Muito se continua a escrever e falar nos órgãos da comunicação social sobre o cantor do coração… Marco Paulo. Também senti a necessidade de escrever uns breves apontamentos sobre este músico popular que apaixonou milhares de fãs, cidadãos nacionais e estrangeiros.
João Simão da Silva nasceu no primeiro mês de 1945, no mesmo ano que vim ao mundo. Em 1969, no cumprimento do serviço militar obrigatório, conheci-o pessoalmente, já como Marco Paulo, na província ultramarina da Guiné-Bissau, sendo mobilizado pelo Regimento de Cavalaria n.º 3 de Estremoz, com a especialidade de escriturário-dactilográfico em rendição individual. Esta situação obrigava a que o fim da nossa comissão e vinda para a Metrópole só seria possível com a chegada de alguém com o mesma patente e especialidade militar, salvaguardada em casos muito excepcionais.
João Simão da Silva foi colocado em Bissau, no Quartel da Amura, como 1.º cabo escriturário, na Secção de Justiça, estava dispensado de a exercer, para esse tempo ser utilizado para esquecermos aquela guerra subversiva.
Dados os seus excelentes dotes musicais e muitos dos seus discos passados na rádio local, as Chefias Militares entenderam, que seria de toda a utilidade passar a interpretar as suas canções em festas militares, para oficiais, praças… para todos os que se encontravam naquele espaço de guerra. Sempre ajudava a esquecer os bombardeamentos constantes do IN (Inimigo) e das nossas tropas, efectuados com baterias, artilharia, morteiros 82 e 120mm, canhões 85 e 130mm e dar alguma alegria, a quem tinha tão pouca.
Foi atingido, felizmente apenas de raspão na face, por um camarada com uma arma de guerra na sua camarata mas nunca se soube as motivações daquele acto. Falava-se de uma «brincadeira», que às vezes davam em tragédia e morte, mas também se falava a invejas da sua situação militar privilegiada.
Foi nestes cenários que o ouvi pela primeira vez e fiquei com a sensação de estar na presença de um cantor da língua portuguesa com muito futuro. Ficou-me para sempre na memória.
Neste sentido, procurei saber mais conteúdos da sua vida pessoal, familiar e musical. Nasceu na vila de Mourão, no profundo Alentejo, com uma infância humilde e itinerante: Mourão, Alenquer, Barreiro, Carregado, dada a profissão do progenitor, inspector de finanças, filho de um beirão de Manteigas e de mãe alentejana.
Começou a cantar publicamente num orfanato, com direito a um arroz de cabidela, e aos 11 anos num casamento em cima de uma cadeira, com direito a um garrafão de tinto.
Aos 14 anos cantou no Café Luso em Lisboa, local onde a diva do Fado – Amália Rodrigues – actou diversas vezes.
Dava os primeiros passos na sua longa carreira artística e musical, com grande empenho e vontade. Profissão contrariada pelo pai que nunca assistiu a um concerto do seu filho. Valeu-lhe o apoio da mãe.
O pai que não ia nas cantigas do filho arranjou-lhe trabalho numa farmácia e numa loja de fazendas em Alenquer, e também como empregado de escritório no Carregado mas o objectivo de Marco Paulo, contrariando a vontade do progenitor, era mesmo ser cantor. Sentindo-se tão pressionado por aquele familiar, desabafou para um seu biógrafo: «Ainda pedi emprego a Salazar mas sem êxito, felizmente.»
Em 1966 gravou o seu primeiro disco, com o nome artístico de Marco Paulo, pois o seu nome de registo era João Simão. O pseudónimo foi inspirado em Marco António, mestre de cavalaria do Imperador Júlio Cesar. Iniciou, assim, uma carreira artística invulgar, gravando discos com música romântica, com grande eco e aceitação em muitos dos admiradores.
Participou no Festival da Figueira da Foz e no Festival da Canção da RTP com o sucesso sempre em ascensão.
Quando surgiu o 25 de Abril regressava de uma digressão junto dos emigrantes residentes no Canadá, tendo o seu nome ultrapassado as fronteiras deste país.
Com o 25 de Abril entrou na sociedade portuguesa a música revolucionária, de intervenção, música a reclamar paz, pão, educação, habitação… e sua a voz foi relativamente esquecida. A voz romântica parecia já não ter lugar nos espaços radiofónicos e televisivos.
Mas Marco Paulo arregaçou as mangas e percorreu o território nacional, actuando em festas e romarias nos Circos Brasil, Mexicano e Mariano. Num dos circos teve a coragem de cantar numa jaula e no meio de quatro leões.
Em 1977 gravou o disco «No Comboio da Meia Noite», que foi um sucesso nas rádios e, em 1978, a inesquecível canção «Ninguém! Ninguém!» O novo herói da música romântica cantava com convicção que «ninguém, ninguém poderá mudar o mundo», vendendo milhares de cópias de discos. E 1980, com «Eu Tenho Dois Amores», «Anita Morena Morenita» e «Maravilhoso Coração», entrou de novo no auge das audiências e vendas.
Em 1996 iniciou uma luta, que iria durar durante diversos anos, contra uma doença oncológica em quatro partes do corpo.
Marco Paulo, nesta fase da sua vida, foi um herói como encarou a doença, falando dela com a maior das naturalidades em diversos programas de televisão.
Homem de fé, a sua canção «Nossa Senhora» está na memória da maioria dos portugueses, é cantada por milhares e arrasta muitos fiéis para Fátima, onde Marco Paulo era um peregrino assíduo.
A sua carreira foi premiada com mais de uma centena de galardões de platina, prata, ouro e um de diamante com diversas condecorações, sendo de destacar a que lhe foi atribuída pelo Presidente da República com o grau de Comendador do Infante D. Henrique.
Em finais de Outubro, a sociedade portuguesa despediu-se de um homem lutador, sorridente, generoso, um cantor que ficará na história da música portuguesa.
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«Aldeia de Joanes», crónica de António Alves Fernandes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Março de 2012)
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