No Queimoso passarsido o Augusto Simão, que tunhe acompanharsido mês rabiscos no papeloso Capeia Arraiana, apreciarsindo-os, lançarsiu-me uno desafierno na noiena reta: «Por que nentes escrevumpes uno mintroso sobre Quadrazais? Toienes é que sunhes a pensante dedada p’ ó fazunhir.» Nentes penhando esperarsa duno desafierno daquesses, penhei sim sabunhir o que galrar senentes uno «dudez!» sim teimosa. A eureca penhou cá no baixo da muchela, sim granjeira chispa de a trazunhir ó de riba. (Carcho 20.º).
IV – SAIUMPIDO
Carcho 20.º
A méria adicava-le a alteada nos alipantes. Uno lúzio chamarsiu-o.
– Sentarse-te aqui ó mê vento. Adica lá, já pensarsiste im inhir p’à França? Ibau e Ibório já inhiram e já mandarsiram gírio galhal ós périos!
– Mas, no inho tunhir a maia alegrosa?
– Deixarse-te de alegranças que único suquem o pingante do tê corperno. Se penhares apto, tunhirás de inhir unos donos rodas p’a legante de moienes. Quem inhe aidar-me a mantunhir o coime?
O Meguel penhou caído. Pareçunhiam nuvear-se os irreais da só alegrosa. Mas, afinal, a méria tunhia certa. Quem a aidaria? E, cando virasse da militarosa, o que trazunhiria nos golpes? Decenos réis de doçante cinchado. Tunhiria atão vintenos e donos ó vintenos e trenos rodas e nejo p’a podunhir altanar-se c’a Palmira. Quem sabunhe se aquêsta, ó sentumpi-lo legante, no lançarsiria as chamadas ó Jão da rua?!
Galrou co’êla sobre o que a méria le dicara. Pedunhira-le visão.
– Tó méria inté penha certa. Sunhem donos ó trenos rodas pardunhidos. Se crunhes, pedunho a mê pério que te aide a inhir p’à França. Ele já lá penha havunhe unos rodas, sunhiu dos frenteiros a inhir, cum tê onclério Cabral e c’o Finote. Inté podunhe moldar-te suarento. Quem sabunhe se no vunhe buscarsir-me a moienes drento de algunos trintanários?!
Regranou o sermão da méria durante unos lúzios. Sunhia interno parder a só alegrosa. Já inhia a Valverde sim gostoso. P’a quê montes suarentos se já no precisarsia do galhal p’à só alegrosa?
A méria acumpanharsia aqueste penhado de animada do gilfo.
– Deixarsemos que ele tomarse a martelada muchada. Ele havunhe de sabunhir o que sunhe girior p’a soienes.
E ele acabarsiu por segunhir o sermão da méria e da Palmira.
-Baro laticada andarsia a Palmira. Inho fazunhir o que êla e maia méria acharsem girior. Naquesses donos ó trenos rodas moldo galhal p’à farta e p’a marcar uno coimesito im Códrazais. Ó, quem sabunhe, p’a marcar uno coimesito im França e alentar lá co’êla.
Sunhia preco decidumpir atrás dos semis do Sexto. Já havunhia darsido o númaro no Inicieiro. Havunhiria problemernos co’aquisso? Dudez nentes. Tunhiria apenas uno trintanário inté à militarosa, relógio bondante p’a fequer ó inhir p’a França.
Tótios lúzios se maquinava uno sê quinto a doblo. Dos 37 que devunhiriam presentarsir-se à militarosa, 16 já tunhiam passarsido o risco de França.
O problemerno sunhia voltarsir a Portugal mai tardosa. Sunhiria uno refractário e no podunhiria sunhir frenho ó tunhir atra cupação do Estado.
– Lá aquisso sunhe o menos – dicava-le a méria. – Cando lucrares galhal, pagarses a militarosa e já podunhes voltarsir.
– Gíria eureca a da méria. Sunhia aquisso que inhiria fazunhir. Penhava decidumpido. Galrou naquisto à Palmira. Êla tocou o pério p’ó aidar.
Antes de obtunhir volta do pério, já aqueste a chamarsia co’a méria p’ó vento de soienes. Vunhiu laticar aquisso à Lucinda, que o transmitumpiu ó Meguel. No Sagrado andunhante galraram alapados sobre a chausada. Êla cumpriu que, maro chegarsisse, pedunhiria ó pério que le moldasse cupação im França.
O Meguel inda adicou maquinarem-se os aglomerados de cortadores p’ó Campo e chegarsirem os cortadores incados. Mas já no cuntarsia adicar virar os aglomerados nim a suar os finos.
