Misturar o transporte não urgente (serviço não financiado) com financiamento, é mesmo para não dar nada. O aumento do preço do quilómetro e o financiamento global (PPC e lei que vincule – e lhes dê forma legal – os Municípios), são coisas completamente diferentes, que são discutidas com Entidades diferentes, e fazê-lo ao mesmo tempo ou à mistura, é distrair as atenções para o resultado ser o de sempre.
Discute-se o Orçamento de Estado, e vem à baila o financiamento das Entidades Detentoras de Corpos de Bombeiros (EDCB) ou, como se abrevia, dos Corpos de Bombeiros.
Os Bombeiros têm uma longa história que se reclama remontar a 1395, no reinado de D. João I, quando se publicaram as primeiras providências mandando que «em caso que se algum fogo levantasse, o que Deus não queria, que todos os carpinteiros e calafates venham àquele lugar, cada um com seu machado, para haverem de atalhar o dito fogo. E que outrossim todas as mulheres que ao dito fogo acudirem, tragam cada uma seu cântaro ou pote para acarretar água para apagar o dito fogo».
Nos séculos XVII e XVIII são criados os primeiros Corpos de Bombeiros Municipais e Sapadores, e na dácada de 60 do séc XIX é criado o primeiro Corpo Voluntário para fazer face a uma lacuna que o Estado e os Municípios não conseguiam suprir. O nascimento da «Real Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Lisboa» levou a um despertar do povo para a necessidade e ao despontar de Associações, sendo a do Sabugal a 66.ª a nível nacional e a segunda do distrito da Guarda, em 1895.
Isto para dizer que as Associações de Bombeiros existem para suprir o que o Estado está constitucionalmente obrigado e não consegue garantir, que é o direito das populações à proteção e socorro.
Com a evolução dos parâmetros de vida, também os Corpos de Bombeiros tiveram que se adaptar, criando profissionais para suprir horários que o voluntariado deixou de cobrir. Se até ao fim do Salazarismo o foco dos Bombeiros eram os fogos urbanos, em 1971 é criado o Serviço Nacional de Ambulâncias que coloca ambulâncias de socorro em quase todo o país reforçando a vertente «saúde» nos Corpos de Bombeiros, o que leva à necessidade de assalariados para garantir serviço em permanência. O combate aos fogos florestais viria a seguir com a criação das Comissões Especializadas de Fogos Florestais, criação justificada pelo grande incremento destes, pelo abandono de terrenos devido à emigração.
Mudou o figurino mas não a matriz
E todo o sistema, cada vez mais profissionalizado, continuou assente numa estrutura de base voluntária (até nos seus gestores), continuando todos a assobiar para o lado e dizer que o suporte é de voluntariado. Será mesmo? Mas isso é outra história, mais complexa e geradora de controvérsia até porque o maior vetor chamar e manter voluntariado, é a liderança (ou não) dos seus comandos. E a realidade nacional é tão diversa…
Mas vamos ao que aqui nos traz… o financiamento
É o INE que o diz, entre as receitas e as despesas apresentadas pelas ECDB há um défice a rondar os cem milhões de euros. E trata-se de contas auditadas pela ANEPC a quem são apresentadas, por imposição legal, após aprovação pelas respetivas Assembleias Gerais. Significa isto que de ano para ano, somam-se dívidas a fornecedores ou a Instituições Financeiras, sendo felizmente ainda muito raras as notícias de dívidas a pessoal. Pessoal que ganha muito abaixo do que devia.
Por isso, e bem, a Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP) luta para melhorar a situação. Alguns resultados se têm conseguido, honra seja feita, mas manifestamente insuficientes.
Porquê?
Porque os Municípios, não havendo base legal para a subsidiação, dão o que querem, ou o que acham por bem, ou o que podem.
Porque o Estado em vez de negociar e tentar racionalizar o serviço, vai impondo esmolas.
Baseados em quê?
Que, como os Bombeiros apregoam, a base é voluntária e portanto a maioria do serviço ainda é garantida por estes. Permissa desmentida pelos números de qualquer Associação, mas que os Bombeiros teimam em defender e o Estado agradece.
Que não é possivel racionalizar serviço porque cada quinta quer ter o mesmo ou mais do que tem a vizinha. AS EDCB são todas autónomas, juridicamente pelo menos.
Que os Bombeiros querem tudo ao mesmo tempo, para beneficiar todos, e não conseguem unir-se num objetivo comum. E o Estado sabe-o, e aproveita. Para além de se aproveitar da certeza que tem de que os Bombeiros nunca pararão o serviço pelo menos de socorro, porque do outro lado da linha está um familiar ou conhecido. Pode ser menos verdade nos grandes centros, mas nos pequenos meios é mesmo assim.
Como dar volta a esta situação?
