Em 1879 o Passeio Público ao qual a aristocracia e certa burguesia lisboeta já se tinham habituado, foi demolido para no seu lugar aparecer a primeira avenida de Lisboa, a… Avenida da Liberdade. Esta deu à capital um desenvolvimento já não no eixo nascente poente junto ao rio Tejo, mas para norte o que foi fundamental para a cidade que hoje conhecemos. A Avenida da Liberdade, nome que manteve desde que nasceu até hoje, é a primogénita das «avenidas novas», expressão como ficaram conhecidas para os alfacinhas as artérias que deram seguimento ao primeiro «boulevard».
AVENIDA DA LIBERDADE
por ironia ou talvez não
pouco tempo depois do Passeio
começar a ter aceitação
e ser o local de recreio
de uma parte da população
ele tornou-se um bloqueio
e foi condenado à morte
em nome da expansão para norte
mas não sem resistência
de muitos fazedores de opinião
estavam pela sua existência
entre outros Eça, Bordalo e Ortigão
mas apesar da divergência
Rosa Araújo toma a decisão
é Ressano Garcia a traçar
a nova avenida o nosso boulevard
Ressano formou-se em França
e tinha em mente um desejo
ser ele a operar a mudança
expandir Lisboa de junto ao Tejo
pelas terras da vizinhança
assim não perdeu o ensejo
e a avenida foi essencial
no desenvolvimento da capital
o Passeio passou a ser avenida
e a avenida tinha algo do Passeio
só que bastante mais comprida
permitindo circulação ao meio
alguma ornamentação foi mantida
mas sem os muros de premeio
eram os prédios que a limitavam
com as pessoas que as habitavam
é de fácil compreensão
as razões porque perdura
com o seu quilómetro de extensão
por noventa metros de largura
ladeada por edifícios de padrão
com marcas de envergadura
a Avenida da liberdade
é um ex-libris da cidade
hoje é normal não darmos atenção
a esta contenda de antigamente
mas devia ser motivo de reflexão
para as obras do presente
A «Avenida» foi construída entre 1879 e 1886 à imagem dos boulevards de Paris
– Ora haí tens tu essa avenida! Hem?… Já não é mau!
Foi assim que João da Ega falou para Carlos da Maia que regressava de uma viagem ao estrangeiro e onde tinha deixado o Passeio Público encontrava a Avenida da Liberdade. O grande Eça de Queirós não perdeu a oportunidade de no seu livro – «Os Maias» – declarar-se contra avenida que em seu entender era «um curto rompante de luxo barato».
Já Ramalho Ortigão atacou em «As Farpas» o projeto considerando ridículo e pretensioso…
«O projecto do boulevard do passeio do Rocio ao Campo Grande é de uma concepção tão ridiculamente pretenciosa, tão burguezmente peralvilha, tão caixeiro de loja de modas, tão cuia de retroz, tão banha de cheiro com espirito de lucia-lima, que chega a fazer nojo. (…) O boulevard é um luxo».
Rafael Bordalo Pinheiro aproveitou o facto da confeitaria de família de Rosa Araújo fabricar uns pastéis apelidados de «cocó» para lhe chamar «o rotundo cocó» ironizando também com a sua obesidade.
De uma maneira geral as pessoas são adversárias da mudança e custa-lhes habituar-se às novidades mas estes exemplos de personalidades que criticaram esta obra leva-me a pensar que nem os génios são sempre génios pois têm momentos em que reagem com banalidade apesar de serem pessoas acima dessa mesma banalidade.
Felizmente do outro lado da contenda estava Rosa Araújo, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, que indiferente à polémica nomeou o engenheiro Ressano Garcia para traçar o projeto e levá-lo a cabo, assim nasceram com pouco tempo de diferença a Praça dos Restauradores e a Avenida da Liberdade que desembocava na rotunda que mais tarde recebeu o nome de Praça do Marquês de Pombal. Mas isso será motivo de outra conversa…
Dizer por último que Rosa Araújo, filho de um abastado comerciante da Baixa lisboeta, faleceu com 52 anos e tem a sua estátua entre outras na «sua avenida». Por curiosidade acrescento que ele terá custeado do seu bolso partes do projeto da «Avenida» tal se sentia envolvido nele, o que é paradoxal comparado com o que estamos atualmente habituados a ouvir. Mas isso são contas de somar ou de sumir que ficam para fazer por cada um dos leitores.
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«Quiosque da Sorte», poesia de Luís Fernando Lopes
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