«O som que ouvem é o tiquetaque do relógio. Estamos na contagem final para limitar o aumento da temperatura global a 1,5 graus Celsius. E o tempo não está do nosso lado», alertou o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, no seu discurso de abertura da 29.ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 29) que se realizou de 12 a 22 de novembro, em Baku, capital do Azerbeijão. (Parte 1 de 2.)
I – O discurso de António Guerres na abertura da COP29
«Com o dia mais quente de que há registo… os meses mais quentes de que há registo… é quase certo que este será o ano mais quente de que há registo», começou por dizer António Guterres.
Em seguida, o Secretário-Geral da ONU enunciou toda uma série de catástrofes ocorridas um pouco por todo o mundo que mostram bem as consequências nefastas do agravamento das alterações climáticas provocadas pelo homem e que estão a destruir o planeta a um ritmo acelerado:
«Famílias a correr para salvar as suas vidas antes que o próximo furacão aconteça; Biodiversidade destruída em mares sufocantes; Trabalhadores e peregrinos a desabar sob um calor insuportável; Inundações que devastam comunidades e destroem infraestruturas; Crianças que se deitam com fome enquanto as secas devastam as colheitas…»
E acrescentou de forma peremptória: «Nenhum país é poupado.»
«Na nossa economia global, os choques na cadeia de abastecimento aumentam os custos – em todo o lado. As colheitas dizimadas fazem subir os preços dos alimentos – em todo o lado. Casas destruídas aumentam os prémios de seguro – em todo o lado.»
«Esta é uma história de injustiça evitável», afirmou por outro lado António Guterres.
Na verdade, asseverou, «os ricos» (leia-se, os países mais poderosos e mais poluidores do mundo – sobretudo a China, os EUA, a Rússia ou a India) «são os principais causadores do problema mas são os pobres quem paga o preço mais alto».
E o Secretário-Geral da ONU lançou um sério aviso para o que espera o planeta se os governantes mundiais não adotarem, o mais tardar antes de 2030, as medidas que se mostram necessárias para evitar a aceleração do aquecimento global: «A menos que as emissões de gases de efeitos de estufa (GEE) baixem e a adaptação climática aumente, todos os países do mundo enfrentarão uma fúria muito maior.»
Em seguida, António Guterres fez questão de relembrar aos Estados participantes na COP29 os compromissos por eles assumidos durante a COP28 realizada em novembro/dezembro de 2023 no Dubai:
«Na COP28, todos vocês concordaram: – em abandonar os combustíveis fósseis; – em acelerar os sistemas de energia líquida zero, estabelecendo marcos para lá chegar; – em potenciar a adaptação climática; – e em alinhar com o limite de 1,5° Celsius a próxima ronda dos planos climáticos nacionais» (também designados de «CND – Contribuições Nacionalmente Determinadas»).
O que são as CND?
São compromissos que os países assumiram em anteriores reuniões da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas que visam o cumprimento das medidas necessárias para atingir as metas globais fixadas no Acordo de Paris de 2015 que estabeleceu que o limite do aumento das emissões de gases de efeito de estufa (GEE) não deverá ultrapassar os 1,5° Celsius. Ora, para atingir esta meta de temperatura, os Estados que assinaram o «Acordo de Paris» decidiram que essas emissões de GEE devem ser reduzidas o mais rapidamente possível. E para limitar o aquecimento global a 1,5°C, concluíram, inclusive, que essas emissões precisam de ser reduzidas em cerca de 50% até 2030.
Dito isto, o secretário-geral da ONU deixou, como lhe competia, um sério apelo à responsabilidade dos países participantes na COP 29.
É tempo de agir
«A humanidade está a olhar para vocês», alertou António Guterres: «Uma sondagem realizada pela Universidade de Oxford e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento revela que – a nível global – 80% das pessoas em todo o mundo querem mais ação climática. Por outro lado, também os cientistas, os ativistas e os jovens exigem mudanças e devem ser ouvidos e não silenciados.»
E deixou um aviso solene: «É tempo de agir.»
As três prioridades da ONU em matéria de ação climática
Em seguida, o Secretário-Geral da ONU definiu quais as prioridades que devem ser tidas em conta nos planos nacionais (ou CND) de ação climática para comater o aquecimento global do planeta.
1 – A redução urgente das emissões de GEE
«Para limitar o aumento da temperatura global a 1,5° C, temos de reduzir as emissões globais em 9% todos os anos – até 2030, e que essas emissões deverão diminuir 43% em relação aos níveis de 2019. Infelizmente, ainda estão a crescer no momento.
Ora, nesta COP29, é necessário concordar com regras para mercados de carbono justos e eficazes que apoiem esta luta contra o aquecimento climático (…) que respeitem os direitos das comunidades locais e que não deixem espaço para o “greenwashing” (do inglês green, verde, e whitewash, branquear ou encobrir). Explicando, o “greenwashing” é uma prática que tem como objetivo criar uma imagem positiva junto da opinião pública acerca do grau de responsabilidade ambiental de organizações ou de pessoas, bem como das suas atividades e produtos, ocultando ou desviando a atenção de impactos ambientais negativos por elas gerados.