Na minha opinião uma coisa é a negociação setorial com o INEM ou com o Ministério da Saúde para rever as verbas a pagar pelo serviço prestado, preço de quilómetro, hora de espera e oxigénio, bem como o subsídio mensal fixo pago pelo INEM para compensar a disponibilidade permanente, outra é a alteração à Lei n.º 94/2015, de 13 de agosto, que gere o financiamento permanente e deve suportar pelo menos os custos de funcionamento no mínimo na percentagem não atribuível ao funcionamento dos «carros brancos», transporte não urgente.
As medidas a tomar terão que ser diferenciadas quer se trate de uma ou outra negociação. O transporte não urgente de doentes, que não é objeto de qualquer subsídio, tem que ser gerido numa ótica de empresa, que tem de ser sustentável. Há que negociar preços, mas há também que racionalizá-lo e geri-lo com diligência e zelo.
Quase idêntico é o pré-hospitalar, suportado pelo INEM. Há que diferenciar a compensação por disponibilidade permanente de acordo com as especificidades do país, para que cada ambulância disponível possa ter uma guarnição mínima de nove elementos, abaixo da qual não cobre todo o tempo. E cobrir os custos de combustível já que as manutenções são, até agora, suportadas pelo INEM.
Esta é uma negociação no âmbito do Ministério da Saúde, e se houver que tomar medidas elas devem ser na forma e com os meios adstritos a estes serviços. Tendo em conta as diferenças de necessidade entre o litoral urbano e superpovoado e o Interior rural e desertificado.
Negociar com base na maioria (que tem a força do protesto) é continuar a discriminar e votar ao sufoco o Interior.
Há outra negociação a fazer com o Ministério da Administração Interna (sem esquecer que o facto de haver dois Ministérios envolvidos dá azo a que de vez em quando se «sacuda a água do capote», uma vez que o serviço não é estanque): A do suporte das operações de proteção civil, atividade dos «vermelhos», das EIP, dos dispositivos especiais como o DECIR.
Aqui os CB têm de assumir que não são empresas de trabalho temporário que o Estado contrata quando quer e aos preços que quer. A disponibilidade é permanente e portanto essa disponibilidade tem que ser paga. E deixem os Bombeiros de apregoar o voluntariado como base, assumam-no de uma vez como complemento, e raro.
Proponham-se as medidas de protesto, mas atente-se primeiro na sua exequibilidade e impacto. O Objetivo único, no início, tem de ser a alteração da lei. O financiamento justo das EDCB, que só assim podem dar condições aos seus homens, sejam assalariados ou voluntários. Antes da alteração da compensação pelo «trabalho temporário» tem de estar o financiamento da EDCB como um todo. Enquanto o foco fôr o pagamento pontual do «trabalho temporário», que se destina quase exclusivamente aos intervenientes – não tendo a EDCB qualquer intervenção a não ser «barriga de aluguer» – a situação não vai melhorar, porque todos sabemos que quando um CB recusa uma equipa há outros a reclamá-la. O que fazem os trabalhadores quando reivindicam aumento de ordenado? Greve. É possivel uma «greve» a este «trabalho temporário»? É, mas poucos a querem fazer. Portanto ameaçar o Estado com uma medida dessas é simplesmente «chover no molhado».
Não havendo união geral que impeça a constituição dos dispositivos, sejam as EDCB, que são as vítimas primeiras, a dizer ao Estado: Querem organizar um Dispositivo Especial? Pois sim, força, mas paguem aos intervenientes que nós não somos barriga de aluguer; Garantam-lhes a logística, que nós não estamos disponíveis para adiantar verbas que não temos; E, já agora, façam-no com os meios que são propriedade do Estado, que os que são da Associação não saem da área de atuação própria.
Talvez seja uma medida tão utópica como as outras, mas o que é certo, é que a não se alterar nada, os poucos voluntários que subsistem, entre os quais os diretores, desaparecerão também, e aí a gestão terá que ser feita por comissões nomeadas (pagas com certeza) que talvez incluam elementos de Comando que finalmente perceberão que para gastar é preciso ter, e que o voluntariado nos Bombeiros dependerá bastante dos benefícios que se reclamam, mas depende muito mais da sua capacidade de liderança.
Pelo Sabugal
Um grupo de Bombeiros decidiu fazer por sua conta e risco formação inicial de mergulho, com vista a criar no CB uma secção dessa valência não existente na zona.
Parabéns pela ideia e pela conclusão com aproveitamento. Mesmo sem margem financeira tudo se fará para que a seção seja uma realidade.
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A pré-inscrição para a «escola de bombeiros» pode ser feita… [aqui]
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«A vida do Bombeiro», opinião de Luís Carriço
(Presidente da Direcção da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Sabugal.)
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