Em 2017, aqui no nosso «Capeia», publiquei a maior parte do texto que hoje renovo. Como já expliquei, conheci de perto este fenómeno, esta epopeia, pois pessoas da minha família espalharam-se pelo Mundo: Angola, França e países vizinhos, sobretudo a Alemanha e… pessoas bem conhecidas estiveram na Argentina.
Hoje continuamos então a acompanhar o fenómeno das várias migrações, na sua perspectiva de ganhos e custos (emocionais e financeiros)… Bem-vindo, como sempre…
Os primeiros anos
Vários membros da minha família se lançaram na aventura da emigração.
Os primeiros anos foram de uma dureza incrível. Não que eles se queixassem. Não. Parece-me hoje e já o descobri tarde, quando eles começaram a contar umas coisas soltas e o meu cérebro ia ligando as coisas, parece-me hoje, dizia, que eles nem se davam conta da dureza e da humilhação.
Aprendi isso com a malta mais nova, fugida da tropa, seja do Casteleiro, seja de outras terras: soube quanto os franceses desprezavam os seus escravos idos da terra pobre de Portugal. Pensavam eles assim, os incultos, totalmente contra a corrente histórica da terra da Revolução Francesa, feita contra a humilhação e pela Igualdade, etc.
A vida profissional dos nossos lá foi sempre complicada para quase todos: primeiro era preciso ser muito dócil, muito submisso, a fim de ficar legalizado. Os trabalhos em que estavam eram dos piores: construção civil, caminhos-de-ferro – coisas assim.
Mas há pior… o medo permanente de ser posto na fronteira dava cabo do sistema nervoso de todos eles.
Para quase todos, a França significou também as artroses, as pernas partidas e «soldadas», as costas derreadas, os joelhos duros, os pulmões arruinados, muito álcool, muita complicação. E vários anos sem ver a família.
Mas a maioria sobreviveu a isso, em nome do objectivo: dar vida melhor aos filhos e aos netos.
Praticamente todos o conseguiram. E isso é uma vitória sobre o que tinham passado em Portugal e sobre a má formação de muitos franceses.
Hoje, uma vida melhor
Por via da emigração, no Casteleiro, criou-se em certa altura um ambiente especial, pelo menos no mês de Agosto.
Falava-se aquele dialecto engraçado que era uma mistura do português, quer dizer, do português falado nos anos 50 numa aldeia beirã, com umas arranhadelas de algo parecido com o francês da rua e da obra em Paris nos «bidonvilles» (bairros de barracas) de Champigny ou em Clermont Ferrand…
Hoje, as famílias emigrantes, a maioria da aldeia, ou estão completamente adaptadas na França onde permanecem (pelo menos as terceira e quarta gerações) ou voltaram e vivem uma pacata vida rural, de padrão tradicional. Encontro de tudo.
Os adaptados à vida francesa têm hoje netos que ou não sabem ou não dizem uma palavra de português. E, nos poucos dias que passam na terra, têm na aldeia em geral boas casas, boa vida.
Os que voltaram cedo, muitos por razões de saúde, voltaram ao que eram antes, mas agora com dinheiro de bolso: reformas, poupanças, etc.
Seja como for, a aldeia depois da emigração nunca mais foi a mesma. Ficou mais diversificada, mais completa.
Finalmente, um registo da minha parte. As minhas homenagens sinceras aos emigrantes e suas famílias. Sejam os do Casteleiro, sejam os de toda a região.
Modos de dizer e de falar
A finalizar, hoje trago-lhe dois ditados com muita poiada que se usavam muito no Casteleiro:
1
Primeiro este sobre as más-línguas:
As chocalheiras da nossa rua
Fizeram um assinado.
Uma diz, outra confirma…
Deus nos livre de tal gado.
2
E agora este sobre quem faz asneiras:
Está um edital à porta da igreja: «Quem é burro, não o seja»
3
Mas já agora, mais esta verdade bem popular:
«Candeia que vai à frente alumia duas vezes.»
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Até para a semana, à mesma hora, no mesmo local! Tantas crónicas depois… Um novo capítulo! Uma nova epopeia!
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«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2011)
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