Até à próxima COP30 que terá lugar em 2025, propôs em seguida António Guterres, que os países deverão apresentar novos planos nacionais de ação climática para toda a economia e deverão concordar que os seus novos planos se alinharão com 1,5 graus Celsius. Por outro lado, deverão alinhar as estratégias nacionais de transição energética e as prioridades de desenvolvimento sustentável com a ação climática – para atrair o investimento necessário.
Tudo isto deve ser conseguido em conformidade com o princípio das responsabilidades comuns e das suas respetivas capacidades à luz das diferentes circunstâncias nacionais. Todos os países devem fazer a sua parte.
Mas os países do G20 devem liderar este processo. Não apenas porque são os maiores emissores de gases de efeito de estuga (GEE), mas porque têm, portanto, as maiores capacidades e responsabilidades. Os países do G20 devem consequentemente reunir o seu conhecimento tecnológico com os países desenvolvidos para apoiarem as economias emergentes. Efetivamente, todas as nações do mundo devem ter as ferramentas e os recursos para a ação climática.»
2 – Proteger as populações da devastação da crise climática
«Em segundo lugar, é necessário fazer mais para proteger as populações da devastação da crise climática. Sobretudo as mais vulneráveis estão a ser abandonadas aos extremos climáticos.
Chamando à atenção para a diferença existente entre as necessidades de adaptação e o financiamento para tanto indispensável, o Secretário-Geral da ONU declarou: “Agora, mais do que nunca, as promessas feitas no passado (no quadro das COP) têm de ser cumpridas.”
Por outro lado, é preciso que todos os habitantes do planeta estejam protegidos por um sistema de alerta até finais de 2027, em linha com a iniciativa da ONU “Alertas Prévios para Todos”. Apresentada em 2022, esta iniciativa pioneira destina-se a garantir que, dentro do prazo atrás referido, todos os habitantes da Terra estejam protegidos de fenómenos meteorológicos, hídricos ou climáticos perigosos mediante sistemas de alerta antecipados que salvem vidas. Trata-se de um Plano de Ação que contempla investimentos no valor de 3.100 milhões de dólares em cinco anos, destinados a reforçar os conhecimentos sobre os riscos dos desastres, a financiar observações e predições, a difusão e a comunicação de alertas, assim como as atividades de preparação e de resposta a estes alertas.»
3 – Financiamento climático
A terceira prioridade é o financiamento necessário para um combate efetivo às alterações climáticas. A este respeito, António Guterres foi uma vez mais peremptório:
«A COP29 deve derrubar os muros do financiamento climático. Em particular no que respeita ao financiamento dos países em desenvolvimento que não devem sair de Baku de mãos a abanar.
Precisamos de uma nova meta financeira que vá ao encontro do momento. Cinco elementos são críticos para o sucesso desta meta:
1) Um aumento significativo das finanças públicas para este fim;
2) Uma indicação clara de como estes fundos públicos irão mobilizar os biliões de dólares de que os países em desenvolvimento necessitam;
3) Explorar fontes inovadoras, especialmente impostos sobre o transporte marítimo, a aviação e a extração de combustíveis fósseis, com base no princípio de que os poluidores devem pagar;
4) Fixar um quadro para uma maior acessibilidade, transparência e prestação de contas – dando aos países em desenvolvimento a confiança de que o dinheiro se materializará;
5) Assegurar o aumento da capacidade de empréstimo por Bancos Multilaterais de Desenvolvimento, maiores e mais ousados, que exige uma grande recapitalização. E que exige também reformas dos seus modelos de negócio para que possam alavancar muito mais financiamento privado.»
E Guterres fez um apelo aos principais acionistas dos Bancos Multilaterais de Desenvolvimento para que utilizem a sua posição para pressionar por mudanças.
«O resultado da presente COP29», acrescentou o Secretário-Geral da ONU, «deverá basear-se no Pacto para o Futuro» – uma declaração do compromisso dos países com as Nações Unidas, com o sistema internacional e com o Direito Internacional adotada por consenso em Nova Iorque em 22 de setembro deste ano. Nesta declaração de compromisso os líderes dos Estados representados na ONU apresentaram uma visão clara de um sistema internacional que pode cumprir suas promessas, que seja mais representativo do mundo atual e que deve fazer uso da energia e da experiência dos governos, da sociedade civil e de outros parceiros importantes para impulsionar o progresso da Humanidade.
«Não há tempo a perder», alertou António Guterres. «No que respeita ao financiamento climático, o mundo tem de pagar ou a Humanidade pagará o preço. Neste período crucial, vocês e os vossos governos devem ser guiados por uma verdade clara: o financiamento climático não é caridade, é um investimento. A ação climática não é opcional, é um imperativo. Ambos são indispensáveis para um mundo habitável para toda a Humanidade. E para um futuro próspero para todas as nações da Terra.»
Porque… «o tempo está a esgotar-se».
(continua)
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«Portugal e o Futuro», opinião de Aurélio Crespo
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Julho de 2020)
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