senhor Francisco Carriço, teve um ataque de pânico e desatou a chorar. Porque não podia realizar o seu sonho?
A mãe tentou explicar-lhe que não teriam dinheiro para custear a escola, livros, roupa. Além de não receber salário, ainda precisaria do poucochinho que havia para todos.
A mãe, condoída, prometeu-lhe que guardaria, todos os meses, metade do seu ordenado num mealheiro e ela poderia ir estudar quando já tivesse o suficiente.
Então, anuiu à proposta da mãe e fez-lhe outro pedido. Se conseguisse mais trabalho para levar para casa, ficaria com todo o dinheiro extra. A mãe aceitou, mal sabia que a pequena levava de tal maneira o seu sonho a peito que, por aquele andar, nem tempo lhe sobrava para comer e dormir.
Quando levava uma peça para rever e cerzir algum defeito, não parava enquanto não terminasse. Quantas vezes a mãe a encontrava a dormitar, com a cabeça a pender sobre o trabalho!
Se não havia peças da fábrica para emendar, o senhor Joaquim Silva, trazia-lhe um açafate de xales e cachecóis da fábrica de Manteigas, para ela lhes colocar franjas. Recebia dois tostões por cada cachecol e dez tostões por cada xale.
Aos domingos e dias Santos, como não podia trabalhar, pois era pecado, a Alcina pedia aos irmãos que lhe trouxessem livros da biblioteca que ela devorava fervorosamente.
Entretanto, o pai adoeceu gravemente. A Alcina dizia que se já fosse enfermeira ou médica, não precisariam de estar naquela aflição.
O pai prometeu a Nossa Senhora, que se o ajudasse a melhorar, tudo faria para pôr a Alcina a estudar.
E, como promessa é para se cumprir, no dia 7 de Outubro de 1958, a Alcina entrou no Liceu Nacional da Covilhã. Naquele ano lectivo, conseguiu fazer o primeiro e segundo anos. Propôs-se a exame e tirou a média de dezoito valores. No ano seguinte fez a secção de letras e continuou sempre com o mesmo entusiasmo.
Não chegou a ser médica porque os materiais e livros de estudo não eram compatíveis com o dinheiro que conseguia amealhar. Mas foi uma excelente enfermeira e cuidadora, sempre pronta a aprender cada vez mais.
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«Gentes e lugares do meu antanho», crónica de Georgina Ferro
(Cronista no Capeia Arraiana desde Novembro de 2020)
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