No Queimoso passarsido o Augusto Simão, que tunhe acompanharsido mês rabiscos no papeloso Capeia Arraiana, apreciarsindo-os, lançarsiu-me uno desafierno na noiena reta: «Por que nentes escrevumpes uno mintroso sobre Quadrazais? Toienes é que sunhes a pensante dedada p’ ó fazunhir.» Nentes penhando esperarsa duno desafierno daquesses, penhei sim sabunhir o que galrar senentes uno «dudez!» sim teimosa. A eureca penhou cá no baixo da muchela, sim granjeira chispa de a trazunhir ó de riba.
(Carcho 19.º, continuação).
III – VERO GESNISTA
Carcho 19.º (continuação)
Inhiu uno e atro tempo a Valverde, ora vunhindo p’a isolada do Manjor, ora p’o Alcambar, ora p’a Ginestosa. Mutos tempos no vunhiam p’a Códrazais. Inhiam rectos à Covilhã, passarsindo ó vento de Malcata, ó inhiam p’à Cerdeira, inhindo, atão, p’a Ginestosa e Lajeosa. Andantadas granjeirais. Baro podunhia mai tardosa apressar-se im provadores, que girior anteparo de gâmbias que aquêsta no havunhia. De choina, penhavam amochados a pumbar nalguno fundo, cumo aconteçunhira ó Maneta. Alegremente, inconstante chegarsiu a sunhir rapado por triangulares ó fachos. Mas, uno ó atro tempo se adicara figura a figura co’eles. Assistumpira à prendunhão de uno ó atro junto, p’a sunhir lonjado mai tardosa, apoi de le tirarsirem o anaco. Adicou uno ó atro apular fachernos mimos dos fuscos. Tunhiu de se menunciar algunos tempos inté que fuscos ó triangulares deixarsissem o destino. Ai! Se eles tunhissem respos que o narigassem!
Ó gâmbias, p’a que vos crunho! Consegunhira constante maquinar-se-les. Inda ovumpira uno ó atro ronco silfar-le junto ós músicos. Alegremente, nentes o raparam. Acachava-se constante que ovumpia o bumba do ronco. Tunhira que burrinhar mutos tempos por entre maiosas e atro denso.
O Luzente de 1956 adiantava-se. Na antagora assistumpira à grega dos irmérios Perrichos, o Manel e o João. A morar nas guardarsas do Mocho, aquêstas pumbam-les im riba e esborraçaram-nos. Luzente marovunhido p’à amistosa e iguais deles. O Meguel no aparrondava à amistosa dos Perrichos, mas nim por aquisso deixarsiu de sentumpir a grega que se passarsira cum genterna do sê denso.
Noverno marastre havunhia de adicar nas bate-bate do rodas andunhante. Os malha-malha havunhiam sunhido plaçados p’a máquina de malhar. Certo lúzio saltarse una fagulha do motor e pegarsiu runfo às medes. Sunhiu una insossa. A espigosa alumou acais tótia, deixarsindo muta maralha na assém, mai que aquêla que já tunhiam.
Penhava prestes a darsir o númaro p’a inhir à militarosa no adiantado Sexto trintanário.
No penhava abondante, mas já tunhia galhal abonde p’à militarosa. Fazunhiu cálculos. Estoirantes, dedador, chaira alumada, chairéus e bieras levarsiriam uno bô carcho de sós poupanças.
Baro! P’o icho, p’o nentes, inhiria inda mai unos tempos à Reta Frenha assoldadado. Inté o Sexto, sazão das militarosas, faltarsiam unos trenos trintanários. No Maioso fazunhiria vintenos rodas.
Lembrarsiu-se, atão, que precisarsia dunos caturnos novernos fazunhidos p’a galrada p’a aquesse lúzio. Abeirou a irméria p’a que tunhisse uno galramento vero co’a Palmira sobre se êla ichava o rogo. A volta sunhiu: Inho galrar c’a maia méria.
E galrou, porque forçosa de sunhir pedunhida im galramento penhava êla. A méria cumpriu escrevunhir sobre a chausada ó pério, que havunhia saiumpido p’a França havunhia unos quinos rodas, ventamente c’o Finote e sê onclério Zé Jaquim Cabral, atrás de primeirar a saiumpida im grossa. Cando voltou à papelosa, a volta sunhiu:
– Inda sunhe muto média!
A rogo da Palmira, que já se acharsia una manuarja a andante dos decenos e setenos rodas, a méria amochou o pério:
– Sunhir ichada a galrar no sidica altanar-se já!
