:: :: 1998 :: :: Da Arrábida ao Gerês… passando pela Serra da Estrela. De Granada à Serra de Grazalema e a… Doñana. Primeiras férias a dois em França e o «milagre» das terras de Auvergne e Cévennes com vulcões e de montes dourados, Clermont-Ferrand, o Puy-de-Dôme, Le Mont-Dore, St. Nectaire e Murol.

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1998
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Da Arrábida ao Gerês passando pela Serra da Estrela
Depois da «descoberta» de Somiedo, no Outono e Inverno de 1997/1998 sucederam-se pequenos passeios na autocaravana, intervalados por actividades de campo com alunos. Em 20 e 21 de Setembro passámos um fim de semana em Monte Gordo, pouco mais de um mês depois em Alpiarça.
Com duas turmas de novos alunos do 10.º ano, num cinzento e chuvoso dia 17 de Novembro levo-os à Arriba Fóssil da Costa da Caparica e ao Parque Natural da Arrábida. Seria o treino para, quatro meses depois, levar esses mesmos alunos ao Alvão e ao Gerês. Estava a nascer mais um grupo, entre tantos, a ficar para sempre na memória, nas memórias de uma escola vivida muito para além da escola, mais um grupo a viver, durante os três anos do secundário, as «aventuras» e os muitos momentos de convívio e camaradagem que lhes proporcionámos.
No Carnaval de 1998, a caravana leva-nos a uma volta pela Serra da Estrela, com passagem pela Sortelha. O vale glaciar do Zêzere, as aldeias serranas de Melo e Linhares da Beira e a vetusta cidade da Guarda recebem-nos por quatro dias. E na Guarda vejo o meu júnior entrar pelo pára-brisas de um carro, ao atravessar uma rua! Felizmente sem consequências de maior.
A 11 de Março de 1998 parto com os alunos do 10.º ano para o Alvão e Gerês. O programa não foi muito diferente do que havíamos feito quatro anos antes, mas os alunos eram outros, claro, e outros olhos têm sempre novas visões, novas percepções, novos testemunhos de novas vivências. O rio Olo, as Fisgas de Ermelo, o caos granítico de Muas, a aldeia de Lamas de Olo, perdida no tempo, levaram estes alunos, a sua professora de inglês e o de Química, estreantes como eles nestas andanças, a um outro mundo, completamente desconhecido da maioria.
À noite, na Pousada de Juventude de Vila Real, houve lugar à música, à camaradagem entre todos, à alegria de viver e de conviver.
No dia seguinte partíamos para norte, rumo às terras do Barroso e do Gerês. O velho Mosteiro de Pitões, a cascata e, claro a senhora Maria! Mas desta vez não dormimos lá, a «Casa do Preto» serviu apenas o almoço do grupo e que almoço! À tarde seria a visita a Tourém, para depois descermos o curso do Cávado e chegar à Pousada de Juventude de Vilarinho das Furnas já ao pôr-do-Sol. Mas na Pousada de Juventude havia uma discoteca à espera!
13.03.1998 – Dia dedicado ao Gerês. Saímos a pé da Pousada de Juventude, atravessamos São João do Campo, abeiramo-nos do rio Homem. A albufeira está cheia, não se vê a aldeia submersa. Subimos a velha geira romana, chegamos à Mata de Albergaria e à Portela do Homem. Aí, espera-nos como habitualmente o transporte do Parque Nacional, desta vez o «cómodo», a carrinha fechada, para nos levar à Pedra Bela e à Cascata do Arado e a um «brinde extra», a aldeia de Ermida. Mais uma vivência rural de montanha, onde inclusivamente se testemunhou o quão cedo na vida começa a labuta dos campos, como se pode ver no segundo vídeo que acompanha este texto.
No último dia, de regresso à cidade, visitámos ainda pela segunda vez o Parque Biológico de Gaia, onde este prometedor grupo de alunos terminaria as suas «aventuras» deixando-nos testemunhos como estes:
«Cada passo, cada árvore, cada flor, eram novidade para mim.» (Sónia Cordeiro).
«Senti uma calma interior como nunca sentira antes; toda aquela força inofensiva, a beleza virgem mas mutável das terras altas, o respeito do Homem pela Natureza, fizeram-me pensar que talvez exista uma esperança, um caminho para tudo. O contacto com a Natureza fazia-me sentir cada vez mais pequena em relação à sua grandiosidade.» (Ana Pepe).
«Muito obrigado por nos ter dado a conhecer aquele outro lado da vida, com o desejo de regressar e encontrar novos mundos.» (Sandra Nunes).
