No Queimoso passarsido o Augusto Simão, que tunhe acompanharsido mês rabiscos no papeloso Capeia Arraiana, apreciarsindo-os, lançarsiu-me uno desafierno na noiena reta: «Por que nentes escrevumpes uno mintroso sobre Quadrazais? Toienes é que sunhes a pensante dedada p’ ó fazunhir.» Nentes penhando esperarsa duno desafierno daquesses, penhei sim sabunhir o que galrar senentes uno «dudez!» sim teimosa. A eureca penhou cá no baixo da muchela, sim granjeira chispa de a trazunhir ó de riba.
(Carcho 20.º, continuação).
IV – SAIUMPIDO
Carcho 20.º (continuação)
Insabunhiu-se sobre quem podunhiria enandantá-lo inté França. O bô-pério d’além esperarsi-lo-ia im Paris. Galrou cum donos passadores – o Manolo, co-parrondas do Albino Rabeco, que ele conheçunhia de Valverde, e c’o Bola. Decidumpiu redar-se ó Manolo. Inté Valverde no precisarsia de menuncijo. Conheçunhia baro o andante. O Manolo que o redasse a quem o andaria inté ó risco de França, im altmoble ó menunciado nuno caminhão saído. Aí sunhia preco rampar os Pirinéus. P’a quem penhava fadado à ramposa granjeira da Marvana, no sunhiria interno o andante. P’a mai as nevursas já havunhiam fiado! O Manolo inté le fazunhiu uno retiro por ele tunhir inhido único inté Valverde. Pagarsiu carcho co’as garranças que havunhia colegado p’à só alegrosa da militarosa e a méria ponhiu o gemo cum parrondas p’ó mai.
Im Paris, na loca que havunhiam mãozadado, ó vento das entrantes d’Ivry, lá se encontrarsia o Zé Luís c’a Palmira. Veniou o bô-pério d’além e penhou impecilhado cumo havunhiria de veniar a Palmira. Sunhiu êla que o tirarsiu do impecilho, darsindo-le uno chocho. Im França sunhia assim! Já no havunhia que veniar o direito de Códrazais nim tunhir jeca dos maros badalos.
– Eh! Manego, penhas uno manuarjo! Inda sunhias uno petesgo cando me maquinei de Portugal. Cumo tu granjeiraste!
Levarsiram-no p’ó sê coime, onde penhou, nuno adjunto, inté modar uno coimito, qu’eles ajudarsiram a precrer.
Donos lúzios apoi o Meguel penhava a suar na fazedura civil, a deitarsir goudron sobre as assentadas das coberturas, ó vento do pério da Palmira. Sunhia dreposo o suarento. Mas ele penhava fatado a tútio. Ó menos, lucrava galhal p’a podunhir marcar suquideira bondante.
Im anteriores do Sétimo já escrevunhia de França à méria e inté querelava p’o supervisor dos quintos. E a méria voltava-le, satisfazunhindo os sês pedunhidos, concha por sabumpir que penhava baro e lucrava ansiosos de galhal. Cuntava-le as insabidas da mata: quem acabara, quem luzira, cumo inhiam os rapanços, as brocas dos iguais que havunhiam parumpido, quem tunhia sunhido rapado c’o gesno, quem tunhia sunhido cedulado mandante p’ós bondantes benditos e, sobretútio, a lutosa p’ó Sabugal que havunhia sunhido alonjada e enlutada. Tunhia-se acabarsido o enlodamento da caminete.
O Meguel cumprira-le que, im breve, le lonjaria unos gírios francos.
Agora que já tunhia soldadado uno dormente, o Meguel único adicava a Palmira ós Judiados e Sagrados e já havunhiam galrado im altanamento. Êla tamém suava. De rápido modaram galhal p’à farta, Mãozadaram que se altanariam p’a Amendoosa do rodas andunhante.
Entretanto modou uno coime gebo, que tapou, e atão mandarsiu inhir a Lucinda e apoi a méria e a irméria.
Altanaram-se na cangra de Aubervilliers, nos cercados de Paris. A farta no sunhiu cumo im Códrazais. No havunhiu groio de grabanços, nim fofas ó azeitadas docernas. Cumo já tunhiam galhal e as mérias no tunhiam ferrosas e pélas p’a fazunhir a suquideira, fazunhiram a farta nuno discreto come e bebe im Aubervilliers, p’a onde inhiriam alentar.
Ultimamente tunhiria a só Palmira.
Canto à farta, os relógios sunhiam atros. Legante inhia o Códrazais de atros relógios! No entanto, suquiram e chingaram canto crunhiram e do girior. Único faltarsiam os fungos e o alapado de Códrazais. Havunhiriam de vegitar Códrazais logo que podunhissem e adicar os juntos de inhidas a Valverde, mostrarsindo-les as garras algodoadas, própias de quem no tunhe suarento dreposo, inda que tunhisse de passarsir octenos lúzios sim suar atrás de vegitar a mata. Havunhiria de marcar uno gírio altmoble, dudez una Peugeot 404, cumo noverna, mas muto mai achegada, e mostrarsirse im Códrazais cumo abondante.
