O «Turismo de Saúde» é um tema sensível do SNS-Serviço Nacional de Saúde que importa resolver. O número de estrangeiros não residentes atendidos nas urgências do SNS mais do que duplicou em apenas dois anos, de acordo com um relatório da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS). No total dos últimos quatro anos, foram atendidas (de 2021 a 31 de setembro de 2024) quase 330 mil pessoas não residentes em Portugal. O presidente da IGAS, António Carapeto, fala em «turismo de saúde».
Mais de 102 mil estrangeiros não residentes em Portugal foram assistidos nos serviços de urgência dos hospitais do SNS, em 2023. Os dados, que constam de um relatório da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), mostram que, em apenas dois anos, mais do que duplicou o número de pessoas que, não vivendo em Portugal, recorreram às urgências do SNS. Em 2024, e só até setembro, já foram atendidas nas urgências do SNS mais de 92.000 estrangeiros não residentes.
Em que consiste este fenómeno que passou a ser designado como «Turismo de Saúde»?
Trata-se de cidadãos estrangeiros não residentes que vêm a Portugal apenas para aceder a serviços ou tratamentos do SNS dada a dificuldade que têm em aceder a esses serviços nos seus países de origem. Os serviços de urgência (que não podem recusar o atendimento) são, assim, uma porta de entrada no SNS. A partir daí, e em caso de necessidade, essas pessoas podem ser referenciadas para outros serviços dentro do SNS, nomeadamente para consultas de especialidade – que dão, depois, acesso a tratamentos.
«É o designado turismo de saúde» declarou à comunicação social o presidente da IGAS, António Carapeto. «Muitas pessoas sabem que os serviços de urgência em Portugal são uma porta para terem acesso a cuidados de saúde».
Atendimentos nos serviços de urgência do SNS
Em 2023, 102.182 estrangeiros não residentes em Portugal foram atendidos nos serviços de urgências dos hospitais do SNS, ou seja, mais 12,5% do que em 2022, ano em que se deslocaram às urgências mais de 89.000 estrangeiros não residentes. No entanto, e em relação a 2021, o aumento é ainda muito mais expressivo: 105%, sendo que em 2021, pouco mais de 45.000 estrangeiros não residentes tinham recorrido ao SNS por esta via.
Segundo o referido relatório da IGAS, até setembro de 2024 já foram, como se disse, atendidas nas urgências do SNS mais de 92.000 estrangeiros não residentes em Portugal. Ora, a manter-se o ritmo no último trimestre do ano em curso, os atendimentos de estrangeiros não residentes irão aumentar de novo em 2024 ultrapassando os valores de 2023 atrás referidos.
Em conclusão, no total dos últimos quatros anos, foram atendidas (de 2021 a 31 de setembro deste ano) quase 330 mil estrangeiros não residentes nos serviços de urgência.
Atendimentos nas Unidades Locais de Saúde (ULS)
A Unidade Local de Saúde (ULS) que mais atendeu cidadãos estrangeiros não residentes em 2023 foi a do Algarve, com mais de 14 mil pessoas num único ano. A segunda mais procurada foi a ULS de São José, que serve a zona central de Lisboa, com quase 12.800 estrangeiros não residentes atendidos igualmente no ano passado. Tanto uma como outra situam-se em zonas com muita pressão turística e, sobretudo, migratória. Em terceiro lugar, surge a ULS do Oeste, com mais de 12.600 atendimentos deste tipo.
Para além do número total de atendimentos, a IGAS questionou as 39 ULS do país sobre a percentagem de pessoas não residentes atendidas nas urgências que se encontravam abrangidas por seguros, protocolos, convenções internacionais, acordos de cooperação ou Cartão Europeu de Seguro de Doença – ou seja, que tinham sistemas que garantiam o pagamento ao SNS pelos serviços de saúde prestados. E a IGAS chegou à conclusão que a percentagem de pessoas não residentes que não estavam abrangidas por nenhum destes sistemas tem vindo a aumentar de forma expressiva. Enquanto em 2021, 35,7% dos não residentes não tinham nenhum sistema ou protocolo de saúde, em 2022 esse valor aumentou para 40,2% do total. Em 2023, voltou a aumentar, para 42,3%, e, este ano, atingiu os 49,3%, ou seja, quase metade do total dos doentes atendidos.
Segundo os dados da IGAS, há ULS em que quase todos os estrangeiros não residentes que recorrem às urgências não têm sistemas de saúde ou seguros que garantam o pagamento ao SNS. É o caso da ULS Amadora-Sintra, em que que 97,5% das pessoas não residentes não têm estes sistemas ou seguros de saúde. Na ULS de Santa Maria, o valor também ultrapassa os 90% (foi de 93% este ano, até setembro).
Na ULS Almada-Seixal, que abrange o Hospital Garcia de Orta (o maior da Península de Setúbal), mais de 71% dos não residentes que acederam às urgências em 2024 não tinham nenhum sistema ou seguro de saúde. Um valor idêntico ao da ULS de Gaia-Espinho.
Na ULS do Litoral Alentejano, uma zona de forte imigração, mais de dois terços (67,5%) dos doentes atendidos não tinha também qualquer seguro ou sistema de saúde.
Ministra da Saúde considera o «Turismo de Saúde» como um tema sensível
A IGAS questionou as ULS sobre a forma como são cobrados os custos decorrentes da assistência aos não residentes. Por exemplo, a ULS Amadora esclareceu que «a admissão à urgência é sempre garantida ao doente», mas não explicou como faz a cobrança aos estrangeiros não residentes quando estes não estão abrangidos por seguros ou sistemas de saúde.
Por sua vez, questionada pela comunicação social em outubro último, a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, admitiu que este tema é «sensível», mas ressalvou que era necessário distinguir entre migrantes e pessoas que fazem «turismo de saúde». «É uma matéria sensível, mas temos que distinguir duas dimensões», explicou a ministra: «Uma coisa é a questão das migrações, e o Governo tem um plano para as migrações, uma matéria interministerial (…), outra coisa é a questão do “turismo de saúde”, que tem alguns contornos que têm que ser analisados e investigados muito bem», sublinhou.
Assim sendo, importa esperar que a análise e a investigação dos contornos do designado «Turismo de Saúde» sejam rapidamente concluídas e que delas sejam retiradas as devidas consequências políticas, financeiras e sociais.
A bem de um funcionamento mais justo e mais adequado do Serviço Nacional de Saúde.
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«Portugal e o Futuro», opinião de Aurélio Crespo
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Julho de 2020)
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