Há lugares onde se cantava ao «Menino», ainda em dezembro, após o Natal, às portas da casa de pessoas amigas. Cantavam-se cânticos de alegria por Jesus ter nascido, que convidavam à adoração e visita ao Presépio.
Mas, na minha vila de Manteigas, em janeiro era outra coisa. Formavam-se pequenos grupos que andavam por ruas e quelhas, quer nevasse ou até houvesse sincelo, vestindo capotes e velhas pelisses, por vezes já roçadas e remendadas que ajudavam a não congelar os corpos. As meias e luvas de lã com cinco dedos, evitavam, respetivamente, que os pés e as mãos arrefecessem para poderem segurar as pandeiretas, os ferrinhos, os tambores (quase sempre testos dos tachos e panelas), realejos de boca, flautas de cana (engendradas pelos pastores quando se afastavam com o gado tempos infinitos).
Eu, bem pequerrucha, delirava com «fados e guitarradas», como dizia meu pai, sobretudo quando eu não fazia o que me competia para ajudar nas tarefas caseiras. Porém, em «bem da verdade», era ele quem mais me despertava e desafiava a imaginação para a rima e desgarrada. E, se era um pequeno dom que me fora dado, a sua voz não era somenos para fazer vibrar a alegria que nos envolvia naquele tempo de convívio entre todos. Nós não saíamos para o frio, mas esperávamos que a cozinha se enchesse de cantadores e cantadeiras. Depois, sentados em mantas escuras sobre o soalho da cozinha, entoavam as mais lindas «Janeiras» que embalaram a minha infância. E havia copinhos de jeropiga, pedacinhos de morcela assada, nozes, avelãs, castanhas piladas e nunca faltavam os bolinhos feitos pela minha mãe: os esquecidos, as madalenas, as bicas doces.
Havia grupos que só cantavam à porta e seguiam caminho após terem recebido qualquer prendinha. Meu pai tinha sempre algo para dar pois detestava que lhe chamassem «barbas de farelo».
Como eram alegres as gentes mais simples da minha Terra!
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«Gentes e lugares do meu antanho», crónica de Georgina Ferro
(Cronista no Capeia Arraiana desde Novembro de 2020)
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