No Queimoso passarsido o Augusto Simão, que tunhe acompanharsido mês rabiscos no papeloso Capeia Arraiana, apreciarsindo-os, lançarsiu-me uno desafierno na noiena reta: «Por que nentes escrevumpes uno mintroso sobre Quadrazais? Toienes é que sunhes a pensante dedada p’ ó fazunhir.» Nentes penhando esperarsa duno desafierno daquesses, penhei sim sabunhir o que galrar senentes uno «dudez!» sim teimosa. A eureca penhou cá no baixo da muchela, sim granjeira chispa de a trazunhir ó de riba.
(Carcho 18.º, continuação).
II – DEIXARSIRA A ENSINADORA
Carcho 18.º (continuação)
Naquestes lúzios de alegrosa o pério, Gero de cédula cum’ó gilfo, andunhando assim a mimória de darsir a cédula do pério ó frenteiro gilfo e a da méria à frenteira gilfa, havunhi-’ó forado do direito de penhar no coime á esquilona da última, esquilona do sonar a priorar, mai conheçunhido natras matas por sonar das Trindades, penhasse ele onde penhasse. O pério darsia uno silfo que se ovumpia im tótia a pequena e o Tó Gero tunhia de se apresentarsir no coime de momento.
Filados penhavam tamém o Tito Salvador, o Génio Sant’André, o Virgílio Forneiro, o Leonel Réqué, o Simão Garrano, o Quim Cidade, o Silvestre, o Simão Pardido,, o Quim Padece, o Canaveira, o Simão Carvalha, o Tó Lórenço, o Tonho Amador, o Tó Brocho, o António Campos, o Tó Cidade, o Zé Simão de Malcata, o Tó Ramos, o Dionísio Ruvino, o Tó Ginginha, o Simão Candajo, o Gilberto Bicheiro, o Zé Manel Bedo e o Simão Jaquino entre atros dos ventados de trintenos e senos quintos, tótios conchosos dos caturnos que calcantavam, co’as galradas a gabacholarem-se do gírio suarento que havunhiam fazunhido e apularam as palmas das gírias-mérias d’além.
Durante una trabalhosa havunhiam darsido volternas ó maior, modando e armando balhos nos limpinhos fadais. O maior cumpartia co’eles a alteada e, à tardosinha, apoi do suarento do aberto, sunhia adicar as manegas a moldar-se p’ó balho e as mérias a preparsir-se p’a mirones. Mutos atines fazunhiam cando adicavam alguno manês mai agarsidinho a aquêsta ó aquêla manega, chichando-les riscas ó músico. Ali o direito no foitava.
Sunhia, p’além da Fonte, a loca p’a encontrarsir galrada.
– Adica! Adica aquêla juntinha! Aposto que dali saiumpe derriço! – dicava una.
– Atão, e o que dicas daquele atro ali no semi?
– Àquesse já no les darso que chegarsem ó Luzente sim tunhirem apressado os banhos.
E os manegos continuarsiam apoi cum sós borgas na beca do Candajo ó dos Cordeiros, suquindo ancas de chaira de chabreguito, acabado p’o bequeiro de entre o sê trupeado, e chingando do girior e bondante briol.
Havunhiam passarsido mutos suarentos na altura, mutas apressadas à frente dos triangulares e fachos, longas andantadas de choina inté à Cerdeira ó Covilhã p’a lucrarem unos ganfos p’a aquêssa trabalhosa de borgofe.
