:: :: 1996 :: :: As aventuras passaram pela Tapada de Mafra e Serra de Aire, pelas ilhas dos Açores, de volta à Serra da Malcata e a Vale de Espinho e à Cordilheira Cantábrica (Picos da Europa e Galiza) e finalmente mais uma visita ao Gerês.
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1996
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«Raízes» de novo grupo de alunos na Tapada de Mafra e Serra d’Aire
Depois do périplo britânico, o Outono/Inverno de 1995/96 não foi muito rico em «aventuras». Apenas três fins-de-semana auto-caravanísticos, em Monte Gordo, em Setembro, em Tomar, em Novembro e em Santa Cruz, no Carnaval de 1996.
Mas o ano lectivo de 1995/96 trouxe-me de novo o contacto com alunos do 7.º ano de escolaridade. Há anos que leccionava apenas secundário (10.º ao 12.º), mas em boa hora me surgiram estas duas turmas de mais jovenzinhos. Alguns foram meus alunos do 7.º ao 12.º ano! Muitos viveram várias «aventuras» comigo, da Tapada de Mafra ao Gerês, à Cordilheira Cantábrica, à Madeira e aos Açores! Como tantos outros grupos anteriores deixaram saudades!
É assim que, a 13 de Dezembro de 1995, regresso à Tapada de Mafra. Foi a primeira saída de campo das minhas duas turmas de 7.º ano. Ante os olhos esbugalhados de quem nunca tinha visto nada de semelhante, logo se proporcionou ser uma das vezes em que vimos maior quantidade de gamos, javalis, e até veados! Menos de dois meses depois, em 7 de Fevereiro de 96, a Serra d’Aire e as Grutas de Mira de Aire complementaram a primeira abordagem de campo de uma «maltinha» que, salvo raríssimas excepções, nunca tinha saído de Sacavém, Catujal, Camarate…
Aquele dia 7 de Fevereiro foi um dia chuvoso não impedindo mesmo assim uma caminhada de cerca de sete quilómetros, em que conduzi estes jovens pelos trilhos palmilhados 25 anos antes, descendo das grutas de Alvados ao vale de Alvados, até Zambujal de Alcaria. Era verdade… o «meu velho Café da Bica» ainda lá estava! Contei aos meus jovens pupilos algumas das «aventuras» vividas nos meus velhos tempos da Espeleologia. Como esses tempos estavam já longe no tempo! Como o dia estava chuvoso contei-lhes por exemplo o meu gélido fim-de-semana acampado naquela serra em Dezembro do longínquo ano de 1970.
Esta abordagem na Tapada de Mafra e na Serra de Aire criou realmente raízes que viriam a frutificar nos anos seguintes. Logo no primeiro período do 8.º ano a maioria destes alunos estavam comigo no Gerês! Mas antes havia uma «aventura açoreana» para viver com os que, no secundário, tinham ido já ao Alvão, a Montesinho, a Mérida e aos Pirenéus!
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24.04.1996 – Nas ilhas da bruma quando pela primeira vez subi o Pico
Com base no grupo de alunos que tinham ido ao Alvão, Montesinho, Mérida e Pirenéus em Abril de 1996 «lançámo-nos» no Atlântico! Nove dias em São Miguel, Terceira, Faial e Pico! Numa organização fundamentalmente do colega de História, a equipa de «profs» era quase a habitual; só a minha «colega especial», nessa altura com medo dos aviões, foi substituída por outra professora de Biologia.
Assim, no dia 24 de Abril estávamos a partir da Portela, rumo a Ponta Delgada. A ilha de São Miguel era o primeiro destino e para muitos era também o baptismo de voo.
Em Ponta Delgada ficámos alojados no quartel! E os dois dias e meio seguintes foram dedicados à maior ilha dos Açores, a «ilha verde». Em terras açoreanas, diz-se que o São Pedro nos manda as quatro estações num dia e testemunhámos bem isso. Chuva, nevoeiro, Sol, frio, calor tivemos de tudo um pouco.
Com a colaboração da Câmara de Ponta Delgada, percorremos praticamente toda a ilha, das Sete Cidades ao Nordeste, da Lagoa do Fogo à Caldeira Velha e às Furnas onde comemos o seu típico e «aromatizado» cozido.
Mas se o quartel de Ponta Delgada foi «ponto de recolha» também o foi de convívio, camaradagem, brincadeiras. E dia 27 voávamos para a Terceira onde nos esperava um «Hotel» de cinco estrelas!