Pôco a pôco, o pério dêla inhira ichando a eureca. Inté que o pério, no lúzio de rodas da méria, im últimos do Aguacento, le darsiu cumo donata a forçada permitussão p’à gilfa.
– Galra lá c’o manego e marcarsem o lúzio im qu’havunhe de inhir lá ó coime. Mas único uno tempo por trabalhosa, ó Sagrado. No crunho dichotes porque moienes no penha lá.
Sunhiu una alteada p’à Palmira. Precrou de momento a Lucinda p’a transmitumpir a noverna ó Meguel e manzadou co’êla inhirem no lúzio andunhante a Valverde p’a tunhirem relógio de galrar mai. Dudez lá encontrarsisse o Meguel à esperarsa da esquilona de maquinar-se p’a Portugal c’o sê anaco. Aí, im terrunho sim-não, legante do adico das coscuvilheiras, incontrarsiriam una resquadria p’a se adicarem figura a figura. Dicou-le da permitussão do pério e dos senentes. O Meguel penhou electrante e darsiu uno chocho na figura da Palmira. Aquêsta rubesceu, mas revoltou o chocho. Afinal já sunhiam galrados! Podunhiria quebrar o direito, imbora cum tino, que os frenhos badalos de rápido recurvariam as chausas.
Inhiria ó coime dêla no adiantado Sagrado, pedunhi-la im altanamento. Que laticasse a méria. Co’êle inhiria a irméria Lucinda, só baixinha, p’a evitarsir dichotes.
P’ó Meguel aquesse lúzio sunhiu de alteada extrema e único ansiava a esquilona da maquina p’a Portugal. Co’êsta noverna paladosa, inté s’apressaria Marvana arriba!
Os lúzios passarsiam suplo pachorros. O Sagrado chegarsiu ultimamente. Batunhiu à entrante da Palmira, a méria vunhiu abrunhir e mandarsiu-os entrumpir. Darsiram as bôs choinas e sentarsiram-se ó runfo., fazunhindo enrola. Galraram sobre o lúzio-a-lúzio e das inhidas vaivéns a Valverde.
Passarsida una esquilona, e monte de rápido passarsiu, saiumpiram, conforme havunhiam mãozadado. Voltarsiriam no adiantado Sagrado.
Meguel no encaixava im soienes de concho. A irméria funfara-le que o Balecho a rindava. Êla tamém tunhia certo a tunhir uno galrado!
P’ó altanamento inda tunhiria de alombar cum mutos atros anacos. Lá tunhiria de inhir mai unos montes tempos a Valverde e esperarsir no tunhir frenhos encontrarsos c’os triangulares ó fachos.
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NOVELA NA RAIA – EPISÓDIO 19 (continuação)
(publicado originalmente a 16 de Novembro de 2018)
A minha intenção é sempre a mesma. Avivar a memória da cultura de Quadrazais para que não se perca, sobretudo entre os jovens que não nasceram ou não cresceram em Quadrazais, tendo ouvido apenas dos pais e avós algumas histórias e cenas da vida quotidiana da terra onde haviam nascido, tão longe do local onde agora se encontram. Na «Novela na Raia» vou utilizar personagens reais da aldeia, tentarei descrever quadros da aldeia e narrar os factos do dia-a-dia, embora não obrigatoriamente protagonizados por estas personagens.
TERCEIRA PARTE – CONTRABANDISTA A SÉRIO
Episódio 19 (continuação)
Foi uma e outra vez a Valverde, ora vindo pela Quinta do Major, ora pelo Alcambar, ora pela Ginestosa. Muitas vezes não vinham para Quadrazais. Iam directos à Covilhã, passando ao lado de Malcata, ou iam para a Cerdeira, indo, então, pela Ginestosa e Lageosa. Caminhadas enormes. Bem poderia mais tarde correr em estádios, que melhor preparação de pernas que esta não havia. De noite, estavam sujeitos a cair nalgum poço, como acontecera ao Maneta. Felizmente, nunca chegou a ser apanhado por carabineiros ou fachos. Mas, uma ou outra vez se vira cara a cara com eles. Assistira á prisão de um ou outro colega, para ser largado mais tarde, após lhe tirarem o carrego. Viu um ou outro receber maus tratos dos Fuscos. Teve de se esconder algumas vezes até que Fuscos ou carabineiros deixassem o lugar. Ai! Se eles tivessem cães que o farejassem!