Cada qual já tunhia inhido ó corta-espinhos da só primência – o Ferreirinho, o Zé da Cruz, o Zé Chibo ó o Quérmio – p’a golpar os espinhos. Conheçunhiam corta-espinhos, calcanteiros e gafanhotos de aterrarem nas sós usinas, cando petesgos, e sunhirem mandarsidos p’os suarentais levarsir a drepa de polir as pica-picas a atro junto. O drepagulho que les poíam im riba dos suportes fazunhiam-nos acolunar. A pagarsa de tunhirem redado a drepa sunhia tunhirem de a alombar de noverno p’a atro junto de suarenta, por mandarso do que a apulara. Ós tempos lá apulavam unos furantinhos dos calcanteiros – o Tózinho, o Zé Mariê ó o Carrapatinho, p’a fazunhirem uno charriantinho ó uno malha-malha. Dos gafanhotos nejo apulavam, a no sunhir a alteada de adicar a pica-pica suar nas garras do Ratatau, do Zé Vinhas ó do Manel da Trindade, fazunhindo o golpe da riscadinha nunas galdrinas ó nuno domingueiro. Inhiam aprendunhindo. Quem sabunhe se no vunhiriam a sunhir tamém gafanhotos ó calcanteiros. P’o menos o Jaquim Ratatau aprendunhiu c’o onclério o saber que vunhiria a chear e que negou p’a inhir p’a frenho, que tamém negou p’a saiumpir p’a França.
Chegarsido o frenteiro à pequena, deitarsiram uno estoirante a arautar o façanhudo.
O Tó Gero, abanoso, prejunçava na emblemática a carapelosa sangrenta. Tunhia gírio corperno p’a inhir à militarosa. Mas nim tótios mostrarsiam tal conchamento, à medida que inhiam chegarsindo. Mutos adicavam na militarosa uno retardo nos sês alentos e nentes valioso se adicavam pingosas nos sês alipantes.
Os soltos, de carapelosa branquinhosa, sunhiam, im jaral, os mai conchos. Tunhiam o alento por só conta. Mas, p’a algunos, que tunhiam chingado durante lúzios chairéis de briolagre p’a minguarem, as engofadezas primeiravam a apareçunhir.
Os de carapelosa vrede, adiados, tunhiriam de lá voltarsir no roda andunhante, chausa pôco paladosa, nentes único p’a inaceitação dos sês alentos, cumo inda p’os gastos que tunhiriam de aguantar de noverno.
A alegrosa sunhia paladosa, mas pagantava alongado!
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NOVELA NA RAIA – EPISÓDIO 18 (continuação)
(publicado originalmente a 19 de Outubro de 2018)
A minha intenção é sempre a mesma. Avivar a memória da cultura de Quadrazais para que não se perca, sobretudo entre os jovens que não nasceram ou não cresceram em Quadrazais, tendo ouvido apenas dos pais e avós algumas histórias e cenas da vida quotidiana da terra onde haviam nascido, tão longe do local onde agora se encontram. Na «Novela na Raia» vou utilizar personagens reais da aldeia, tentarei descrever quadros da aldeia e narrar os factos do dia-a-dia, embora não obrigatoriamente protagonizados por estas personagens.
SEGUNDA PARTE – DEIXAR A ESCOLA
Episódio 18 (continuação)
Nestes dias de folia o pai, Gero de nome como o filho, seguindo assim a tradição de dar o nome do pai ao primeiro filho e o da mãe à primeira filha, havia-o libertado da lei de ter de estar em casa à hora da ceia, hora do toque a rezar, mais conhecido noutras terras por toque das Trindades, estivesse ele onde estivesse. O pai dava um assobio que se ouvia em toda a aldeia e o Tó Gero tinha de se apresentar em casa de imediato.
Alinhados estavam também o Tito Salvador, o Génio Sant’André, o Virgílio Forneiro, o Leonel Réqué, o Simão Garrano, o Quim Cidade, o Silvestre, o Simão Pardido, o Quim Padece, o Canaveira, o Simão Carvalha, o Tó Lórenço, o Tonho Amador, o Tó Brocho, o António Campos, o Tó Cidade, o Zé Simão de Malcata, o Tó Ramos, o Dionísio Ruvino, o Tó Ginginha, o Simão Candajo, o Gilberto Bicheiro, o Zé Manel Bedo e o Simão Jaquino entre outros dos cerca de trinta e seis quintos, todos orgulhosos dos caturnos que calçavam, com as namoradas a gabarem-se do bom trabalho que haviam feito e a arreceberem os parabéns das futuras sogras.