A Pousada de Juventude de Angra do Heroísmo era, de certeza, uma das melhores então existentes, num paraíso à beira mar. E na Terceira tivemos a colaboração da Câmara de Praia da Vitória, que nos proporcionou a visita aos principais atractivos da ilha. Desde a bela cidade de Angra do Heroísmo, património mundial, ao Museu do Vinho e às piscinas naturais dos Biscoitos, ao Algar do Carvão, a praticamente toda a costa da ilha e à cidade de Praia da Vitória, a ilha Terceira deixou também belas recordações.
Seguia-se o Faial. O voo Terceira-Faial foi o mais bonito, sobrevoando São Jorge e quase sempre com o Pico do Pico à vista. A montanha chamava-nos para a grande aventura! A Caldeira do Faial e, claro, a zona dos Capelinhos, foram os principais atractivos. A aridez dos Capelinhos, passados quase 40 anos das grandes erupções, testemunha o que foi a violência daquele fenómeno vulcânico. A cidade da Horta ficaria para depois do regresso do Pico.
E no último dia de Abril, à noite, na Horta «namorávamos» a montanha que nos chamava do outro lado do canal. De vez em quando soltava-se uma nuvem fumegante. Quando o Pico «fumega» é bom sinal. Por isso, no dia seguinte de manhã, cruzávamos o canal do Pico. Uma travessia um pouco épica, tanto pelo revoltado do mar como pelos que pregaram com a cabeça na trave de entrada da lancha!
As nossas instalações no Pico foram as mais «confortáveis» de todas; o ginásio de um colégio e os colchões da ginástica! E o primeiro dia no Pico foi de uma longa espera por essas instalações (não tinha havido comunicação da nossa chegada) e também pela clemência do tempo, para a subida ao Pico. É também neste dia de espera que me dirijo à caixa multibanco da Madalena do Pico e leio a informação de que está fora de serviço; como habitualmente, «dirija-se ao Multibanco mais próximo»… no Faial!
Só dia 2 de Maio, portanto, com os nomes registados na Protecção Civil e acompanhados por dois guias especializados de montanha partíamos em direcção ao topo de Portugal! Num «confortável transporte de carga», fomos da Madalena até à base do trilho, a 1200 metros de altitude. Tínhamos, portanto 1150 metros de desnível para subir em menos de cinco quilómetros com inclinação média de quase 25%!
Não sendo uma aventura, nem sequer propriamente uma escalada, subir a montanha do Pico vale, só por si, uma ida aos Açores. Mas requer um bom treino de pedestrianismo e boa preparação física. A «selecção» de quem ia ou não à «aventura» foi feita pelos próprios, de acordo também com os conselhos dos guias de montanha, em reunião prévia connosco, na véspera. E, dos 30 que se inscreveram para subir houve várias baixas, com desistências nos troços mais inclinados.
A neve começou a acompanhar-nos por volta dos 1700 metros, bem como o nevoeiro quase sempre persistente. A esperança de irmos ter boa visibilidade era pouca! Quase três horas depois, contudo, atingíamos o bordo da cratera principal, a 2200 metros e eis que os céus se abrem num esplendoroso azul, para nos deixar ver o Piquinho, o espigão de lava que culmina aquela montanha mágica e que lá continuava a fumegar de vez em quando. Para lá chegar, é preciso descer ao interior da cratera principal, para voltar a subir a íngreme ladeira do cone vulcânico. Almoçados lançámo-nos então à conquista dessa última etapa … e poucos minutos antes do meio dia estávamos a 2351 metros de altitude, no cume da montanha mais alta de Portugal! É uma sensação de êxtase e de contemplação, de entrega! No reduzido espaço à volta da pequena «torre» que encima o Piquinho, parecia podermos abraçar toda a ilha e o mar em redor. A visibilidade havia diminuído de novo, mas percebia-se o litoral de São Jorge e, com algum esforço e «imaginação», a Terceira.
Depois… depois havia que regressar e o regresso foi quase permanentemente debaixo de chuva, por vezes copiosa! A descida não é menos épica do que a subida, mas é bem menos demorada: quatro horas para subir e menos de duas para descer. Continuando já no transporte de carga debaixo de chuva de repente vemo-nos a sair das nuvens e a chegar à Madalena do Pico onde estava um bonito dia do Sol e até de algum calor! A roupa secou rapidamente! Realmente os Açores são um álbum meteorológico.
A meio da tarde estávamos de regresso ao Faial. O Pico ficava para trás à espera de um dia lá voltar. De novo no Faial, o último dia desta jornada açoreana foi dedicado à cidade da Horta. A marina – célebre em todo o mundo do yachting – e o celebérrimo Peter Café Sport foram os principais pontos de visita, convívio e despedida. Nessa altura o pai Peter era ainda vivo e lá o cumprimentámos no seu apaixonado posto.