«Ao estarmos em contacto directo com a Natureza, aprendemos a respeitá-la e a admirá-la. Também acho importante a realização deste tipo de visitas, para que valores como a solidariedade, o companheirismo e a amizade possam transparecer.» (Ana Isabel Barão).
«Que estrondo! Que será isto?! Um terramoto? Um furacão? Gente não é certamente e a chuva não bate assim. Fomos ver. Ups, era o nosso naturalista a bater à porta! Rapidamente (que remédio) tivemos que nos arranjar, para mais um passeio ao ar livre!» (Ana, Brigite, Susana e Vanessa).
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04.04.1998 – De Granada à Serra de Grazalema e a… Doñana
Férias da Páscoa de 1998. Os meus progenitores, então com 73 anos, o pai, e a completar 75, a mãe andavam em digressão pelo sul de Espanha. Os «peregrinos» das autocaravanas Riviera e Pilote tinham delineado para as férias da Páscoa igualmente uma visita a Córdova, Granada, Ronda! Reunidas estavam as condições para nos encontrarmos para a comemoração dos três quartos de século da minha mãe! E assim foi. Ponto de encontro o Camping «Sierra Nevada», em Granada, onde havíamos estado 14 anos antes na velhinha VW «pão-de-forma»!
Assim, pela recém-inaugurada Ponte Vasco da Gama, no sábado, 4 de Abril dirigimo-nos a Sul, rumo a Badajoz e a Córdova, onde passaríamos o dia seguinte. O dia 6, dia do aniversário, levou-nos ainda à enigmática cidade de Guadix, escavada na rocha argilosa e a meio da tarde estava reunida a «equipa». O «banquete» teve lugar no apartamento onde a aniversariante estava alojada, no Motel anexo ao parque de campismo de Granada!
O dia seguinte, ainda com toda a «equipa» foi dedicado a Granada.
Para além dos sempre atractivos motivos da cidade, a Serra Nevada chamava por nós, mas a estrada que 14 anos antes nos levara ao Veleta estava agora cortada, pela neve e pela passagem da zona a Parque Nacional. Assim, no dia 8, cada família seguiu seu caminho. A nós, cabía-nos a serrania de Ronda e o Parque Natural de Grazalema. Em Ronda, o espectacular desfiladeiro que atravessa a cidade vale só por si uma visita.
O Parque Natural de Grazalema é um conjunto de serranias cobertas de verde, no interior da província de Cádiz. Um agradável camping rural em plena serra alojou-nos nestas paragens, antes de um regresso a casa que incluiria ainda contudo uma passagem por Matalascañas e um dia familiar passado em Monte Gordo.
Poucos dias depois estaria de novo em Matalascañas com alunos. Para além dos 10.º anos que tinham ido à Arrábida e ao Gerês, eu leccionava também 12.º ano. Em conjunto com alunos do habitual colega e amigo de Português, no dia 28 de Abril partíamos para Sevilha, já que esta viagem tinha também a natureza de viagem de finalistas. Esse primeiro dia destinava-se também a uma curta visita à alentejana Serpa, bem como às Grutas de Aracena.
Todo o dia 29 foi dedicado à capital da Andaluzia, tendo por base a Pousada de Juventude de Sevilha. Depois, o destino foi Doñana, começando pelos centros de interpretação e pelos pequenos percursos pedestres de La Rocina e El Acebuche. E o dia 1 de Maio era o «dia da aventura» em profundidade, a visita nos grandes jeeps de Doñana. Talvez mais do que nunca, o espectáculo grandioso das aves aquáticas acompanhando os jeeps emprestavam «aventura e magia» àqueles épicos quilómetros sem estradas.
E por Huelva e Vila Real de Santo António o dia seguinte marcaria o regresso. Foram cinco dias marcados, mais uma vez, pelo convívio e solidariedade entre todos.
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24.07.1998 – O «milagre» das terras de Auvergne e Cévennes
Em Maio de 1989, pouco depois da grande travessia do Gerês e do gélido acampamento no Mezio, as fragas e pragas do destino tinham-me trazido nuvens negras. Para além do que então escrevi, não voltei a falar dos distúrbios da minha companheira de tantas fragas vividas. Para quê falar? Foram anos de oscilações, alturas mais estáveis alternando com crises depressivas ou eufóricas. Mas, no verão de 1998 deu-se um «milagre». Não ainda o milagre duradouro mas um «estranho milagre».
