Tal como se tem vindo a constatar, nos países da Europa, os Estados Unidos apresentam uma crescente divisão social e política entre as várias regiões, principalmente entre a Costa Leste e a Costa Oeste. No meio, ficam os denominados Estados da ferrugem, os da siderurgia, da industria automóvel e de outros sectores actualmente em declínio.
Esta polarização nos estados americanos reflete não só diferenças geográficas, mas também económicas, sociais e culturais que, necessariamente moldaram os resultados de uma eleição.
Constatou-se, nas eleições de 2016 e 2020, que as grandes cidades da Costa Oeste, São Francisco, Palo Alto, Los Angeles, onde se encontram os grandes centros de inteligência digital e artificial, que modificarão a sociedade futura, assim como os da Costa Leste, com a dominação da finança mundial em Nova Iorque ou o florescimento da uma viva classe intelectual em Boston, com as suas elites saídas das prestigiadas universidades de MIT e Harvard, contribuíram, de uma maneira inegável, para a vitória de Clinton e de Joe Biden.
Estas regiões, embora com uma população mais rica, mais educada e escolarizada enfrenta uma disparidade de classes sociais em que as desigualdades são incomensuráveis e onde se adivinha uma riqueza com uma dimensão de que não há memória, e, além disso, adquirida em bem pouco tempo.
O voto no interior dos estados do interior dos Estados Unidos, tais como o Michigan, o Wisconsin, a Pensilvânia e o Ohio, os designados «swings states», com uma presença de trabalhadores da classe operária tem sido oscilante, e é com o voto destes estados que uma eleição se ganha ou se perde.
Também na Europa, os trabalhadores que se encontram em zonas de desindustrializadas, como no Norte de Lille, na periferia de Paris, em França, na Barreiro ou em Setúbal, em Portugal, são cativados cada vez mais pelos partidos ditos populistas que têm uma linguagem acessível, que lhes falam dos problemas que vivem no quotidiano. Percebem a linguagem. São promessas, evidentemente, mas todos os partidos fazem promessas. Cumpri-las é mais difícil.
Quando nos lembramos da campanha de Kamala Harris que passou, ao princípio, a maior parte do tempo a falar dos «direitos reprodutivos das mulheres», de direitos das minorias, das questões de identidade, e, como vice-presidente com o cargo da imigração, não trouxe soluções para este assunto. Estava longe das preocupações do povo americano, que sente uma crescente sensação de abandono da parte de Washington. Quase não abordou os problemas económicos, a dificuldade de ter uma habitação – muitos a viver em caravanas –, em educar os filhos, em alimentar-se.
Donald Trump, mesmo com os seus tiques e gestos desajeitados e por vezes quase obscenos, adoptou a linguagem de desafiar a ordem estabelecida, e prometeu suprimir o pântano, e aproximou-se da população que se sentia ignorada e marginalizada. Utilizou o método de pôr uns contra os outros, e a classe trabalhadora e a classe média votaram no partido republicano por razões emocionais. Trump garantiu-lhe que estava ao seu lado, que os compreendia, que eles não eram como os da costa Este ou os da Costa Oeste. Esses são educados feministas, homossexuais, não gostam da América, falam francês e não se interessam pelos americanos.
Apreciaram um homem autoritário. Que tenha ou não cadastro criminal, não tem importância para eles. É mais uma razão para lhes confiar o voto.
Falou sobretudo para a classe média que está na corda bamba, em vias de ficar sem trabalho e de se tornar pobre.
Também na Europa, vamos estar cada vez mais confrontados com esta problemática do populismo. Veja-se a França e olhemos para Portugal.
Os partidos de esquerda, sobretudo o partido socialista, terá de inventar uma linguagem que diga alguma coisa à classe média que se pauperiza cada vez mais, que lhe dê segurança e perspectivas de futuro, se não será entre os desiludidos do socialismo que continuará a crescer a corrente populista.
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«Pedaços de Fronteira», opinião de Joaquim Tenreira Martins
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Novembro de 2012)
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