E ao início da tarde daquele dia 3 de Maio de 1996 estávamos a voar de regresso a Lisboa! A «nossa equipa» tinha pela primeira vez levado os alunos às ilhas atlânticas às ilhas da bruma.
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28.07.1996 – De Vale de Espinho ao «desbravar» da Malcata…
Depois do périplo açoreano, o ano de 1996 continuava a avançar. Em Junho, quase em fim de ano lectivo, levo os alunos mais jovens à Arrábida, em passeio e praia. Também em passeio, mas familiar, o parque de campismo de Porto Covo recebeu-nos para mais um fim de semana autocaravanístico. E, também na autocaravana a 28 de Julho partimos para férias.
Vale de Espinho foi o primeiro destino. A autocaravana «acampou» na Rua da Fonte, frente à casa da tia onde costumávamos ficar e muito perto do palheiro que mais tarde viria a ser a minha casa! A autocaravana tinha permitido levar também a bicicleta e 1996 foi o primeiro de muitos anos de «explorações» pela Serra da Malcata, a solo, só eu e a Natureza. Até aí, já tinha subido à Pelada, às Fontes Lares, já tinha percorrido os lameiros do Côa, do Vale da Maria, do Alcambar.
De carro, já tinha ido à Machoca, ao Meimão e à barragem da Meimoa. Mas a bicicleta permitia outros «voos» desbravando as terras do velho lince que infelizmente nunca vi na serra. Assim «dobrei» o limite das Beiras, pela Fonte Moira e Cabeço do Clérigo, corri ao longo da raia, com a Marvana no horizonte e Pesqueiro aos pés e desci à Quinta do Major, à beira do Bazágueda, o «gémeo» do Côa na vertente sul da Malcata. Na altura, ainda não conhecia as lendas da Marvana, a história das gentes que viveram na serra, que labutaram nos olivais ou nos campos de milho da Quinta do Major, justificando a velha eira que fui encontrar ao lado das ruínas da casa grande da quinta. Regressando pela Lomba do Espigal e pela Ventosa, voltei a Vale de Espinho, guiado por velhos mapas e pela minha orientação. Os GPS’s estavam ainda muito incipientes.
Estes dias em Vale de Espinho foram também os de uma ligação mais íntima às memórias do Côa, dos velhos moinhos de água que faziam rodar as mós agora inertes. O velho moinho do Engenho parecia querer contar bem alto as histórias da fábrica de mantas e da «fábrica de luz», que ali existiram em tempos. Histórias saídas do baú das recordações, das memórias contadas pelo meu saudoso sogro e a ele contadas pelas gerações antes dele. O velho moinho da Nogueira, que ainda tinha pertencido à família, num dos locais mais paradisíacos do Côa. E muitos mais lugares mágicos, ao longo do Côa, na serra e nas serras em redor. Viessem mais anos que eu tinha muito para explorar.
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01.08.1996 – Regresso aos Picos de Europa e à Galiza em autocaravana
A 1 de Agosto de 1996, estava a partir de Vale de Espinho rumo, mais uma vez, à Espanha verde, à Cordilheira Cantábrica. Embora nunca tivéssemos gostado de ficar fora de parques de campismo, a autocaravana permitia maior liberdade e autonomia. O primeiro destino eram os Picos de Europa. Íamos procurar «explorar zonas» que ainda não conhecíamos, como o famoso desfiladeiro do rio Cares, a «garganta divina». Por Leon e Riaño, entrámos nos Picos de Europa pelo sul, passando o Puerto de Pandetrave (1562m). A ideia era «acampar» na pequena aldeia de Santa Marina de Valdeón, de onde atingiríamos Posada de Valdeón e Caín, já sobre o Cares. No entanto a estradinha para Santa Marina foi estreitando, estreitando e à entrada da aldeia foi preciso regressar, já que a autocaravana não cabia nas estreitas ruas! Contornámos então o maciço central, e numa tarde de nevoeiro percorremos a bonita estrada do Puerto de San Glorio (1609m), rumo a Potes e ao já nosso conhecido «Camping La Isla, Picos de Europa». Potes é sempre aquela cativante aldeia, como que parada no tempo. Mas desta vez, feita a «escala», no dia seguinte rumámos a Arenas de Cabrales, ao longo do rio Deva e do desfiladeiro de La Hermida. E em Arenas de Cabrales, já à beira do Cares, instalámo-nos por três noites no camping «Naranjo de Bulnes» que igualmente viria a ser uma referência para outras «aventuras».
