No Queimoso passarsido o Augusto Simão, que tunhe acompanharsido mês rabiscos no papeloso Capeia Arraiana, apreciarsindo-os, lançarsiu-me uno desafierno na noiena reta: «Por que nentes escrevumpes uno mintroso sobre Quadrazais? Toienes é que sunhes a pensante dedada p’ ó fazunhir.» Nentes penhando esperarsa duno desafierno daquesses, penhei sim sabunhir o que galrar senentes uno «dudez!» sim teimosa. A eureca penhou cá no baixo da muchela, sim granjeira chispa de a trazunhir ó de riba. (Carcho 21.º).
IV – SAIUMPIDO
Carcho 21.º
E voltarsiram à alegrosa da Sant’Ófêmia no roda andunhante. Tútio penhava na mesmerna. Apenas algunos «franceses» que, cumo soienes, fazunhiam marcadas nos marcados sim adicar ó câmbio. O festoso agora penhava luzernado e cum bonitos, baro cumo as passantes por onde passarsiria a ala. Havunhia algunas produzidas p’o festoso, tal cumo a farejada p’a balhar e o palenque p’ós sabedores.
Pensarsiram im marcar uno coime e uno ó atro chão. No tunhiam inda pardido as subterrâneas à mata nim a eureca de que quem tunhia chões sunhia abondante. O Meguel inda paladaria de aplicarsir no aberto o que aprendunhira sobre campura: terrar, cortar, sacar verdosa e acimar cascosas. Mas já no pretendunhia matar o corperno. O retiro («la retraite») chegarsia p’às sós necidades.
Os cambalaches penhariam p’a atro tempo!
Vegitaram Códrazais bondantes tempos, que a mata que nos adicou luzir no se devunhe parder. Adicaram as insabidas: as passantes já drepadas e luzernadas por luzentes eléctricos dês o unal dos rodas senessenta.
Onde podunhiriam agora menunciar-se os lupomes? Ala, lameeiros. Já podunhiriam adicar teledica e usarsir electrocoimosos.
Inhiria à divina no Sagrado, co’a só Palmira ó vento, baro farpelados, ele de domingueiro e calcantes, êla cum gírio granjão e bogalhudo de lodo à couraça, acumpanharsidos de donos petesgos. O irreal de sunhir abondante penhava a sunhir sunhência. Cumo soienes, algunos dos anteditos juntos de ensinadora e de andantadas p’o risco tamém viraram à mata. Atros único virariam im tábuas, poi crunhiram que sunhisse a terrunha de Códrazais que les suquisse os durões. Por aquisso o covas tunhiu de sunhir alonjado donos ó trenos tempos. Atros por lá fequeram p’a constante.
Idearam marcar uno carchado de terrunho ó Vale, apartado do verdoso que sunhira do parrondas Zé Jaquim e agora sunhia do Jé Carvalha, que o recarchara im carchados. E fazunhiram o sê coime c’as ajeitadezas precas, p’a onde vunhiram coimar já retirados, cum ânsia intubada dês o roda senenta e quinos. Já sunhia paladoso alentar im Códrazais, cum telegalrante, repetidor e teledica, cum rápida de lavarsir farpela, queimador e asfixiante e cum coime de nado.
Já no se adicava a bicha de pensantes ó vento do coime do Sr. Zé Simão e apoi ó vento do do Paposeco, à esperarsa de apular una papelosa. O frenteiro tamém saiumpira p’a França e o doneiro acabara. Agora sunhia una fixosa do Sabugal que inhia levarsir e disdarsir o pôco anunciante. Tamém já no vunhia do Sabugal o manuarjo dos urgentes, no sê passarso pressado, abrangando una caiadona de uno vento p’ó atro. O telegalrante tútio finara.
Ala tunhir de inhir baixarsir as galdrinas atrás dos cascoseiros do ar. Ala a Palmira tunhir de inhir lavarsir a farpela, rodilhada na tacoilê, na Lavandeira ó à Rebeira. No Vale já no podunhiam empecilhar a ânsia. Tótia êla tunhia sunhido impantanada por baixo da barulhenta e o fundo do Panto, donde vunhia o mai granjeiro carcho da ânsia, tunhia sunhido taponado cum granjeiros grossos de cascoseiros do ar e drepas de cantariê.
Suquiam sentarsidos im ajeitadas proiosas e já nentes im proiosos de agulhante ó tavolinhas de musgoso cum trenos calcantes, e nentes já im riba do escano, mas sim nuna távola jaral. Legante inhia o relógio im que suquia o groio p’una barranha ó caçoilo. Agora usarsiam gírios forjados p’a suquir o groio, o raso frontal e o apoi alapados. Já no precisarsia de inhir esgueirar alguna malata a uno acercado. Nim sunhia preco inhir à Praça marcá-las ós Penamacorenses que soienes montes tempos incuntrarsira baro ombra na altura, soienes p’a Valverde, eles p’a Códrazais. Bondava pegarsir no sê altmoble e inhir ó Sabugal, onde incuntrarsiria tútio nos super, tal cumo im França. Os altmobles enchunhiam as passantes. Quem tunhiria pensarsido que alguno lúzio andarsiriam im altmobles de su os que inhiam a penantes ó Sabugal, Vale de Espinho ó Soito?
