A Maurícia era a mais nova de onze irmãos: seis rapazes e cinco raparigas.
Cedo, cada um deles passou a colaborar na sobrevivência da família. Assim, se os rapazes mais velhos já conheciam bem os caminhos do acarreto do café, azeite e pão, de igual modo haviam aprendido o sachar dos campos, o jungir das vacas quer ao carro quer ao arado, o movimento da «pedoa» para preparar a rama das giestas com que faziam a cama do gado, o içar e bramir o machado para cortar lenha para o lume de cada dia e todas as tarefas a executar desde a sementeira à colheita e resguardo. Também, as mais moças, os acompanhavam nessas andanças e já cozinhavam, costuravam e cuidavam da roupa para todos se agasalharem no dia a dia. Mal faziam a terceira classe que a lei do Estado impunha por obrigatoriedade às meninas, já estavam preparadas para ir servir para a cidade ou vila. Assim sendo, só a Maurícia ficara em casa dos pais.
Todos os irmãos a consideravam a menina da sorte, pois era a única que continuava a usufruir de todos os bens da família. Mas será que tinham esquecido a infância? É que, agora, era ela que ajudava os pais em todas as tarefas distribuídas, na meninice, entre todos eles. Era ela que cuidava das maleitas dos pais, que costurava e remendava a roupa, que jungia as vacas e as levava ao lameiro em cada dia que passava, fazia a horta, enchia os cântaros… Os pais já estavam debilitados e limitavam-se a ajudá-la nas tarefas mais de «somenos».
Nem tempo tinha para sonhar com uma nova vida. Valiam-lhe os serões à lareira de Inverno, quando a mãe ainda fiava uns «velos de linho» e o pai ainda lhe contava as lendas antigas, como se a sua menina fosse ainda pequenina. E, aí sim, ela achava-se a menina da sorte. Tinha aquilo que os irmãos não tinham recebido por falta de tempo.
Num desses longos serões, apareceu o Bernardo, que deixara o seminário por falta de vocação. Também ele se sentia só, em casa da mãe que enviuvara quando ele ainda era pequeno. E, então, com a desculpa de partilharem o serão passaram a partilhar o tempo, as dificuldades, os bons e maus momentos. Mais tarde iriam partilhar projectos e sonhos.
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«Gentes e lugares do meu antanho», crónica de Georgina Ferro
(Cronista no Capeia Arraiana desde Novembro de 2020)
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