E a partir de Arenas de Cabrales lançámo-nos então na Senda del Cares. Fazer a Senda del Cares é um «percurso obrigatório» para os amantes da Natureza e da montanha. Primeiro na caravana até Poncebos, início do fabuloso trilho que atravessa o maciço central, depois a pé ao longo dos seus 12 quilómetros transformados em 24 na ida e volta! De um lado e outro do rio, os enormes paredões rochosos foram como que talhados a pique na rocha calcária. Acima de nós, a noroeste, estão os Lagos Ercina e Enol, os lagos de Covadonga; a sudeste, as alturas de Torre Cerredo e do mítico Naranjo de Bulnes. Sentimo-nos pertencer à montanha, à turbulência das águas do Cares, à própria rocha escavada em múltiplos túneis ao longo da parte final do trilho. Trilho que termina em Caín, já em terras leonesas. Aí almoçámos para à tarde repetir o trilho no sentido inverso.
O dia seguinte, 5 de Agosto, foi dia de descanso em Arenas de Cabrales, até porque a chuva predominou. O paraíso verde também significa, claro precipitação mesmo nos meses de verão. Depois, rumámos ao ocidente das Astúrias e à Galiza. Uma etapa intermediária levou-nos a Luarca, ainda nas Astúrias, a simpática vila de pescadores que tínhamos conhecido 14 anos antes. Uma «foto histórica» feita nessa altura, com o nosso júnior escondendo uma flor para entregar à mãe foi reconstituída com esse mesmo júnior 14 anos mais velho!
Mas este 7 de Agosto de 1996 ficaria tragicamente marcado na história de Espanha e na história campista: ao ouvirmos as notícias, em Luarca, soubemos da trágica avalanche que dizimou o «Camping Las Nieves», em Biescas, Pirenéus, na qual morreram 87 pessoas e mais de 180 ficaram feridas!
Entrámos na Galiza por Ribadeo, percorrendo depois a costa norte. Um dia de descanso em Viveiro e seguia-se a Coruña e Santiago de Compostela. Como o júnior mais pequeno diz no filme, para uns era recordar para ele era conhecer. E as férias terminaram em Valença do Minho e em Santa Cruz, em convívios de amizade e familiar. Um mês depois, as duas autocaravanas e a equipa do périplo britânico do verão de 1995 juntavam-se de novo para um curto fim-de-semana em Vila Nova de Milfontes.
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06.11.1996 – Mais uma aventura no Gerês…
No dia 6 de Novembro de 1996, com as turmas do 8.º ano iniciadas no ano anterior na Tapada de Mafra e Serra d’Aire, parto para mais uma romagem às minhas «terras sagradas» do Gerês com 32 jovens alunos e três professores. Primeiro destino… Pitões das Júnias! Agora há quase três anos que as senhoras Marias não nos recebiam! Mas antes, em Tourém, a fonte das solteiras, o forno, o relógio de Sol, e, claro o «alcatrão derretido», tinham de ser motivo da curiosidade daqueles jovens e das «explicações científicas» dos profs.
Em Pitões das Júnias os quartos da senhora Maria voltaram a levar aos três e aos quatro rapazes ou raparigas em seguinte de manhã, o esplendor da serra chamava-nos para mais uma descida ao velho Mosteiro e à ainda mais velha cascata de Pitões. Algum nevoeiro, mas que rapidamente se dissipou mostrando-nos mais uma vez o palco e o cenário natural por onde sete anos antes tínhamos feito a travessia da serra. Para onde é o Norte? Surgiram respostas em quase todas as direcções! Mas a posição do Sol, a cobertura de líquenes e musgos, nas rochas e nos troncos das árvores, ditou a verdadeira direcção. Estavam transmitidas algumas bases de orientação no campo.
À tarde, a viagem para o Gerês foi sonolenta. Nem toda a gente tinha dormido a noite inteira anterior. A camarata do Vidoeiro ia-nos mais uma vez receber para as duas noites seguintes.
No dia 8 por São Bento da Porta Aberta dirigimo-nos a Covide e a Vilarinho da Furna. Em ano de pouca chuva, a barragem estava bem em baixo deixando bem à vista a aldeia perdida nas águas. Como habitualmente, fizemos o percurso da geira romana, subindo o curso do rio Homem. As cores outonais estavam no seu máximo esplendor! E as águas do Homem não estavam suficientemente frias para impedir uns banhos, nas piscinas junto à ponte de São Miguel.
Depois da também habitual visita à vertente galega, na Portela do Homem, esperava-nos o não menos habitual transporte do Parque Nacional… de carga. Para além da maravilha dos elementos naturais, a Cascata do Arado proporcionou igualmente um banho improvisado nas águas cristalinas. E, na Pedra Bela, ao «desespero» da perda de um pelos vistos bem amado boné seguiu-se a alegria de saber que alguém o tinha recuperado..
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«Por fragas e pragas…», crónica e fotos (copyright) de José Carlos Callixto
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana)
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