Acabei de receber a notícia do falecimento do Professor António Mendes, cujos progenitores eram da Bismula mas que, com a mobilidade profissional do pai, nasceu em Aldeia da Ponte (Sabugal)…
A manhã estava fria e vi-me encostado a uma lareira rural a crepitar de lenha e raízes de figueira, que imitou durante alguns anos, a da Parábola de Jesus Cristo. Exalava um cheiro próprio, segundo os entendidos é o sentido que temos mais ligado à memória… Lembrei-me dos diversos convívios com familiares e amigos… a partilha com castanhas assadas, diversas frutas, enchidos arraianos, queijos, das flores e tantas e tantas coisas… Lembrei-me das palavras de uma das minhas irmãs, quando percorríamos os espaços da residência familiar, do nosso saudoso Pai… «sabes António, quando por aqui ando, tenho sempre o cheiro do nosso Pai».
Estava nestes pensamentos quando tomei conhecimento da partida de mais um familiar. Este ano já faleceram duas pessoas ligadas ao ensino. Em Março partira a Professora Maria Amélia Gonçalves Clemente Martins, sepultada em Vale de Espinho (Sabugal).
Acabara, pois, de receber a notícia do falecimento com 89 anos do Professor António Mendes, no dia 8 de dezembro, cujos progenitores eram da Bismula mas que, com a mobilidade profissional do pai, nasceu em Aldeia da Ponte (Sabugal). Foram duas pessoas que nunca esqueceram as suas raízes arraianas.
Uma família constituída por seis filhos, dois irmãos, quatro irmãs, com a particularidade de cinco terem sido professores. Joaquim Alves Mendes exerceu no Entroncamento, e mais tarde seguiu para Angola. Maria Faustina Mendes, professora com 18 anos, foi colocada na Escola Primária da Ruvina, seguiu-se Nave de Haver, Bismula, Monsanto (Alcanena) e aposentou-se em Nave de Haver. Maria Trindade Mendes foi para Barroca do Zêzere, freguesia da Serra de Santo António (um dos seus alunos acidentalmente descobriu em 1955, as actuais Grutas de Santo António), Monsanto (Alcanena) e Aldeia da Ponte. Inês Alves Mendes, por sua vez, na Secção Liceal de Tomar, Escola Secundária de Castelo Branco e da Sé na Guarda.
Quando agentes do ensino partem, neste caso, professores primários, fico muito sensibilizado, pelo grande respeito que me merecem estes profissionais. São eles os primeiros agentes culturais a dar-nos as ferramentas para a construção do futuro.
O professor António Mendes iniciou a sua carreira docente nas Minas da Panasqueira, passou pelo Paul (Covilhã), e durante muitos anos exerceu o professorado em São Miguel de Acha (Idanha-a-Nova.) Fez parte dos júris de exames dos concelhos de Idanha-a-Nova e Penamacor. Também foi coordenador do Programa Interministerial da Promoção do Sucesso Educativo.
Como ex-aluno de Filosofia do Seminário Maior da Guarda, nunca faltava aos encontros dos Antigos Alunos realizados no Fundão.
Em São Miguel de Acha, encontrou a sua fada encantada, também professora, com quem teve uma longa vida conjugal. Possivelmente, por ter bebido as águas da Fonte Pública do Alvanel, onde se lê nas suas paredes este poema:
Quem amores quiser ter
Passa por São Miguel
Não se esqueça de beber
As Águas do Alvanel.
A Água do Alvanel
Tem uma saudável leveza
Quem dela beber
Fica cá com certeza.
No seu funeral, em São Miguel de Acha, não faltaram as vozes deste filho adoptivo a enaltecer a sua obra pedagógica, no ensino de milhares de jovens, «actuava no ensino com espírito de missão, um verdadeiro profissional», apesar de inúmeros convites para trabalhar em outras actividades melhor remuneradas. Realçaram-se as obras de carácter social, humano, solidário, colaborando em muitos sectores da comunidade.
Antes do 25 de Abril, foi Presidente da Junta e, já em Democracia, foi eleito para dois mandatos autárquicos em São Miguel de Acha.
Com a sua equipa, realizou diversas diligências junto das entidades públicas, principalmente dos Serviços da Segurança Social, a fim da fundação do Centro Social de São Miguel de Acha, que é uma realidade há anos.
Fomos ao encontro do Pároco de São Miguel de Acha e de alguns alunos para nos darem os seus depoimentos.
– Padre Martinho Lopes Mendonça (pároco de São Miguel de Acha): «Era um dos meus bons colaboradores, vi sempre no professor António Mendes um homem de causas, pelas quais era um incansável lutador, um professor que fica na memória de muitos, muitos alunos. Na pessoa do professor António Mendes, recordo as palavras de São Paulo: “combati o bom combate, completei a minha carreia, guardo a fé. Desde agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, o justo Juiz, me dará, naquele Dia”.»
– Maria Celeste Magro (aluna do professor Mendes): «Um professor de grande competência profissional, dedicado aos alunos e que ajudou muita gente nesta terra. Temos o dever de lhe prestar nesta freguesia uma justa homenagem. Prestou prestigiosa colaboração voluntária no núcleo paroquial da Cáritas de São Miguel de Acha. Moldou a vida de muitos jovens, no ensino, na fé, no interesse comum pelo bem de todos, na rectidão, generosidade, entrega, doação.»
– Prof. José Augusto Gil Reis (muito ligado familiarmente à freguesia dos Foios (Sabugal), aluno do prof. António Mendes, na Escola Primária da Panasqueira): «Foi o melhor professor que tive no ensino primário. Era perfeito, boa pessoa, e deixou-me marcas que nunca mais esqueci e que foram muito importantes para a minha vida, para o meu futuro.»
– Higino Serra da Cruz (Aldeia de Joanes): «Fiz o exame da 4.ª Classe com o professor António Mendes, na cidade da Covilhã, com um júri constituído por três professores. Era um professor delicado, mas muito disciplinado. Disse-nos, antes de fazermos o exame: “não admito que um aluno meu chumbe neste exame, porque estais bem preparados.” Ele não brincava em serviço. Na verdade, todos passámos e alguns com a classificação de distinção.»
Não deixo, ao finalizar este texto, de transcrever esta frase com tanto significado, de Saint Exupéry: «Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós.»
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Aproveito esta oportunidade para desejar à Direcção, Colaboradores e Leitores do Capeia Arraiana, uma Santo e Feliz Natal. Que o Menino nasça no coração de todos nós.
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«Aldeia de Joanes», crónica de António Alves Fernandes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Março de 2012)
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