Todos os anos, nos dias seguintes à abertura do Lagar Cooperativo do Fundão, dá-se início à demorada e sofrida peregrinação de olivicultores, somos quase três mil, que conduzem tractores, carrinhas abertas, fechadas, camiões, carros, a fim de chegar ao espaço da moagem da azeitona. Diz o Povo, que quem espera, desespera, e uma grande maioria tem manifestado desagrado e desespero. Já não chega o trabalho árduo da apanha e ainda se passa por esta via sacra.
Este ano não foi excepção, apesar da Direcção ter investido meio milhão de euros em novas estruturas automatizadas: as filas de espera repetiram-se.
Juntaram-se familiares, amigos, arranjaram-se uns dias de férias, contratou-se pessoal, cada vez mais difícil de conseguir, e iniciou-se a safra da apanha da azeitona.
Iniciou-se com tempo instável, aproveitando-se os melhores momentos sem chuva e com sol.
Tive de fazer quatro peregrinações ao Lagar Cooperativo do Fundão com o transporte da azeitona, seguindo as normas que foram transmitidas.
Assim, a primeira a dois quilómetros do alvo, a espera foi de onze horas no arranca, intervala, arranca, lentamente e com chuva. É revoltante ver-se condutores de tractores, muitos de aldeias vizinhas do Fundão, a conduzir aqueles veículos sem qualquer defesa da chuva, do frio…
Numa conversa informal, travo conhecimento com um militar da GNR na reserva, com um pequeno carregamento da propriedade do seu progenitor. Momento importante, porque na nossa conversa foi longa, durante este longo percurso e de tantas horas, falámos de justiça, de serviços públicos, da política, do difícil trabalho das forças de segurança, da falta de bom senso em muitas actuações, do desconhecimento do que se passa no terreno por parte de agentes judiciais sentados nas suas secretárias, longe das realidades, dos precários vencimentos, do não acompanhamento institucional ou psicológico…
Fala-me do seu pai, que cumpriu o serviço militar em Angola nos princípios da guerra colonial. Naqueles cenários de guerra sofreu de stress pós-traumático e nunca teve qualquer apoio. Na verdade, como ex-combatente na Guiné, reforço a ideia de que temos sido muito esquecidos pelo país que nos obrigaram a servir naquela guerra do Ultramar. A conversa foi animada e útil, com concordância em quase todos os assuntos.
A segunda viagem, demorou só oito horas, dizem que uma das linhas de moagem está com problemas e espera-se a resolução dos técnicos espanhóis.
Nas análises efectuadas vem-me uma boa notícia: a classificação do azeite foi de virgem extra.
Aproveito para colocar a escrita em dia lendo os jornais regionais, «Jornal do Fundão», «Reconquista de Castelo Branco» e «A Guarda», e ter conhecimento do que se vai passado à minha volta. Há que apoiar a imprensa regional, que passa por imensas dificuldades, através de uma assinatura, da aquisição do jornal…
Muitos olivicultores queixam-se que a condição climatérica dos últimos dias tem afectado a qualidade da azeitona, principalmente a de categoria galega. Está a ficar seca no olival.
Desgostou-me a classificação atribuída e perante a reclamação fiquei desapontado com a explicação esfarrapada: «Apanhou muita chuva durante a noite.»
A terceira viagem, graças ao funcionamento das duas linhas, a via-sacra do tempo de espera foi de seis horas.
Um companheiro amigo desabafa e manifesta as suas grandes preocupações com a Guerra Rússia-Ucrânia: «E se vem aí uma terceira guerra mundial, porque já há guerras locais mais numerosas que antes da segunda guerra mundial? E se utilizam armas nucleares?»
Esteve mobilizado para Angola, deu-se o 25 de Abril e recusou-se a embarcar juntamente com outros militares.
O tema da guerra foi abordado nas três peregrinações, porque afinal não andamos adormecidos, estamos a viver a Terceira Guerra Mundial, fragmentada por diversos países, vitimando não só os militares, como muitas populações civis, estas em maior número. É um paradoxo, mas a guerra é uma das actividades mais lucrativas desde a origem da humanidade.
A quarta e última, o tempo de espera cifrou-se em cinco horas com o sol a aquecer os nossos aposentos automobilísticos.
Estava munido com o livro «Geração D – da Ditadura à Democracia», do Coronel Carlos de Matos Gomes, escritor com a publicação de dezenas romances e galardoado com o Prémio Fernando Namora.
Nesta obra, o autor descreve com muitos pormenores verídicos a participação militar na Guerra do Ultramar, em Moçambique, Angola e Guiné. Estamos perante um vasto curriculum militar do escritor.
Escreve: «É o que sobreviveu dentro do meu retrovisor, imagens que passaram no espelho do ver, e o que ficou para trás, à medida que o meu veículo avançava por estradas ou a todo o terreno, quando se atolou ou despistou. Vestígios de uma personalidade, que atravessou paisagens sem tentar desvendar os seus segredos, os souvenirs de um turista que se perdeu, as botas de um soldado de África, a navalha de ponta e mola de um vagabundo com sorte e sem fé em benfeitores…»
Terminei a jorna da azeitona de 2024, fazendo votos para que na próxima safra seja mais rápida a entrega no Lagar Cooperativo. Promessas não faltam… mas delas está o Inferno cheio.
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«Aldeia de Joanes», crónica de António Alves Fernandes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Março de 2012)
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