Durante uma semana haviam dado voltas ao povo, cantando e armando balhos nos terreiros habituais. O povo compartilhava com eles a alegria e, à tardinha, depois do trabalho do campo, era ver as raparigas a arranjar-se para o balho e as mães a preparar-se para mirones. Muitos palpites faziam quando viam algum rapaz mais agarradinho a esta ou aquela rapariga, cochichando-lhes palavras ao ouvido. Ali a lei não valia.
Era, para além da Fonte, o local para encontrar namorada.
– Olha! Olha aquele parzinho! Aposto que dali sai namoro! – dizia uma.
– Atão, e o que dizes daquele otro ali no meio?
– A esse já não lhes dou que cheguem ao Natal sem terem corrido os banhos.
E os rapazes continuavam depois com suas borgas na taberna do Candajo ou dos Cordeiros, comendo massas de carne de cabrito, morto pelo taberneiro de entre o seu rebanho, e bebendo do melhor e abundante vinho.
Haviam passado muitos trabalhos na serra, muitas carreiras à frente de carabineiros e fachos, longas caminhadas de noite até à Cerdeira ou Covilhã para ganharem uns tostões para essa semana de regabofe.
Cada qual já tinha ido ao barbeiro da sua preferência – o Ferreirinho, o Zé da Cruz, o Zé Chibo ou o Quérmio – para cortar o cabelo. Conheciam barbeiros, sapateiros e alfaiates de poisarem nas suas oficinas, quando gaiatos, e serem mandados pelos profissionais levar a pedra de afiar as agulhas a outro colega. O pedregulho que lhes punham em cima dos ombros faziam-nos vergar. A paga de terem entregado a pedra era terem de a carregar de novo para outro colega de profissão, por mando do que a recebera. Às vezes lá recebiam uns preguinhos dos sapateiros – o Tózinho, o Zé Mariê ou o Carrapatinho, para fazerem um carrinho ou um mangual. Dos alfaiates nada recebiam, a não ser a alegria de ver a agulha trabalhar nas mãos do Ratatau, do Zé Vinhas ou do Manel da Trindade, transformando o corte da pana numas calças ou num fato. Iam aprendendo. Quem sabe se não viriam a ser também alfaiates ou sapateiros? Pelo menos o Jaquim Ratatau aprendeu com o tio a arte que viria a abraçar e que abandonou para ir para polícia, que também abandonou para emigrar para França.
Chegado o primeiro à aldeia, deitaram um foguete a anunciar o feito.
O Tó Gero, triunfante, ostentava na lapela a fita vermelha. Tinha bom corpo para ir à tropa. Mas nem todos mostravam tal contentamento, à medida que iam chegando. Muitos viam na tropa um atraso nas suas vidas e não raro se viam lágrimas nos seus olhos.
Os livres, de fita branca, eram, em geral, os mais contentes. Tinham a vida por sua conta. Mas, para alguns, que tinham bebido durante dias litros de vinagre para emagrecerem, as doenças começavam a surgir.
Os de fita verde, esperados, teriam de lá voltar no ano seguinte, coisa pouco agradável, não só pela indefinição das suas vidas, como ainda pelos gastos que teriam de suportar de novo.
A folia era agradável, mas custava caro!
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Notas
Agusto – Augusto. Manel Agusto, tocador habitual contratado em Salgueiro do Campo.
Arreceber – receber.
Cambra – Câmara Municipal.
Gero – Ludgero
Quintos – os da mesma idade
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Crónica «Novela na Raia» – «Episódio 18»… [aqui]
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«Narrada no Risco», por Franklim Costa Braga
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Maio de 2014)
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