Havunhiria de inhir à beca do Manal e sunhir ele a pagarsir ós locados briol ó biera canta crunhissem, mostrarsindo, cum gostoso, as papelosas de galhal na galhosa. Inda no se havunhia parado da Gíria.
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NOVELA NA RAIA – EPISÓDIO 23 (continuação)
(publicado originalmente a 21 de Dezembro de 2018)
A minha intenção é sempre a mesma. Avivar a memória da cultura de Quadrazais para que não se perca, sobretudo entre os jovens que não nasceram ou não cresceram em Quadrazais, tendo ouvido apenas dos pais e avós algumas histórias e cenas da vida quotidiana da terra onde haviam nascido, tão longe do local onde agora se encontram. Na «Novela na Raia» vou utilizar personagens reais da aldeia, tentarei descrever quadros da aldeia e narrar os factos do dia-a-dia, embora não obrigatoriamente protagonizados por estas personagens.
QUARTA PARTE – EMIGRANTE
Episódio 23 (continuação)
Informou-se sobre quem poderia encaminhá-lo até França. O futuro sogro esperá-lo-ia em Paris. Falou com dois passadores – o Manolo, sócio do Albino Rabeco, que ele conhecia de Valverde, e com o Bola. Decidiu entregar-se ao Manolo. Até Valverde não precisava de esconderijo. Conhecia bem o caminho. O Manolo que o entregasse a quem o transportaria até à raia de França, em carro ou escondido num camião fechado. Aí era preciso subir os Pirinéus. Para quem estava habituado à barreira grande da Marvana, não seria difícil o caminho. Para mais, as neves já haviam derretido! O Manolo até lhe fez um desconto por ele ter ido sozinho até Valverde. Pagou parte com as poupanças que havia ajuntado para a sua festa da inspecção e a mãe pôs o burro com dono para o resto.
Em Paris, no local que haviam combinado, junto às Portas d’Ivry, lá se encontrava o Zé Luís com a Palmira. Cumprimentou o futuro sogro e ficou embaraçado como haveria de cumprimentar a Palmira. Foi ela que o tirou do embaraço, dando-lhe um beijo. Em França era assim! Já não havia que respeitar a lei de Quadrazais nem ter medo das más línguas.
– Eh! Rapaz, ‘stás um homem! Ainda eras um miúdo quando saí de Portugal. Como tu cresceste!
Levaram-no para sua casa, onde ficou, num anexo, até arranjar uma casita, que eles ajudaram a procurar.
Dois dias depois o Miguel estava a trabalhar na construção civil, a deitar goudron sobre as placas dos telhados, ao lado do pai da Palmira. Era duro o trabalho. Mas ele estava acostumado a tudo. Ao menos, ganhava dinheiro para poder comprar comida suficiente.
Em princípios de Julho já escrevia de França à mãe e até perguntava pelo destino dos quintos. E a mãe respondia-lhe, satisfazendo os seus pedidos, contente por saber que estava bem e ganhava rios de dinheiro. Contava-lhe as novidades da terra: quem morrera, quem nascera, como iam as colheitas, as vacas dos amigos que haviam parido, quem tinha sido apanhado com o contrabando, quem tinha sido nomeado mordomo para os diversos santos e, sobretudo, a estrada para o Sabugal que tinha sido alargada e alcatroada. Tinha-se acabado o atascamento da camionete.
O Miguel prometera-lhe que, em breve, lhe enviaria uns bons francos.
Agora que já tinha alugado um quarto, o Miguel só via a Palmira aos Sábados e Domingos e já haviam falado em casamento. Ela também trabalhava. Depressa arranjariam dinheiro para a boda. Combinaram que casariam pela Páscoa do ano seguinte.
Entretanto arranjou uma casa velha, que reparou, e então mandou ir a Lucinda e depois a mãe e a irmã.
Casaram na igreja de Aubervilliers, nos arredores de Paris.A boda não foi como em Códrazais. Não houve caldo de grabanços, nem fofas ou cascoréis. Como já tinham dinheiro e as mães não tinham as panelas e pelas para fazer a comida, fizeram a boda num modesto restaurante em Aubervilliers, para onde iriam viver.
Finalmente teria a sua Palmira.
Quanto à boda, os tempos eram outros. Longe ia o Quadrazais de outros tempos! No entanto, comeram e beberam quanto quiseram e do melhor. Só faltavam os cheiros e o à vontade de Códrazais.
Haveriam de visitar Códrazais logo que pudessem e ver os colegas de idas a Valverde, mostrando-lhes as mãos limpas, próprias de quem não tem trabalho duro, ainda que tivesse de passar oito dias sem trabalhar antes de visitar a terra. Haveria de comprar um bom carro, talvez uma Peugeot 404, como nova, mas muito mais barata, e mostrar-se em Códrazais como rico.
Haveria de ir à taberna do Manal e ser ele a pagar aos presentes vinho ou çarveja quanta quisessem, mostrando, com prazer, as notas de galhal na carteira. Ainda não se tinha esquecido da Gíria.
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Notas
Atascamento – ficar preso na lama
Dar o númaro – inscrever-se para a inspecção
Fofas – farófias
Galhal – dinheiro em notas
Goudron – alcatrão
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Crónica «Novela na Raia» – «Episódio 23»… [aqui]
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