Há muito tempo que as minhas peregrinações domésticas, familiares, estavam ausentes da cidade de Luiza Todi, a terra prometida, para aonde um dia, na década de sessenta, um casal com nove filhos menores, imigraram da Bismula (Sabugal), à procura de melhor futuro que em Setúbal encontraram. Sair das raízes arraianas, ficando para trás momentos de ternuras, de ruralidades, de comunidade não foi fácil, foi até doloroso, mas era necessário partir, sair. Não havia alternativas…
Eu, Me Ausentei de Ti, Meu Pátrio Sado
Bocage
Regressei a Setúbal por uns dias. Senti-me como «um filho pródigo», que regressa a espaços geográficos tão familiares, culturais, sociais, laborais. As saudades já eram muitas, muitas… As vozes de familiares. De amigos, chegavam à Cova da Beira… «andas tão esquecido de Setúbal, daquela que foi a Nova Jerusalém, das vivências do Rio Azul, dos jogos do teu Vitória, destas paisagens humanas, patrimoniais…»
Cheguei e entre abraços recordei um ambiente natalício, ainda vivo na memória, dos convívios familiares, do Coral Luiza Todi, aniversários, Ceia de Natal, Missa do Galo… em cenários de fraternidade.
A gastronomia setubalense destes dias foram os produtos do rio e do mar, os reis na mesa da refeição familiar, choco frito, feijoadas, douradas…
As minhas diversas peregrinações sadinas foram percorridas no Parque do Bonfim, foi passar pelo Monumento do CNE (da Junta Regional do Corpo Nacional de Escutas,) recordar «O Chefe Joaquim Fernandes», um cidadão arraiano, com o coração dedicado ao escutismo, e com as mãos voluntárias de bom soldador, ligou as peças de aço entre os quatro continentes, numa simbologia do movimento juvenil de abrangência mundial.
Junto ao Estádio do Bonfim, olhei com amargura para um espaço vazio, deserto, onde em tempos idos, se viverem momentos de tanta glória e feitos futebolísticos. Na rotunda a imagem de Jacinto João, um futebolista de renome nacional e internacional.
Infelizmente dirigentes incompetentes, irresponsáveis do futebol regional e nacional, colocaram o Vitória de Setúbal, numa situação onde nunca devia estar. Esperamos que ressurga das cinzas onde o deixaram.
Seguiu-se uma visita ao Convento de Jesus/Museu de Setúbal, renovado, restaurado, requalificado, reabilitado, moderno, onde inclui coleções de arte, arqueologia, bibliografia, documentos e pinturas. A minha atenção centralizou-se no Retábulo da Igreja do Convento de Jesus de Setúbal, encomendado a Jorge Afonso, obra prima da Escola Portuguesa do Renascimento (1519-1530), constituído por catorze painéis pintados em óleo sobre madeira de carvalho do báltico, representado diversas cenas evangélicas e de santos.
Estátuas de Augusto Cid no Mercado do Livramento
Em Setúbal é obrigatória uma ida ao Mercado do Livramento, um dos ex-libris setubalense, onde se vende e compra o melhor peixe do mundo. Percorre-se as bancas do pescado, das floristas, das hortaliças, das frutas, do pão, carnes e queijos (com muitas qualidades e alguns com origem no Fundão.)
No átrio central, os nossos olhos fixam nas estátuas, no Homem do Talho, na Vendedora dos Ovos, na Florista e no Vendedor do Peixe, obras do autor Augusto Cid, pertença da Fundação Buehler Brockaus (alemã), que as ofertou àquele espaço comercial.
Os passos avançam, e numa passagem pelo átrio da Associação de Socorros Mútuos Setubalenses, de apoio aos mais carenciados, pela primeira vez foi observado aos olhos. Não muito longe deste local, o Largo de Santo António, onde junto à Capela está a casa, que abrigou uma família numerosa, oriunda da Bismula. Hoje é sede de um Agrupamento de Escuteiros. Realce-se que o pai desta grande prole familiar, o bismulense José Maria Fernandes, foi durante algum tempo sacristão da Igreja de Nossa Senhora da Graça, actualmente a Sé da Diocese Setubalense.
Estas pequenas peregrinações fecharam com chave de ouro, com a participação no Jubileu 2025 na Diocese de Setúbal, sob o tema universal a «Peregrinação da Esperança», que todas as dioceses iniciaram no último domingo de Dezembro, e vai-se prolongar por todos os meses do próximo ano. Na Diocese de Setúbal a celebração do Jubileu também enquadrada no 50.º aniversário da sua criação, ocorrida em 16 de Julho de 1975 com a «Bula Studentes Nos» assinada pelo Papa Paulo VI. A Esperança no Evangelho do amor, da paz, da justiça, da partilha, do perdão…
Cardeal D. Américo Aguiar é o Bispo de Setúbal
A Sé repleta de fiéis, foi celebrada a Eucaristia presidida pelo Cardeal D. Américo Aguiar, que não deixou ninguém indiferente pela participação activa de muitos jovens de várias instituições, principalmente dos Escuteiros da Região, de muitas famílias e das palavras proferidas pelo celebrante.
Dirigiu-se com expressões de gratidão a todos, todos, que tem colaborado em todos os serviços pastorais da Diocese. Lembrou que 25 por cento da população de Setúbal são migrantes de diversas geografias nacionais e estrangeiras, que aqui encontraram a felicidade. Não nos devemos esquecer que 15 por cento da população nacional são imigrantes estrangeiros. Lembrou as famílias com tantas dificuldades de diversa ordem, sofrimento, desemprego, «os jovens e mulheres que gritam por nós». Apelou aos parlamentares que neste Jubileu e no cinquentenário da democracia, se lembrassem de decretar uma amnistia, porque o Jubileu significa perdão. Anunciou que a Diocese de Setúbal irá perdoar todas as dividas, apelando para outras instituições tomarem idêntica medida.
«O Jubileu não pode ser uma peregrinação turística, mas sim uma caminhada no interior de cada um, com amor e fraternidade.»
O regresso ao Fundão imponha-se, e na Praça do Brasil onde início a viagem ferroviária para Lisboa, recordo o primeiro emprego nos Serviços Municipalizados de Setúbal, admiro a criança que brinca com um comboio tentado colocado nos carris, despeço-me abraçando familiares, sob o olhar atento de Nossa Senhora de Setúbal.
No regresso, memorizei as palavras do Papa Francisco… «A Esperança do mundo está na Fraternidade» enquanto por simples coincidência, tive na viagem uma cuidadora de famílias idosas, chamada Felicidade.
Até breve, cidade de Setúbal!
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«Aldeia de Joanes», crónica de António Alves Fernandes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Março de 2012)
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