AUDIÇÃO DE TESTEMUNHAS | Na região de Sortelha é frequente ouvir falar de Bruxas! No Arquivo Nacional da Torre do Tombo encontra-se o processo de Leonor Fernandes, Cristã-Velha, que decorreu entre 6 de setembro de 1714 e 27 de fevereiro de 1716. Foi acusada de feitiçarias e bruxaria pelo Tribunal do Santo Ofício. Hoje trazemos o depoimento de Joseph Pinna de Olival. Isto começa a parecer-se com uma «telenovela»! (parte 5).

PARTE III – AUDIÇÃO DE TESTEMUNHAS
Sétima Testemunha – Joseph Pinna de Olival
Aos treze dias do mês de Setembro de mil setecentos e quatorze anos na Vila de Sortelha, e Casas da Câmara dela, onde estava pousado o dito Comissário, aí por ele e separadamente, foram perguntadas as testemunhas cujos nomes e sobrenomes, domicílios e ofícios são como se seguem:
Joseph Pinna de Olival, solteiro, natural e morador nesta vila de Sortelha, testemunha dada ao rol pelo Reverendo Promotor e notificado pelo meirinho a quem o dito comissário deu juramento dos Santos Evangelhos em que pôs sua mão direita e prometeu dizer a verdade do que lhe fosse perguntado, e de sua idade disse ser de vinte anos pouco mais ou menos (…).
Perguntado pelo conteúdo da Petição do Doutor Promotor disse ele testemunha que estando a denunciada, Leanor Fernandes, em casa dele testemunha para o efeito de saberem que ela tinha maliciado o Capitão-Mor desta Vila e pai dele testemunha a qual obrigada ela das perguntas que lhe faziam disse que era verdade. Com uma semente de fetos, moída, colhida na manhã de São João e pela mão do diabo a quem tinha dado a sua mão e prometido ser sua lhe tinha feito malefícios lançando pó na baranda de seu pai, no lugar onde costumava passear e fumar tabaco de folha pela manhã. Os quais pós lhe lançou nas vésperas do entrudo, tempo em que logo se começou a sentir gravemente. E no mesmo dia referido lhe deu uma dor que o fez pedir os sacramentos e desconfiar da vida e que ao fim do tempo e dias da confissão do malefício feito causado no mesmo tempo por toda a casa falava.
Perguntou à denunciada como sabia ela que seu pai havia de ser o primeiro a pôr os pés nos pós havendo em casa tanta família?
Respondeu que primeiro que todos, o dito seu pai, se levantava e saia pela baranda.
Perguntada que males receara de seu pai?
Respondeu que perseguira seu filho soldado, prendendo-o muitas vezes sem o deixar parar na serra, o que seu pai fazia naturalmente por obrigação de seu cargo, e os deveres apertados para com os maiores.
É notório que o dito Capitão morreu como uma cuba inchada e não sem suspeitas de malefícios.
Perguntada como falara com o demónio?
Respondeu que fez um ano pelo São João, na Ribeira da Benquerença, lhe aparecera um homem a cavalo e lhe perguntou se queria dar-se a ela, lhe dissera que para moça de servir era muito velha, e tornando-lhe a dizer o cavaleiro lhe desse um escrito em que se confessasse por sua, e que ela pela murmuração do mundo o era há muito, portanto era o demónio que acabava de chegar, mas que pedindo-lhe a mão lha dera assim para se livrar dessas pessoas, e que perguntando que feitiços eram para matar seu pai , ou só para lhe tirar a saúde, respondera que a sua fortuna estivera em pisá-los calçado, se fora descalço sem dúvida era já morto.
Indo ao lugar do Casteleiro, com seu irmão António de Pina de Olival, com ânimo de buscar e a trazer em companhia por havendo referido saberem dela que eram feitiços o mal que seu pai padecia, sucedeu no caminho que ela se atara ao rabicho do cavalo e se meteu no seu corpo, o que nunca lhe tinha acontecido. E o dito seu irmão achou que fora da boca da mula em que ia o freio que era novo e não tirava facilmente. O que tudo respondia ter mistério sendo tal o caso. Andando uns passos adiante, sucedeu que o cavalo sendo manso começou aos couces, inquieto e sem se ter espantado de coisa alguma, e apalpando-lhe com a mão detrás da sela achou segunda vez o rabinho meio desatado, sendo que muito bem o tinha atado da primeira vez, por cuja causa se confirmou mais na dita suspeita; que não achando no dito lugar mais para onde caminharem de noite, tempo em que lhe sucederam os referidos sucessos, partiram no outro dia com o referido fim de buscá-la no lugar da Benquerença. Junto a hum lugar e sabendo de um cercado em que estava a denunciada.
Estavam no dito lugar, um pouco mais acima, na mesma ribeira, lavando com outras. Sucedeu, a ele testemunha, faltar-lhe o dito estribo, quebrando a argola de ferro donde pendia, e o outro despregando-se as chapas ou linhas donde também o Zorro se metia. E isto sem que ele montasse de novo porque não se tinha apeado, nem fizera força nos estribos ao partir; chegados à vista da denunciada, sucedeu vindo ela, começou a ter uma infusão de sangue, vindo ele no cavalo e o dito seu irmão numa mula vai deitando sangue, falando também por uma irmã da denunciada que a esse tempo se tinha encorporado com ela; que estas bêbadas nos querem matar a mula e que ela denunciada dissera, pois deita sangue, a que ele testemunha disse no meio do cascalho cheio de sangue, o qual estaria coberto de três palmos… A que ela dissera, pois imputa-me a que era também disto a culpa. E que no mesmo instante secara logo o sangue sem saberem de onde derramara.
Nem então por se não apearem, nem mandarem ver, nem em casa por que viram e olharam; e que o dito seu irmão ouvindo dizer que vindo do Casteleiro ele acompanhava Frei Joseph de Penamacor por ter vindo a esta Vila visitar e por se tornar ao dito seu pai, vindo já de noite, lhe sucedeu no caminho que a mula se pôs queda sem querer andar para parte nenhuma, nem ainda esporiada e instigada de sorte que caiu ao mesmo tempo que se tirou dela o dito seu irmão, se levantou a mula, e querendo se montar de novo sentiu lhe puxarem pelos cabelos e se prostraram por terra de que recebeu grande medo e pavor, mas que instando se recolhera sempre tímido, e que na mesma noite, logo no princípio dela, contara, ele testemunha, a Manoel Leal, homem casado, que indo com uma carroça com molhos de centeio viram no cimo do carro bulir e abalar uns molhos, e vendo que os tinham apertado com um calabro novo e andando breve distância quis examinar a causa. E achou lhe faltar metade da corda e buscando-a pelo carro a veio achar enroscada no eixo das rodas, que ele e outras pessoas a desembaraçaram com trabalho e por ser o pão criado da casa e no mesmo dia atribui-lhe a testemunha a parte do sucedido à denunciada, por isso mesmo, viu ele testemunha a má sorte que lhe sucedeu; que ultimamente a denunciada, por todos estes povos, é murmurada, temida e respeitada por feitiçarias, e por tal a tratam e nomeiam.
Nota
(*) José Serpa – Professor de Educação Visual na Escola D. João I, Baixa da Banheira, Moita.
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«Memórias de Sortelha», opinião de António Gonçalves
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2019)
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