Ainda estava em Nairobi, capital do Uganda, a resolver o caso do envenenamento com rícino do esposo da nossa embaixadora, quando surpreendentemente recebo um telefonema do Director Nacional. Situação muito rara porque dependo de um superintendente…
«Bom dia Intendente. Tens de ir rápido para o médio Oriente. Aceitas ou não?»
«Claro, mas…» Desligou a chamada. Nunca permitia que se dissesse: mas, porém, todavia, contudo. Para ele era… «sim ou não».
Bem queria ir à cidade do Cabo ver a família. Mas qual quê!
Ainda respirava fundo e recebo no mail do telemóvel os bilhetes de avião e uma declaração do nosso Ministério de Assuntos Estrangeiros que me isentava de vistos.
O destino era Hurghada, um porto egípcio no mar vermelho. Um agente estaria no Cairo à minha espera. Haveria depois voo de ligação directo para a dita zona portuária.
Algumas dezoito horas depois chego ao Cairo e na zona dos voos de ligação sou abordado por um jovem com roupa desportiva e porte atlético. Apresentou-se como agente de ligação das secretas egípcias e tinha o nome de Petrus, porque professava a religião Cristã Copta.
Explica-me o objectivo da missão no Egipto. Hurghada estava cheio de navios mercantes russos. Só que o receio das autoridades, se baseavam em fortes suspeitas de ligações com terroristas islamitas ou com objectivo de irem para a Arábia Saudita ou tentarem um ataque no canal do Suez, bloqueando outra vez o tráfego marítimo entre o Oriente e o Ocidente.
Com a situação muito crítica na Guerra da Ucrânia e também no Médio Oriente interessava a alguns países o fecho do Suez, mas também criar instabilidade política na Arábia Saudita, que curiosamente sempre teve boas relações com o Presidente Trump.
Muitos dos contactos suspeitos eram nos diversos «resorts» que existiam ao longo da costa. Porém a secreta egípcia já tinha referenciado um denominado «Três Pirâmides» onde eventuais encontros estariam a decorrer.
O objectivo principal era eliminar o chefe do grupo espião russo. Só que com receio de represálias por parte do KGB, pretendiam uma operação limpa, ou seja, um acidente de preferência.
Entregaram-me um ficheiro numa pendrive com uma descrição pormenorizado da vida do alvo.
O quarto que recebi era muito confortável, já tinha computador com ecran externo e com muito software instalado que ajudaria a preparação da operação. Para além disso tinha um belo guarda-roupa à disposição com todo o tipo de vestuário inclusive um fato de mergulho.
Analisei detalhadamente a vida do senhor. Gostava de beber vinho, marisco, falava pouco em público, ou seja, com os outros agentes, deveria usar o telemóvel codificado, dormia com a suposta esposa, sem filhos, nunca saía do «resort», raramente usava o mini autocarro para se deslocar dentro do recinto, por vezes recebia visitas, supostos contactos islamitas, e ia muito para à praia.
Desses contactos através do sistema de CCTV, conseguiram fotos e no relatório constava os nomes, nacionalidade e quais os principais suspeitos.
Não vi nada que pudesse ajudar a montar uma operação de eliminação do alvo, sem ser o envenenamento. Mas aí os russos são bons e devem ter antídotos e kits nos quartos que despistavam a substância.
Resolvo que o melhor era segui-lo discretamente. E ia tirando notas no tablet como um turista solitário dando a impressão que para além das fotografias também ia descrevendo as emoções.
De facto, passava grande tempo na praia sempre com um copo de vinho fresco na mão.
Lia, telefonava, a esposa sempre a colocar creme, supostamente protector solar, mas ocasionalmente fazia mergulho. Uma pequena lancha o vinha buscar e lá ia ele.
Em conversa amena com os empregados questionei se era seguro fazer mergulho.
«Sim! Uma das maravilhas do mar vermelho é a sua profundidade. E muitos turistas o fazem tal como o snorking.» Isto é, um desporto na superfície do mar apenas com uso de óculos e barbatanas.
Explicaram-me também que o passeio inclui refeições e água para beber, para além de um mergulhador experiente para eventuais dificuldades.
A luz começou-me a iluminar o esboço da operação.
Comecei a registar os dias e o tempo que o alvo levava em cada passeio.
Estive no quarto a desenvolver um manuscrito com os detalhes para entregar ao Petrus, supostamente o guia turístico que me dava apoio.
Telefonei e marquei um passeio de barco no mesmo dia que o alvo fazia o seu mergulho.
A secreta egípcia conseguiu colocar um chip na lancha que transportaria o russo.
Ele partiu e uma hora depois largo da praia, mas com um chapéu e um polo, dando um ar de um turista vulgar que gosta de passear pelo mar.
No telemóvel conseguia saber o trajecto do alvo e levando um monóculo de grande alcance discretamente ia confirmando a informação que ia recebendo.
Fiz este acompanhamento cinco vezes. As conclusões não podiam ser melhores. A zona do mar era das mais profundas e sensivelmente num quadrado de cinco por cinco milhas náuticas.
Segundo apurei seriam onde estavam os corais mais interessantes de visitar.
A minha proposta teve o acordo da secreta egípcia. Porém seria necessário o apoio da marinha.
Na data agendada, o alvo repetiu o seu habitual, já estando eu no quarto a arrumar a maleta e aproveitando alguma da roupa nova disponível.
No dia de regresso vou tomar o pequeno-almoço e sentia-se muita agitação nos turistas russos. Ao telemóvel, conversando mais alto, enfim alguma coisa se teria passado.
Pergunto ao empregado a que se deveria tanta conversa ruidosa quando, normalmente, a sala destas refeições ligeiras até costuma ser pacata.
«Um turista ontem foi atacado por um tubarão não tendo qualquer chance de salvação. A tripulação da lancha ainda se sentiu ameaçada, mas consegui fugir a tempo. Desde que cá estou, faz uns cinco anos, é a primeira vez que aparece um tubarão nestas zonas.»
«Pois», respondo eu, «deve ser efeito das alterações climáticas.»
Ericeira, 4 de Janeiro de 2025
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«No trilho das minhas memórias», ficção por António José Alçada
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Junho de 2017)
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POis, as alterações climáticas!…..
Continuação de muita inspiração : )