Como eram frias aquelas noites de geada! Mas eram tão lindas em noites de luar! O céu enchia-se de estrelas e a aldeia brilhava com diamantes de «caramelo»! Das chaminés saíam finos fios de fumo mostrando que os lumes se mantinham acesos noite adentro.
As casas eram de pedras grossas e portas robustas, mas o frio era tão esperto que arranjava sempre uma fresta, uma gateira ou até o buraco da fechadura para se enroscar lá dentro ao redor dos nossos corpos.
As crianças que tinham barriguinha cheia e um lar acolhedor, enroscavam-se nas enxergas de folheto entre os lençóis de linho cobertos de mantas pesadas e colchas de lã. Junto dos pés uma pedrinha polida, aquecida ao lume, dava o melhor requinte de conforto!
Enquanto essas crianças, como eu, sonhávamos com fadas e princesas, gnomos, duendes, castelos e palácios, das lindas histórias ouvidas ao serão, os pequenos contrabandistas cosiam-se aos muros e arbustos para se camuflarem em sombras do arvoredo. Em vez de sonhos carregavam medos e pesadelos; em vez de fadas temiam as bruxas, os guardas e os carabineiros. Tinham por enxerga de folhetos e por lençóis de linho, os carreiros do caminho e a geada branca e escorregadia; em lugar de mantas pesadas e quentes tinham o fardo do carrego que suportavam às costas.
Estas crianças, em vez de ouvirem os contos ao serão, iam escutando o rastejar de pequenos seres deslizantes, os galhos a abanar com o vento, os passos pesados a esmagar o gelo do chão…. em vez de contemplarem o céu estrelado, olhavam as sombras dos ramos projectadas pelo luar como fantasmas a persegui-los caminhos fora.
E, enquanto as crianças aconchegadas no conforto dum lar eram uns anjos dormindo, os pequenos contrabandistas eram os delinquentes a enfrentar perigos para ajudarem a matar a fome aos pais e irmãos.
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«Gentes e lugares do meu antanho», crónica de Georgina Ferro
(Cronista no Capeia Arraiana desde Novembro de 2020)
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