AUDIÇÃO DE TESTEMUNHAS  |  Na região de Sortelha é frequente ouvir falar de Bruxas! No Arquivo Nacional da Torre do Tombo encontra-se o processo de Leonor Fernandes, Cristã-Velha, que decorreu entre 6 de setembro de 1714 e 27 de fevereiro de 1716. Foi acusada de feitiçarias e bruxaria pelo Tribunal do Santo Ofício. Apresentamos alguns extratos de depoimentos que entendemos serem pertinentes… (parte 4).

PARTE III – AUDIÇÃO DE TESTEMUNHAS

Quinta Testemunha – Manuel da Costa Peixoto

Manuel da Costa Peixoto deste lugar do Casteleiro indicado pelo Provedor, notificado pelo meirinho, disse que Leonor Fernandes é tida e havida como feiticeira com extraordinários poderes de dar e tirar, fazer e desfazer, com que não mamem as criaturas como foi em casa desta testemunha, há sete anos, que tendo uma criança, por nome Julinha, sem pegar no peito da mãe, onde as estranhas pegavam e achavam leite, quis a denunciada remediar o mal dizendo que ela e a mãe da criança haviam de ir a certa parte ter com certa mulher, sem nomear nenhuma nem lugar, e que logo tiraria o asco de mamar à criança.

Ao que sua mulher respondeu que não saia de casa sem licença do seu marido e que se ela queria ir à outra fosse, que ela lhe faria os custos a qual logo ali fez certas medicinas de trigo cozidas posto em cruz nas costas, e logo incontinente sucedeu que a menina perdeu a mania e respondeu que tinha de mamar na mãe, o que sabe por suceder em sua casa e que em Penamacor o mesmo sucedera à menos tempo à sua cunhada Leonor Pinto, dando-lhe e tirando-lhe leite conforme a lua de que estava, ou lhe tinham feito, ou negado algum bem como foi o caso em que não lhe quiseram dar um quartilho de vinho, conhecendo-lhe claramente a sua sanha ou gosto pelos filhos do bem.

O mal que fazia em tudo era notório, que o mesmo sucedia nos bezerros e rezes. A denunciada tinha pacto com o demónio, com sua arte fizera mal ao Capitão-mor de Sortelha há cerca de três anos e sempre tem continuado as suas queixas cada vez mais fortes há uns tempos para cá. Que buscando remédio na medicina não achou, que dita confessou o mal que tinha feito ao vigário de Sortelha Manoel Mendes de Carvalho e ser público.

Sexta Testemunha – Manuel Mattos

Manuel Mattos, natural do Casteleiro, fez juramento dos Santos Evangelhos em que pôs a sua mão direita e prometeu dizer a verdade de tudo o que fosse perguntado, de sua idade de trinta e sete anos mais ou menos e do costume disse nada. Sobre Leonor Fernandes e ainda sua mãe, desde que ela testemunha pertence,  sempre  neste povo e fora dele foram tidos como infamadas e murmuradas por públicas feiticeiras e que sempre abusaram do ofício de parteiras. Dando e tirando leite às mulheres paridas e bem como aos animais quando queriam e era sua vontade, conforme o bem ou mal que estavam com as pessoas sem que recebessem o que queriam. Daí que fossem tratadas por bruxas e feiticeiras.

Em certa ocasião a filha de Francisco Monteiro, deste lugar, estava com falta de leite e entendendo que a denunciada era a causa desse mal a chamaram a casa por bem, levaram-na a uma loja, puseram-lhe uma corda no pescoço, com uma enxada nas mãos e começaram a dizer-lhe que a iam enforcar e abrir-lhe uma cova com a enxada a sepultavam na loja se não lhe tirasse o malefício e a filha não desse logo leite. E que logo a mãe dera leite como antes e que o referido sabe por lhe contarem os mesmos.

O mesmo fizera com Leonor Pinto deste lugar, casada com Domingos Oniz de Aldeia da Ponte e morador neste lugar, que lhe restituíra logo leite. É notório nesse lugar que a denunciada com o diabo dera feitiços o Capitão-Mor da vila de Sortelha e lhos fizera apanhar pelos pés. A mesma confessava e não negava que sendo o dito Capitão medicinado por cirurgiões e médicos o mesmo não obrava a arte de medicina, só se achar melhor com as que fizera a denunciada em companhia com outra que a mesma mandara vir.

Nota

(*) José Serpa – Professor de Educação Visual na Escola D. João I, Baixa da Banheira, Moita.

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«Memórias de Sortelha», opinião de António Gonçalves
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2019)
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