(Continua)
:: :: :: :: ::
NOVELA NA RAIA – EPISÓDIO 23
(publicado originalmente a 21 de Dezembro de 2018)
A minha intenção é sempre a mesma. Avivar a memória da cultura de Quadrazais para que não se perca, sobretudo entre os jovens que não nasceram ou não cresceram em Quadrazais, tendo ouvido apenas dos pais e avós algumas histórias e cenas da vida quotidiana da terra onde haviam nascido, tão longe do local onde agora se encontram. Na «Novela na Raia» vou utilizar personagens reais da aldeia, tentarei descrever quadros da aldeia e narrar os factos do dia-a-dia, embora não obrigatoriamente protagonizados por estas personagens.
QUARTA PARTE – EMIGRANTE
Episódio 23
A mãe via-lhe a alegria nos olhos. Um dia chamou-o.
– Senta-te aqui ó mê lado. Olha lá, já pensaste em ir p’à França? Fulano e Sicrano já foram e já mandaram bô dinheiro ós pais!
– Mas, não vou ter a minha festa?
– Deixa-te de festanças que só te comem o suor do tê corpo. Se ficares apurado, terás de ir uns dois anos para longe de mim. Quem vai ajudar-me a manter a casa?
O Miguel ficou cabisbaixo. Pareciam desfazer-se os sonhos da sua festa. Mas, afinal, a mãe tinha uma certa razão. Quem a ajudaria? E, quando regressasse da tropa, o que traria nos bolsos? Dez réis de mel coado. Teria então vinte e dois ou vinte e três anos e nada para poder casar com a Palmira. Quem sabe se esta, ao senti-lo longe, não lançaria os contratos ao vento?!
Falou com ela sobre o que a mãe lhe dissera. Pedira-lhe opinião.
– Tó mãe até tem razão. São dois ou três anos perdidos. Se queres, peço a mê pai que te ajude a ir p’à França. Ele já lá está há uns anos, foi dos primeiros a ir, com teu tio Cabral e com o Finote. Até pode arranjar-te trabalho. Quem sabe se não me vem buscar a mim dentro de alguns meses?!
Remoeu o conselho da mãe durante uns dias. Era difícil esquecer a sua festa. Já ia a Valverde sem prazer. Para quê tantos trabalhos se já não p’cisava do dinheiro p’à só festa?
A mãe acompanhava este estado de alma do filho.
– Deixemos que ele tome a decisão certa. Ele há-de saber o que é melhor p’a ele.
E ele acabou por seguir o conselho da mãe e da Palmira.
– Bem avisada andava a Palmira. Vou fazer o que ela e minha mãe acham melhor. Nesses dois ó três anos arranjo dinheiro p’à boda e p’a comprar uma casita em Códrazais. Ó, quem sabe, p’a comprar uma casita em França e viver lá co’ ela.
Era preciso decidir antes de meados de Junho. Já havia dado o númaro em Janeiro. Haveria problemas com isso? Talvez não. Teria apenas um mês até à inspecção, tempo suficiente para ficar ó ir p’à França.
Todos os dias partia um seu quinto a salto. Dos 37 que deveriam apresentar-se à inspecção, 16 já tinham ultrapassado a raia de França.
O problema era voltar a Portugal mais tarde. Seria um refractário e não poderia ser polícia ou ter outro emprego do Estado.
– Lá isso é o menos – dizia-lhe a mãe. – Quando ganhares dinheiro, pagas a tropa e já podes voltar.
Boa ideia a da mãe. Era isso que iria fazer. Estava decidido. Falou nisto à Palmira. Ela contactou o pai para o ajudar.
Antes de obter resposta do pai, já este a chamava com a mãe para junto de si. Veio dar conta disso à Lucinda, que o transmitiu ao Miguel. No Domingo seguinte falaram à vontade sobre o assunto. Ela prometeu que, mal chegasse, pediria ao pai que lhe arranjasse emprego em França.
O Miguel ainda viu partir os ranchos de ceifadores p’ó Campo e chegar os ceifadores de fora. Mas já não contava ver regressar os ranchos nem a trabalhar os últimos.
(Continua)
:: :: :: :: ::
Notas
Atascamento – ficar preso na lama
Dar o númaro – inscrever-se para a inspecção
Fofas – farófias
Galhal – dinheiro em notas
Goudron – alcatrão
:: :: :: :: ::
Crónica «Novela na Raia» – «Episódio 23»… [aqui]
Leave a Reply