Decorreu há tempos na Guarda a «Feira Farta», num espaço fechado construído em frente ao Mercado Municipal e ao Parque Rodoviário, um evento que é um testemunho vivo da pujança do mundo agrícola, os seus produtos endógenos, as tradições culturais, musicais, folclóricas, artesanais… na ligação entre o urbano e rural.
Na «Feira Farta» da Guarda centralizei a minha atenção no artesanato, por paradoxal que pareça no fabrico artesanal de facas. Estes utensílios domésticos de uma utilidade, que a maioria dos cidadãos diariamente usa, manobra em diversas actividades, principalmente na restauração.
Verdugal é uma localidade nas proximidades da Guarda onde se situam duas empresas: a «Cutelaria de Adelino Pires & Filhos», uma empresa familiar que há mais de setenta anos se dedica à produção artesanal de facas, navalhas e foices. Um negócio importante, que se estende pelo território nacional e é extensivo a muitos países da Europa, com destaque para França e Alemanha; a outra empresa é a «Cutelaria Ernesto Pires & Filhos», já com fabrico industrial.
Uma grande maioria dos portugueses conhece estas facas de alta qualidade, da Cutelaria Adelino Pires, as célebres facas de Verdugal.
Passou-se pelo pavilhão daquela empresa e procurou-se saber como é o seu fabrico. As facas «nascem» através de tiras de aço, colocadas num forno para tratamento térmico, que ultrapassa os mil e vinte graus de temperatura.
Dali vão para uma outra máquina a fim de serem limpas e amaciadas e assim as lâminas da faca começam a aparecer.
Depois da secagem, as facas são polidas e é-lhes aplicado um cabo de madeira ou de plástico, e um selo da marca, garantia da autenticidade.
Finalmente são limpas e entram no mercado: armazenistas, comércio local, feirantes…
Também chegam pedidos de encomendas de diversos países da Europa, principalmente onde trabalham os nossos emigrantes.
Segundo José Duarte, proprietário da loja comercial Costa e Costa, Lda., na Rua Infante D. Henrique, junto à Câmara Municipal da Guarda, comércio local que há mais de cinquenta anos vende facas de Verdugal, em inox e em carbono, «é um produto comercial de referência da cidade da Guarda, muito procurado por muitos emigrantes».
Nos mercados semanais do Fundão, do Sabugal… e nos mensais de Vila do Touro, Alfaiates, Miuzela, Soito, Bismula… não há vendedor de cutelaria que não comercialize estas facas.
Dizem os responsáveis que este produto artesanal, apesar da muita procura, corre o risco, como tantos outros desta índole, de estar em vias de extinção. Sabemos e vemos como é difícil encontrar jovens motivados para estas tarefas, seja na cutelaria, cestaria, cordoaria, barro, olaria, latoaria, ferro forjado…
Muita autarquia tem feito grandes esforços para que estas artes ancestrais não desapareçam.
Estas artes e saberes exigem conhecimentos e muito esforço manual, nem sempre compensador, de fracas rentabilidades. Os jovens estudantes, além das poucas motivações, não se interessam por estas actividades. No entanto, ainda há alguns que vão resistindo e lutando.
Hoje deu-me para relembrar e dar a conhecer as facas de Verdugal aos leitores, que já o meu saudoso Pai, ainda eu era criança, comprava no mercado mensal da Bismula.
Todas as segundas feiras no mercado semanal do Fundão encontramos à venda estes utensílios domésticos das duas empresas do Verdugal.
É sempre oportuno escrever sobre todos os temas… porque não abordar as facas artesanais, um produto com sucesso nacional, internacional, feitas em território da nossa Beira Alta, numa localidade do Interior, – Verdugal – nas proximidades da Guarda.
A propósito destes utensílios domésticos, o escritor Luís Filipe Sarmento publicou um livro «A Faca» – uma lâmina afiada, que disseca o absurdo e a essência do humano. O autor utiliza a faca não só como uma metáfora, mas sim como símbolo da busca incessante pelo eu, pela identidade. Uma «faca» como instrumento de reflexão.
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«Aldeia de Joanes», crónica de António Alves Fernandes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Março de 2012)
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