AUDIÇÃO DE TESTEMUNHAS | Na região de Sortelha é frequente ouvir falar de Bruxas! No Arquivo Nacional da Torre do Tombo encontra-se o processo de Leonor Fernandes, Cristã-Velha, que decorreu entre 6 de setembro de 1714 e 27 de fevereiro de 1716. Foi acusada de feitiçarias e bruxaria pelo Tribunal do Santo Ofício. Apresentamos alguns extratos de depoimentos que entendemos serem pertinentes… (parte 3).
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PARTE III – AUDIÇÃO DE TESTEMUNHAS
Terceira Testemunha – Domingos Oniz Ruivo
Domingos Oniz Ruivo, morador no lugar do Casteleiro, homem lavrador e que vive de sua fazenda, testemunha arrolada pelo Doutor Promotor; e notificada pelo meirinho a que o Reverendo Comissário deu juramento dos Santos Evangelhos em que pôs a mão direita e lhe encarregou dissesse a verdade sobre o conteúdo na petição do Doutor Promotor o que prometeu fazer e de sua verdade disse de ser de sessenta e três anos pouco mais ou menos.
E perguntando ele à testemunha pela petição, disse que neste povo é geral e constante murmuração que a denunciada Leonor Fernandes deste lugar tem poder por arte de (..) para dar e tirar leite às que criam, assim à mulher como animais e dar e tirar saúde às criaturas de que há muitos exemplos neste lugar e fora dele; como vem a ser a Leonor Pinta, viúva de Sebastião Luís, e Maria da Cruz, viúva de António de Oliveira, e Isabel Mendes, mulher viúva de Manoel Gonçalves Araújo e outras mais, todas deste lugar, e isto logo no mesmo instante em que a dita pedia algumas coisas de comer e se lhe negavam, e que logo também o restituia; e quando a desassanhavam e chamavam por bem e lhe davam os seus… E que ela também dera ao Capitão-Mor da Vila de Sortelha um pó de fetos que lhe lançara na sua baranda onde o dito costuma passar, indo a dita denunciada de propósito acompanhada pelo demónio arranjá-los na baranda do dito. Passou muito mal há muito tempo, quase sempre de cama e com graves dores, sem o cegar, nem o temer, nem olhar, nem achar remédio na medicina… Procurou-a, recolheu e afagou e fez confessar seus enredos. O que tudo, ela testemunha, sabe por ouvir contar geralmente a todos. Assim o malefício, como também as demais coisas atrás referidas, que a fama geral publicamente murmurada sobre a dita… Todos estimando-a por feiticeira e nessa estimação a reputa ela testemunha pelo que se vê e ouve.
Quarta Testemunha – Isabel Martins
Isabel Martins, viúva de Domingos Martins, deste lugar do Casteleiro testemunha dada pelo Doutor Promotor, notificada pelo meirinho, a quem o Doutor Comissário deu o juramento dos Santos Evangelhos sobre que pôs a mão direita e lhe encarregou dissesse a verdade o que prometeu fazer e de sua verdade disse de ser de cinquenta anos pouco mais (…)
Perguntada pelo conteúdo na petição do Doutor Promotor, disse ela testemunha que o que sabia desta Leonor Fernandes, deste lugar, era que em certa ocasião lhe pedira a ela testemunha um queijo, como ela lhe tivesse dado um lho negou e logo em breve se secou o leite a um seu bezerrinho por alguns dias, até que advertida e aconselhada das vizinhas a chamou e lhe pediu. É tida por todos mulher de más partes e por todos desrespeitada!
Disse que na véspera de São Miguel dera à dita denunciada um cacho de uvas, e que no outro dia de manhã se sentira gravemente doente de grandes dores que lhe deram até ao último dia de fevereiro, depois de ter experimentado a medicina estava sem esperanças e mandou chamá-la, a qual lhe aplicou pelas costas algumas folhas de esteva refugadas em que logo se achou boa, sendo que não podia viver senão na cama. O que a todos causou grande espanto.
Do que fez a Catarina Luís viúva de Domingos Jorge deste lugar de Casteleiro. A qual lhe perguntou:
– Como pode curar com tanta celeridade e reserva o que os médicos não podiam com tanto custo?
Ao que ela respondeu:
– Se eu não fora imaginasse como podia levantar-se da cama.
Tudo isto confessou e é público. Depois que as pessoas se acham bem quer ser compensada em sua casa e em seu corpo e faz tudo público.
Nota
(*) José Serpa – Professor de Educação Visual na Escola D. João I, Baixa da Banheira, Moita.
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«Memórias de Sortelha», opinião de António Gonçalves
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2019)
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