No Queimoso passarsido o Augusto Simão, que tunhe acompanharsido mês rabiscos no papeloso Capeia Arraiana, apreciarsindo-os, lançarsiu-me uno desafierno na noiena reta: «Por que nentes escrevumpes uno mintroso sobre Quadrazais? Toienes é que sunhes a pensante dedada p’ ó fazunhir.» Nentes penhando esperarsa duno desafierno daquesses, penhei sim sabunhir o que galrar senentes uno «dudez!» sim teimosa. A eureca penhou cá no baixo da muchela, sim granjeira chispa de a trazunhir ó de riba. (Carcho 17.º).
Chegarsira a Jejuada e ovumpiu algunos tempos dedar os tocantes ó priorarem a Encomendação das Animadas. Inda no intervava muto baro aquilo. Na religiosa no le galraram daquêssas chausas.
No lúzio da Amendoosa, à tardosa, acumpanharsiu a frenteira ala ó Esprito Santo. A ansiosa inda inhia superior e tunhiu jeca ó saltarsir as escorregadias. Inda molharsiu os calcantes.
Adicara chegarsir as beirosas, que fumavam baixinhas ó vento da só entrante e havunhiam fazunhido quentinho na goteira do coime ó vento. Sunhia uno ropio a rapar importunos que arplanavam c’a ponta e mole p’a usinar os quentinhos. Os nevursosos e atras piantinhas fazunhiam sus quentinhos nas sombrosas. Tamém as çarangonhas aterravam nos alagados, verdosos e regadas à precura de vermocas. Nas regadas concorriam co’as lavandeiras. Levarsiam na ponta derivadinhos p’a refazunhirem o avoego quentinho da alta do tocante. As colarentas de gola branquinhosa rurruavam nas sombrosas. Tunhiu forçado de precrer uno quentinho de colarenta, monte paladava dêlas. Inconstante tunhiu a pró de encontrarsir una. Já se ovumpiam modar os cucús, a arautar os cortes.
O Meguel, ó ovumpi-los, bocou:
Cucú d’além do ansioso,
Cantos rodas me darses de inaltanado?
E cuntava os tempos que o cucú modava. Sunhiam aquesses os rodas que tunhiria inda de penhar inaltanado. A Palmira tunhiria de esperarsir tótios aquesses rodas.
Dos piantinhos, o que mai apreciarsia sunhia o piantsilgo, de gola sangrenta, parelho ó que o Silvestre tunhia nuna aramada no fixo do ti Barreiro. Cada tempo que lá inhia oculava-o cum gostoso e forçava tunhir uno.
Os trupeados primeiraram a chonar no aberto abarcados de portelas, c’o cardenho do parrondas ó vento deles e o respo de guardarsa c’a só gola de ferrosos ó virante. Sunhia preco pagarsir a verdosa que suquiram cum malcheiradas no aberto dos parrondas da verdosa.
Nos abertos golpavam-se as meladas e atro denso, regavam-se e lisavam-se p’ás terradeiras das cascosas, carcábios e gravinho. As ruças tunhiam acabarsido.
Em breve primeirariam as aguadas cum gemos ó brocas a tirarsir a ânsia dos fundos ó c’a musclada remexidal do manuarjo agarsido ós cambos. As maralhas, incalcantadas, enandantavam a ânsia p’os tornadoiros inté às cascoseiras. E reprimeirava o gira-gira: tirarsir os desprezados das cascosas p’a uno latoso e apoi deitarsir-les runfo, ó hissopar cum ânsia a que se mesclara Gamixane, as verdes, por meio duna varredora, ó, mai hojernamente, deitarsir o Gamixane cum pulverizador.
O dianho dos desprezados de rápido passarsiam de piulha a desprezados sangrentos e daquestes a desprezados cum calorento solar ós traços. Naquêssa etapa sunhia muto interno acabarsir co’êles, poi arplanavam dum vento p’a atro e inté se metunhiam debaixo da terrunha, malutando c’as escava-terreiras.
Ó vento dos ansiosos sunhiam mutos macalinhos de Santantonho, as saltadoras e uno ó atro mijateiro. Tunhia de tunhir dorido co’aquestes, no le deschingassem im riba e granjeirasse mijateiros. Tunhia de os alternar cum falhorda de dentosos alumada, a que se juntarsia rebentante. Mas sunhia preco muto dorido, no sunhisse acaecer-le o mesmerno que à ti Antioneta cando os alternava ó gilfo Tó. Repumpou a rebentante e êla penhou tótia a alumar. Tunhiram de le cudir e oleá-la cum alâmpio.
Já espreitarsia uno ó atro verdarto à enrola dos andantes e una ó atra bordugueira nos densos. Do que tunhia jeca o Meguel sunhia dos desprezados-machos. Adicara uno na lavradeira duno verdoso, cando se baixarsia p’a chingar ânsia. Garraltou no mai chingar ânsia nas lavradeiras.
Nos estreitos já se encontrarsiam capotados enrolando sós redondas de almiscas, bichocleros solares e, no sopro, rumoravam as vacas-loiras. Tunhia de rapar una p’a le tirarsir os chifrudos e co’êles se protegunhir das adivinhadoras. Lembrarsiu-se, a calhar, do que dicava às medioilas, cando se arrenagava co’êlas:
Aquêsta choina irrealizei moienes
C’os chifrudos da vaca-loira
Os manuarjos suquem à távola,
As manuarjas à majadoirê.
