Recordar é viver… Quando começaram a vir de férias, alguns com boas máquinas para a época, os nossos emigrantes eram um sucesso. Melhor… eram a prova do seu sucesso. Grandes sacrifícios, sem dúvida, mas a valer a pena. Vamos recordar mais uns capítulos dessa epopeia grandiosa…
Sabemos que nem tudo eram nem são flores na vida dos nossos emigrantes. A sua aparente «vida de rico» que faziam cá na terra tinha por detrás muita dor e muito sacrifício.
Vida melhor, dor e sacrifício! De facto, esta foi a grande trilogia permanente. Falo assim porque sei do que falo. Essa é a parte obscura do nosso «Poema Épico». Felizmente, tudo correu bem e, na maioria dos casos, a vida de todos eles e suas famílias melhorou mesmo.
Vida de emigrante! Vida emprestada!
Nos arredores de Paris ou noutra localidade francesa onde arranjassem trabalho, os nossos conterrâneos não viviam as suas vidas. Parecia que viviam vidas emprestadas.
Um boa parte deste grande poema épico que foi a emigração foi isso mesmo.
Eram eles que ali estavam em corpo mas a alma, o espírito, o cérebro, esse, andava perdido por outras estâncias. Claro! Viviam os seus dias a pensar no Terreiro de São Francisco, no Reduto, no Caminho da Estrada, na Carrola… sei lá: a pensar na sua família, na Tasca do Ti Zé da Velha, no burrinho que por cá ficara…
Já imaginaram o que é viver num bidonville em Champigny e não ter lá nada do que havia ali no Casteleiro?
Onde estavam as comidinhas feitas pela mulher cá na terra e comidas à hora que se queria?
Onde estava o vinhito tão saboroso e feito por cada um à medida do que gostava?
Quando, lá, ficavam doentes, onde é que havia um Ti Nàciso para os tratar e resolver tudo em dois ou três dias?
Onde é que estava a caminha feita como deve ser e a relação com a mulher e os filhos como sempre tiveram e, agora, tudo estava tão longe…?
Onde estava o lume no Inverno, com as panelas, os caldeiros e uma carnita para se comer?
Onde estavam os tchões que tanto gostavam de tratar e por ali ocuparem os seus dias – mesmo que com o sacrifício do descanso?
Onde estavam as comidinhas gostosas? O caldo das couves? A sardinhita de vez em quando?
Onde é que se viam a panela ao lume, o tacho e as trempes?
O enchido a secar ali por cima do lume?
O cão, onde estava? As duas cabritas, onde?
A ovelhita, o porquito? onde estava tudo isso? Etc. Etc.
Voltar à terra o mais depressa possível
Por isso é que todos eles tinham um projecto permanente: voltar ao Casteleiro depressa.
Com ou sem carro. Com muito dinheiro ou pouco. Eles iam mandando dinheiro às famílias mês a mês.
Portanto, o essencial da melhoria de vida já começava ali a estar garantido. Agora tratava-se mas é de ver a família, descansar um bocado os braços as pernas, os ombros, os ossos… Tratava-se de vir à terra matar saudades de tudo.
Depois, cada coisa de sua vez: lá viria o tempo de arranjar a casa ou até comprar uma ou um bocado de terreno para fazer uma, lá viria até o tempo de comprar um bocado de terra para semear e plantar o que era preciso.
Mas agora, a prioridade era outra: Voltar! Voltar! Voltar!
Os garotos já estavam a ficar granditos, já iam para a escola. Era preciso vir cá vê-los e ajudar a mulher em tudo o que fosse preciso.
E assim aconteceu. De preferência, vinham em Agosto, para estarem na Festa de Santo António.
Aliás, Festa sem emigrantes nem seria festa sequer.
Felizmente, nisso, honra lhes seja feita: nunca esqueceram o seu/nosso torrão natal, como sabemos.
Até para a semana, à mesma hora, no mesmo local!
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«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2011)
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