Tínhamos passado o fim de semana prolongado dos feriados de Junho na Barragem de Cabril, perto de Pedrógão. Foi a última vez que o júnior mais novo ainda nos acompanhou. Ambos haviam crescido, ganho as suas próprias asas, seguido as suas próprias fragas. Nesses dias, voltei a Almoster e ao Alto de Pousaflores, na Serra de Alvaiázere (Sicó), onde tinha acampado 11 dias, em 1971. Tinham-se passado quase 30 anos! 30 anos de deambulações, de «aventuras» por fragas e pragas.
Diversos períodos da praga que nos assolara tinham sido já caracterizados pela coincidência entre crises depressivas em casa e uma melhoria quando saíamos. Mas o verão de 1998 trazia-nos as primeiras férias exclusivamente a dois. Em plena crise depressiva profunda, o receio dos efeitos da partida e da falta dos filhos era grande mas poucas horas depois tudo parecia renascer e estas férias viriam a ser as mais estáveis dos últimos nove anos e alguns dos melhores dias das nossas vidas!

24.07.1998 – Primeiras férias a dois em França
A 24 de Julho de 1998, partíamos para as nossas primeiras férias a dois, na autocaravana. Destino: França. A primeira e longa etapa, de mais de 900 quilómetros, levou-nos aos arredores de Pamplona, para no dia seguinte entrar em França por Roncesvalles. Nas montanhas pirenaicas ecoavam os sons da batalha, ouvia-se a gesta da Chanson de Roland enquanto a minha musa acordava para a vida. Nesta primeira parte, o destino era mais uma vez Tours, nas margens do Loire que mais tarde quase íamos ver nascer, onde passámos três dias, agradecendo a San Martin o «milagre» que se começava a dar.
A 29 de Julho saíamos de Tours para terras de Auvergne. Terras de vulcões e de montes dourados, Clermont-Ferrand, o Puy-de-Dôme, Le Mont-Dore, St. Nectaire, Murol, seriam nomes que nos ficaram para sempre gravados como uma canção, a canção de uma paz que há muito não conhecíamos. Chegámos a fazer etapas de menos de 50 quilómetros. No simpático camping de Mont-Dore descansámos um dia inteiro. Em St. Nectaire encantámo-nos nas «Fontaines pétrifiantes» e vivemos «Les Mystères de Farges» de onde aliás trouxe uns bons queijos St. Nectaire. E no castelo de Murol, à noite, assistimos a um espectáculo de recriação medieval, «Le Cercle Magique», pelos «Compagnons de Gabriel».
No primeiro dia de Agosto dirigíamo-nos ao alto Loire. Por Besse e St. Flour, chegámos a Le Puy-en-Velais, debruçada sobre o Loire. Dedicámos também um dia inteiro a esta bonita e simpática cidade, afamada pelas suas rendas de bilros.
Depois de Puy-en-Velais, subimos o curso do alto Loire, rumámos a sul, passámos de Auvergne para o Parque Nacional de Cévennes, onde o principal atractivo natural são as Gorges du Tarn et du Jonte, verdadeiras muralhas naturais de paredes traçadas por aqueles pequenos rios, cujas águas correm para o Garona. Em Le Rozier, na confluência dos dois rios, reservámos um dia para um dos muitos percursos pedestres possíveis, o da Ermitage de St. Michel, ao longo do Jonte e da Corniche du Causse Noir. Uma caminhada pequena, de cerca de oito quilómetros, mas com perspectivas fabulosas sobre o desfiladeiro, alternando com grandes zonas arborizadas e frescas.
E no dia 6 de Agosto, em Le Rozier encontrámo-nos com a «equipa» da Pilote, que também andava por terras de França! Com eles visitámos duas atracções naturais desta região perdida do sul de França: as grutas de Aven Armand e o Abîme de Bramabiau. Seguiu-se Nîmes, Pont du Gard, Avignon, Arles, um cheirinho da Camargue em Aigues Mortes e depois passámos um dia na praia, em Gruissan Plage, próximo de Narbonne.
Os últimos três dias foram o «coming home», com uma passagem pela Costa Brava e um matar de saudades de Barcelona, onde também nos despedimos da Pilote e dos seus ocupantes, que, em primeira visita, por lá ficaram mais tempo. Confirmando da pior maneira o «milagre» destas férias assisto contudo a uma queda brusca para a depressão no dia seguinte a chegar a casa! A «praga» duraria ainda mais um ano.
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«Por fragas e pragas…», crónica e fotos (copyright) de José Carlos Callixto
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana)
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