Nova crónica, nova homenagem aos nossos emigrantes de antanho que foram trabalhar para fora do País, mas sem esquecer aqueles que foram à procura de sobrevivência noutras zonas do país, sobretudo, Ribatejo e Alentejo. Hoje, voltemos aos «bidonvilles»…
Para começar…
Uma nota prévia: sempre ouvi falar de Seine et Oise e de outros departamentos. Mas só mais tarde, com a chegada dos emigrantes nos seus primeiros carros é que comecei a perceber que nas matrículas dessa altura vinham os números do departamento de origem da viatura. Assim: Paris Centro, departamento 75; Saint Dennis, 93; Dijon, 21; Champigny, 94; etc.
França, anos 60
Há muitos, muitos anos, venho escrevendo vários textos sobre a emigração na minha aldeia e na nossa região. Hoje, vou repetir e melhorar algumas dessas ideias, em homenagem à epopeia dos meus conterrâneos que partiram.
1
A emigração foi algo muito sério. Não foi turismo. Não foi divertido. Não foi uma aventura ligeira. Não! Foi muito pesado. Foi duro, foi dramático, foi fruto do desespero. Era preciso ir «a salto» – uma travessia dramática de serranias através de toda a Espanha e depois até Paris, Lyon, Pau, Dijon, Clermont Ferrand… «quoi que ce soit» (seja o que for, fosse o que fosse).
Porquê então esta debandada olímpica? Naquela altura, poucas eram as famílias que tinham sequer uns escudos de rendimento. Podiam ter batatas, couves e feijões para comer, mas só isso.
Por essa razão, um dia tiveram de tomar a mais dramática de todas as decisões das suas vidas: partir, arriscar tudo, abandonar os seus. Ir de noite até para lá da fronteira, numa qualquer serra próxima, boa parte do caminho a pé, quilómetros e quilómetros, a ser mal tratados pelos homens de mão dos engajadores, a quem pagavam e por quem eram humilhados.
2
E quando chegaram aos «bidonvilles» e depois aos «bâtiments» (batimãs) de Paris?
Mas… nem tudo é negativo. Da emigração resultaram em contradição duas consequências paralelas principais: por um lado, um grande sacrifício pessoal dos envolvidos (os que iam e os que ficavam); por outro lado, a melhoria da qualidade de vida, gradualmente, paulatinamente, mas melhoria. Indiscutível. Mesmo que à custa de coisas essenciais, como a saúde (muitos «rebentaram» por lá) e a dignidade. Por vezes os franceses (e não só) atreviam-se a humilhá-los e a espezinhá-los, fosse discretamente, fosse às escâncaras…
3
Com o já referi antes, vários membros da minha família se lançaram na aventura da emigração. Os primeiros anos foram de uma dureza incrível. Não que eles se queixassem. Não. Parece-me hoje e já o descobri tarde, quando eles começaram a contar umas coisas soltas e o meu cérebro ia ligando as coisas, parece-me hoje, dizia, que eles nem se davam conta da dureza e da humilhação.
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Os trabalhos em que estavam eram dos piores: construção civil, caminhos-de-ferro – coisas assim. Mas há pior: o medo permanente de ser posto na fronteira dava cabo do sistema nervoso de todos eles. Para quase todos, a França significou também as artroses, as pernas partidas e «soldadas», as costas derreadas, os joelhos duros, os pulmões arruinados, muito álcool, muita complicação.
5
Depois, a língua estranha que tiveram de arranhar para se safarem mais ou menos naquele meio. Falava-se aquele dialecto engraçado que era uma mistura do português, quer dizer, do português falado nos anos 50 numa aldeia beirã, com umas arranhadelas de algo parecido com o francês da rua e da obra em Paris – nos «bidonvilles» (bairros de barracas) de Champigny ou em Clermont Ferrand…
6
Finalmente, um registo da minha parte. As minhas homenagens sinceras aos emigrantes e suas famílias. Sejam os do Casteleiro, sejam os de toda a região raiana.
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Até para a semana, à mesma hora, no mesmo local! Cem crónicas depois… Um novo capítulo! Uma nova epopeia!
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«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2011)
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