(continua)
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NOVELA NA RAIA – EPISÓDIO 24
(publicado originalmente a 28 de Dezembro de 2018)
A minha intenção é sempre a mesma. Avivar a memória da cultura de Quadrazais para que não se perca, sobretudo entre os jovens que não nasceram ou não cresceram em Quadrazais, tendo ouvido apenas dos pais e avós algumas histórias e cenas da vida quotidiana da terra onde haviam nascido, tão longe do local onde agora se encontram. Na «Novela na Raia» vou utilizar personagens reais da aldeia, tentarei descrever quadros da aldeia e narrar os factos do dia-a-dia, embora não obrigatoriamente protagonizados por estas personagens.
QUARTA PARTE – EMIGRANTE
Episódio 24
E voltaram à festa da Sant’Ofêmia no ano seguinte. Tudo estava na mesma. Apenas alguns «franceses» que, como eles, faziam compras nos mercados sem olhar ao preço. O arraial agora estava iluminado e com enfeites, bem como as ruas por onde passaria a p’cissão. Havia algumas obras pelo arraial, tal como a pista para dançar e o palco para os artistas.
Pensaram em comprar uma casa e um ou outro chão. Não tinham ainda esquecido as raízes à terra nem a ideia de que quem tinha chões era rico. O Miguel ainda gostaria de aplicar no campo o que aprendera sobre agricultura: semear, ceifar, sachar e arrancar batatas. Mas já não pretendia cansar o corpo. A reforma («la retraite») chegava para as suas necessidades.
Os negócios ficariam para outra vez!
Visitaram Quadrazais várias vezes, que a terra que nos viu nascer não se deve esquecer. Viram as novidades: as ruas já calcetadas e iluminadas por candeeiros eléctricos desde o início dos anos sessenta.
Onde poderiam agora esconder-se os lobesomes? Adeus lapacheiros. Já poderiam ver televisão e usar electrodomésticos.
Iria à missa no Domingo, com a sua Palmira ao lado, bem vestidos, ele de fato e sapatos, ela com um belo vestido e cordão de oiro ao peito, acompanhados de dois meninos. O sonho de ser rico estava a tornar-se realidade. Como ele, alguns dos antigos colegas de escola e de caminhadas pela raia também regressaram à terra. Outros só regressaram em caixão, pois quiseram que fosse a terra de Quadrazais que lhe comesse os ossos. Por isso, o cemitério teve de ser alargado duas ou três vezes. Outros por lá ficaram para sempre.
Planearam comprar um lote de terreno ao Vale, destacado do lameiro que fora do Senhor Zé Jaquim e agora era do Jé Carvalha, que o repartira em lotes. E fizeram a sua casa com as comodidades necessárias, para onde vieram morar já reformados, com água canalizada desde o ano de setenta e cinco.
Já era agradável viver em Quadrazais, com telefone, rádio e televisão, com máquina de lavar roupa, fogão a gás e com casa de banho.
Já não se via a fila de pessoas junto à casa do Sr. Zé Simão e depois junto à do «paposeco», à espera de receber uma carta. O primeiro também emigrara para França e o segundo morrera. Agora era uma carrinha do Sabugal que ia levar e distribuir o pouco correio. Também já não vinha do Sabugal o home dos telegramas, no seu passo apressado, bamboleando uma vara de um lado para o outro. O telefone tudo resolvera.
Adeus ter de ir baixar as calças atrás dos castanheiros. Adeus a Palmira ter de ir lavar a roupa, ajoelhada na tacoilê, à Lavandeira ou à Ribeira. No Vale já não podiam entancar a água. Toda ela tinha sido drenada por baixo da calçada e o poço do Panto, donde vinha a maior parte da água, tinha sido tapado com grandes troncos de castanheiros e pedras de cantariê.
Comiam sentados em cómodas cadeiras e não já em bancos de pinho ou mesinhas de carvalho com três pés, e não já em cima do escano, mas sim numa mesa normal. Longe ia o tempo em que comia o caldo por uma barranha ou caçoilo. Agora usava bons talheres para comer a sopa, o prato principal e a sobremesa à discrição. Já não precisava de ir roubar alguma maçã a um quintal. Nem era preciso ir à Praça comprá-la aos malcatenhos que ele tantas vezes encontrara bem cedo na serra, ele para Valverde, eles p’a Códrazais. Bastava pegar no seu carro e ir ao Sabugal, onde encontraria tudo nos supermercados, tal como em França. Os carros enchiam as ruas. Quem teria pensado que algum dia andariam em carros próprios os que iam a pé ao Sabugal, Vale de Espinho ou Soito?
(Continua)
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Notas
Caçoilo – caneca larga de barro amarelo.
Chão – terreno de cultivo.
Jé – José.
Lapacheiro – lamaçal.
Ó – ou.
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Crónica «Novela na Raia» – «Episódio 24»… [aqui]
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