Pela manhãzinha, acordava ao crepitar do lume da carqueja a arder. O cepo custava a «pintchar» fogo, pois humedecia debaixo do lençol cristalino da geada! Porém, havia sempre uns toros de giesta, raízes de urze ou torga para o atiçar! Não tardava a chegar até mim, aquele chio perfumado da brasa a assentar as borras do café de cevada!…
Lá ia eu então, para a cozinha, ainda a esfregar os olhitos. Pedia a bênção aos tios, que me sorriam naquele misto de ternura e aconchego displicente, com que só eles me sabiam mimar: um bocadinho pais austeros, outro de avós permissivos!
A tia punha água morna na branca bacia de esmalte do lavatório, arregaçava-me as mangas um «poquenino», e ficava a vigiar o meu asseio matinal. Havia sempre um sabonete Madeiras do Oriente a impregnar a minha memória naquele perfume que jamais esqueci. Depois, penteava o cabelo de risca ao meio, que a tia ajeitava com dois laços presos com ganchinhos de arame. Mirava-me ao pequeno espelho e ficava radiante com a imagem! Que lindos eram os seus cabelos castanho doirados!… Sim, aquela imagem, por vezes, era a única menina com quem eu falava enquanto a tia ia fazer as mil e uma tarefas de cada dia.
O tio e o primo Justino desciam à carpintaria e eu ficava a comer um «codorno de pão» com queijinho fresco e a tomar o café com leite. A tia ia arrumando as malgas e a loiça que se usara, puxava a mesinha para trás, aviava o caldeiro da vianda e não tardávamos a ir ter com eles à loja onde nos esperava a Mimosa, mesmo ao lado da carpintaria.
A Mimosa mugia impaciente para sair a caminho do lameiro! No inverno rigoroso, raramente podia sair, tinha de contentar-se com uma «faixa» de feno!
Nesses dias, o tio ia serrando e aplainando tábuas e tabuinhas, enquanto as mãos habilidosas do Justino as ia artisticamente colocando a formar móveis, cadeiras, mesas… ao som do assobio de lindas melodias! Outras vezes, soltava grandes gargalhadas com o Diamantino, que volta e meia lhe vinha fazer companhia!
Logo, logo, nós pegávamos numas «farfalhas» e subíamos as «escaleiras» para ir espevitar o lume e fazer o almoço. …
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«Gentes e lugares do meu antanho», crónica de Georgina Ferro
(Cronista no Capeia Arraiana desde Novembro de 2020)
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