Tenciono publicar uma série de crónicas recordando o que escrevi sobre a busca de trabalho das gentes da minha aldeia quer dentro do País (sobretudo no Alentejo mas também em Santarém), quer fora do País, sobretudo na França mas também na Argentina, nas ex-colónias, na Suíça, na Alemanha, etc. Obrigado pela atenção que dá ao que escrevo… e divirta-se, como eu me divirto.
Vamos, antes de mais, situar as migrações e suas causas e objectivos. Fá-lo-emos por partes, de forma muito sucinta, para não aborrecer quem lê e sabe muito bem disto quase tudo…
Argentina
Alguns casteleirenses foram procurar melhor vida na América do Sul, sobretudo na Argentina. O mais célebre de todos era o Ti’Zé Russo. Eis a melhor de todas as histórias que dele se contavam…
«Mais linda…»
Andou por lá mais de 20 anos. Nem uma carta… Mas um dia voltou e truxe uma prenda à mulher… Um conjunto apreciável de «soutiens» bem empinados, cuecas super-sexy e outros apetrechos iguaizinhos aos que via sempre nas «boîtes» de Buenos Aires…
A senhora tinha na altura também mais de 60 anos e tinha a mentalidade e as preocupações de qualquer mulher de uma aldeia amodorrada e abandonada no meio do país. Não a mentalidade e as preocupações das jovens de Buenos Aires com quem o Ti’Zé Ruço eventualmente se relacionava. Tudo bem.
E, perante a pergunta da Ti’Laurinda: «Ai, Zé! Zé! Agora para que é que eu quero isto, Zé?», o Ti’Zé Ruço terá respondido com a maior das ingenuidades e com o sotaque espanhol, que ainda mantinha: «Pàra què fiquès más lindà, mi amòr!»
Houve emigração para a Argentina
Falamos de emigração na aldeia e pensamos logo na debandada dos anos 60 do século XX para Paris! Mas não foi só isso! Nos anos 30-40 do século passado… Muito antes da corrente contínua de saídas à busca de trabalho na França… O Ti’Zé Ruço – acima referido – esteve anos emigrado na Argentina.
Colónias
Tive um tio em Angola, na zona Sul, nas terras da cana-de-açúcar. Mas na aldeia havia mais gente em Angola e noutras ex-colónias. Um dia destes, voltamos às colónias. Siga a marcha. Vamos até à França…
França
No fim dos anos 50 e durante toda a década de 60, foi um fogacho: a solução para todos os grandes problemas financeiros das famílias era que os homens, incluindo os mais novos, fossem para a França. Foram sobretudo «A Salto». E sofreram imenso a atravessar aquelas serras todas, com ou sem «passador», pois estes muitas vezes abandonavam-nos, embora tivessem pago, para fugirem eles mesmos à Guardia Civil espanhola.
Algumas histórias de emigrantes
Ir «A Salto», arranjar casa (barraca) num dos «bidonvilles» dos arredores de Paris como, por exemplo, Champigny, arranjar trabalho por uns dias com a ajuda de amigos que já lá estavam… uma vida endiabrada, até poder daí a três ou quatro meses, enviar para casa, a fim de que a mulher pudesse dar de comer aos filhos um vale postal com uns escudos.
Mas um dia as coisas começavam a melhorar e a vida começava a reorganizar-se, agora já com algumas centenas de escudos – uma riqueza de vida, dia-a-dia bem melhor do que antes. Essa foi a maior de todas as epopeias das gentes da minha terra. Vamos recordar tudo, passo a passo.
Ir «A Salto»
Sair do Casteleiro, atravessar serras e montes, vales, rios, estradas secundárias a pé, a fugir, a esconder-se da Guardia Civil – isso é ou não é um marco nas vidas destes nossos heróis esquecidos?
Viver nos «bidonvilles»
Chegar aos arredores de Paris, procurar casa (chamemos-lhes casas), assegurar algum pouco de comida para os dias seguintes, apoiar-se em dois ou três amigos que já lá estavam há meio ano ou menos e que estavam sempre prontos a ajudar… arranjar trabalho para começar a ganhar alguns francos para depois começar a subir na vida. Primeiro que tudo, amealhar uns escudos e depois cambiando os francos que se foram poupando, quase todos os que se ganharam… e poder começar logo a pagar a quem emprestou para pagar ao passador.
Levar a família
Passaram três, quatro anos, e os nossos conterrâneos começam então a pensar noutras soluções para virem ver a família.
Um carro é a grande realização pessoal, precedido, quase sempre daquele milagre que nunca percebi bem como era possível em terras de França: tirar a carta, aprender a conduzir e legalizar a condução! Uma verdadeira saga heróica, realmente.
Muitas vezes… pessoas que nunca andaram na escola, que nunca souberam ler nem escrever. Foram uns heróis ao desenrascarem-se como todos sempre vimos. Fosse um Citroën ou um Peugeot, a verdade é que a viatura, em geral bem velhinha aguentava muito bem os 1.500 quilómetros para cada lado. E muitos deles começaram de repente aparecem na aldeia para as «vacances» montados nas suas «machines», nas suas «voitures» – e felizes como nunca.
Alguns, mais tarde mas o mais rapidamente que puderam, decidem levar as famílias e aí começa nova época da epopeia que todos conhecemos. Filhos e netos beneficiam do sistemas escolar francês e rapidamente (em meia dúzia de anos) ficam meio afrancesados com tudo o que isso implica de poema heróico, de vidas épicas, de sagas destemidas.
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Até para a semana, à mesma hora, no mesmo local! Cem crónicas depois… Um novo capítulo! Uma nova epopeia!
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«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2011)
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