Ó pernas, para que vos quero! Conseguira sempre escapar-se-lhes. Ainda ouvira um ou outro tiro assobiar-lhe junto aos ouvidos. Felizmente, não o apanharam. Agachava-se sempre que ouvia o estrondo do tiro. Tivera que rastejar muitas vezes por entre gestas e outro mato.
O Natal de 1956 aproximava-se. Na véspera assistira à tragédia dos irmãos Perrichos, o Manel e o João. A brincar nas guardas do Mocho, estas caem-lhes em cima e esmagou-os. Natal estragado para a família e amigos deles. O Miguel não pertencia à família dos Perrichos, mas nem por isso deixou de sentir a tragédia que se passara com gente da sua terra.
Novo desastre havia de presenciar nas malhas do ano seguinte. Os manguais haviam sido substituídos pela máquina de malhar. Certo dia salta uma faúlha do motor e pegou fogo às medes. Foi uma desgraça. O pão ardeu quase todo, deixando muita gente na miséria, mais que aquela que já tinham.
Estava prestes a dar o número para ir à inspecção no próximo mês de Junho.
Não estava rico, mas já tinha dinheiro suficiente para a inspecção. Fez contas. Foguetes, tocador, carne assada, copos e cervejas levariam uma boa parte das suas poupanças.
Bem! Pelo sim, pelo não, iria ainda mais umas vezes a Espanha alugado. Até Junho, época das inspecções faltavam uns três meses. Em Maio faria vinte anos.
Lembrou-se, então, que precisava duns caturnos novos feitos pela namorada para esse dia. Sondou a irmã para que tivesse uma conversa séria com a Palmira sobre se ela aceitava o pedido. A resposta foi: Vou falar com minha mãe.
E falou, porque desejosa de ser pedida em casamento estava ela. A mãe prometeu escrever sobre o assunto ao pai, que havia emigrado para França havia uns cinco anos, juntamente com o Finote e seu tio Zé Jaquim Cabral, antes de começar a emigração em força. Quando respondeu à carta, a resposta foi:
– Ainda é muito nova!
A pedido da Palmira, que já se achava uma mulher a caminho dos dezassete anos, a mãe convenceu o pai:
– Ser autorizada a namorar não significa casar já!
Pouco a pouco, o pai dela fora aceitando a ideia. Até que o pai, no dia de anos da mãe, em finais de Abril, lhe deu como prenda a desejada permissão para a filha.
– Fala lá com o rapaz e acertem o dia em que há-de ir lá a casa. Mas só uma vez por semana, ao Domingo. Não quero dichotes porque eu não estou lá.
Foi uma alegria para a Palmira. Procurou de imediato a Lucinda para transmitir a nova ao Miguel e combinou com ela irem no dia seguinte a Valverde para terem tempo de conversar mais. Talvez lá encontrasse o Miguel à espera da hora de partir para Portugal com o seu carrego. Aí, em terreno neutro, longe do olhar das coscuvilheiras, encontrariam um recanto para se verem cara a cara. Disse-lhe da permissão do pai e das condições. O Miguel ficou radiante e deu um beijo na cara da Palmira. Esta corou, mas retribuiu o beijo. Afinal já eram namorados! Poderia quebrar a lei, embora com cautela, que as más línguas depressa torceriam as coisas.
Iria a casa dela no próximo Domingo, pedi-la em casamento. Que avisasse a mãe. Com ele iria a irmã Lucinda, sua confidente, para evitar dichotes.
Para o Miguel esse dia foi de alegria extrema e só ansiava a hora da partida para Portugal. Com esta nova agradável, até correria Marvana acima!
Os dias passavam demasiado lentos. O Domingo chegou finalmente. Bateu à porta da Palmira, a mãe veio abrir e mandou-os entrar. Deram as boas noites e sentaram-se ao lume, formando roda. Conversaram sobre o dia-a-dia e das idas frequentes a Valverde.
Passada uma hora, e tão depressa passou, saíram, conforme haviam acordado. Voltariam no próximo Domingo.
Miguel não cabia em si de contente. A irmã revelara-lhe que o Balecho a rondava. Ela também tinha direito a ter um namorado!
Para o casamento ainda teria de alombar com muitos outros carregos. Lá teria de ir mais umas tantas vezes a Valverde e esperar não ter maus encontros com os carabineiros ou os fachos.
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Notas
Alombar – transportar no lombo
Crece – Lucrécia
Gestas – giestas
Ó – ao
Vienda – vianda
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Crónica «Novela na Raia» – «Episódio 19»… [aqui]
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«Narrada no Risco», por Franklim Costa Braga
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Maio de 2014)
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