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NOVELA NA RAIA – EPISÓDIO 17
(publicado originalmente a 12 de Outubro de 2018)
A minha intenção é sempre a mesma. Avivar a memória da cultura de Quadrazais para que não se perca, sobretudo entre os jovens que não nasceram ou não cresceram em Quadrazais, tendo ouvido apenas dos pais e avós algumas histórias e cenas da vida quotidiana da terra onde haviam nascido, tão longe do local onde agora se encontram. Na «Novela na Raia» vou utilizar personagens reais da aldeia, tentarei descrever quadros da aldeia e narrar os factos do dia-a-dia, embora não obrigatoriamente protagonizados por estas personagens.
SEGUNDA PARTE – DEIXAR A ESCOLA
Episódio 17
Chegara a Coresma e ouviu algumas vezes tocar os sinos ao rezarem a Encomendação das Almas. Ainda não percebia muito bem aquilo. Na dotrinê não lhe falaram dessas coisas.
No dia de Páscoa, à tarde, acompanhou a primeira p’cissão ao Esprito Santo. A rebeira ainda ia alta e teve medo ao salvar as poldres. Ainda molhou os pés.
Vira chegar as andorinhas, que esvoaçavam rasteiras junto da sua porta e haviam feito ninho no beiral da casa ao lado. Era um corropio a apanhar insectos que voavam com o bico e lodo para fabricar os ninhos. Os pardais e outras avezinhas faziam seus ninhos nas árvores. Também as çarangonhas poisavam nos charcos, lameiros e lavradas à procura de minhocas. Nas lavradas concorriam com as lavandeiras.
Levavam no bico galhinhos para refazerem o ancestral ninho na torre do sino. As rolas de colar branco arrulhavam nas árvores. Teve desejo de procurar um ninho de rola, tanto gostava delas. Nunca teve a sorte de encontrar um. Já se ouviam cantar os cucos, a anunciar as ceifas. O Miguel, ao ouvi-los, gritou:
Cucú d’além do rebeiro,
Quantos anos me dás de solteiro?
E contava as vezes que o cuco cantava. Eram esses os anos que teria ainda de ficar solteiro. A Palmira teria de esperar todos esses anos.
Dos passarinhos, o que mais apreciava era o pintassilgo, de colar vermelho, igual ao que o Silvestre tinha numa gaiola no comércio do ti Barreiro. Cada vez que lá ia mirava-o com prazer e desejava ter um.
Os gados começaram a dormir no campo rodeados de cancelas, com a choça do dono vigilante junto deles e o cão de guarda com sua coleira de ferros ao pescoço. Era preciso pagar a erva que comeram com estercadas no campo dos donos da erva.
Nos campos cortavam-se as silvas e outro mato, lavravam-se e agradeavam-se para as sementeiras das batatas, feijões e milho. As geadas tinham acabado.
Em breve começariam as regas com burros ou vacas a tirar a água dos poços ou com a força braçal do homem agarrado aos cambos. As mulheres, descalças, encaminhavam a água pelos tornadoiros até às batateiras. E recomeçaria o ciclo: tirar os bichos daas batatas para um caldeiro e depois deitar-lhes fogo, ou abachucar com água a que se misturara Gamixane, as ramas, por meio de uma vassoira, ou, mais modernamente, deitar o Gamixane com um pulverizador. O diabo dos bichos depressa passavam de piulha a bichos vermelhos e destes a bichos com capote amarelo às riscas. Nessa fase era muito difícil acabar com eles, pois voavam dum lado para outro e até se metiam debaixo da terra, concorrendo com as escava-terreiras.
Junto dos rebeiros eram muitos os cavalinhos de Sant’Antonho, as rãs e um ou outro sapo. Tinha de ter cuidado com estes, não lhe mijassem em cima e criasse sapos. Tinha de os atalhar com palha de alhos ardida, a que se juntava pólvora. Mas era preciso muito cuidado, não fosse acontecer-lhe o mesmo que à ti Antioneta quando os atalhava ao filho Tó. Explodiu a pólvora e ela ficou toda a arder. Tiveram de lhe acudir e untá-la com azeite.
Já assomava um ou outro lagarto à roda dos caminhos e uma ou outra bordugueira nos matos. Do que tinha medo o Miguel era dos bicho-machos. Vira um na regueira dum lameiro, quando se baixara para beber água. Jurou não mais beber água nas regueiras.
Nos carreiros já se encontravam escaravelhos rolando suas bolas de excrementos, bichocleros amarelados e, no ar, zuniam as garrochas. Tinha de apanhar uma para lhe tirar os cornos e com eles se proteger das bruxas. Lembrou-se, a propósito, do que dizia às moçoilas, quando se zangava com elas:
Esta noite sonhei eu
C’os cornos da vaca-loira.
Os homens comem à mesa,
As mulheres à majadoira.
(Continua)
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Notas
Abachucar – salpicar com água
Alacrário – lacrau
Boldregas – beldroegas
Boletas – bolotas
Borracha – gudra espanhola, espécie de pequeno odre para vinho
Çarangonhas – cegonhas
Cascarão – coscorão
Crostos – colostros
Gamixane – marca de químico para matar os bichos das batatas
Garrocha – vaca-loira
Majadoira – mangedoira
Vienda – vianda
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Crónica «Novela na Raia» – «Episódio 17»… [aqui]
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