A Béi do ti Bernardo perdera o seu homem, o Toino, para a guerra. Em 1915, quando foi mobilizado, a Béi ficara com o seu pequeno Luiz, que ainda mal aprendera a gatinhar. E, sem que ambos soubessem, já a Benedita crescia no seu ventre.
Ora, se na época, a fome era negra com um homem em casa, sem ele era uma miséria completa.
A Béi embrulhava-se no xale de merino e encaixava nele o seu pequenito, apertando as duas pontas lá atrás. Dizia ela que era como se os tivesse, a ambos, bem dentro de si mesma. E era vê-la logo pelo romper de cada aurora a bater à porta de alguma das suas parceiras. Não que elas tivessem muito mais de seu, para a poderem auxiliar, mas onde havia comida para oito ou nove havia mais uma malga de café com leite ou um caldinho chilro. De certeza que não lhes ficava em dívida. Ela cuidava-lhes dos filhos, passava a ferro, lavava a loiça tantas vezes acumulada pelo cansaço extremo de cada dia. Por isso, sempre que a Béi batia a aldraba da porta, era uma bênção.
Ainda a Béi não havia dado à luz a Benedita, já se por lá dizia que o seu Toino tinha as «pernas apodrecidas», por passar tanto tempo enfiado nas trincheiras, sem de lá sair. Mesmo que voltasse, seria mais um estorvo que uma ajuda, segredava-se com dor, entre todos. Ninguém sabia ao certo quem dera essa triste notícia, mas todos afirmavam ser verdade. Porém, os poucos combatentes que voltavam nada sabiam sobre ele, ou porque jamais o tinham voltado a ver, ou vinham «gaseados» e nem deles próprios sabiam!
Nunca houve uma carta no correio, pois o Toino não frequentara a escola ou conhecera alguém que lhe pudesse ensinar a escrever ou a ler. O mesmo acontecera com a sua Béi.
Foi mais um soldado desconhecido, perdido lá longe, muito longe, naquela monstruosa guerra.
A Benedita nasceu. O Luiz já se «empina». A mãe continua a abarcá-los com o seu xale enquanto não crescem um poucochinho, porque uma vida dura os espera.
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«Gentes e lugares do meu antanho», crónica de Georgina Ferro
(Cronista no Capeia Arraiana desde Novembro de 2020)
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