Por causa da II Guerra Mundial ao rubro, os Jogos Olímpicos de 1940 não foram em Tóquio. Para Tóquio foram os Jogos em 1964 – e Neroli Fairhall sonhava com eles. Era da Nova Zelândia, também fazia atletismo, mas era no hipismo que mais brilhava… (Parte 17).
Acidente de moto atirou-a para uma cadeira de rodas mas não lhe roubou o sonho olímpico
(e há outras histórias de espanto sem pernas, sem vista e com… morte)
De um instante para o outro, o sonho tornou-se pesadelo para Neroli Fairhall: acidente de moto deixou-a, paraplégica, numa cadeira de rodas:
– Percebi que não podia correr mais, não podia montar mais, mas podia fazer outras coisas…
Experimentou o lançamento do peso em cadeira de rodas – foi assim que disputou a sua primeira edição de Jogos Paralímpicos, em 1972. O peso não a encantava, porém – tentou o tiro com arco e fascinou-se.
O tempo foi passando – e, nela, foi-se reacendendo, de novo, o sonho de ir aos Jogos Olímpicos.
Fairhall apurou-se para Moscovo-1980, o boicote da Nova Zelândia – trocou-lhe, de novo as voltas. (Pôde, porém, ir aos Jogos Paralímpicos de 1980 – e ganhou-os, já os ganhou no tiro ao alvo.)
Pelo caminho foi batendo recordes mundiais paralímpicos, brilhando, também (ou sobretudo) em competições não deficientes – e foi assim que se apurou para Los Angeles-1984. Saiu de lá a meio da tabela – e quando um jornalista lhe perguntou qual era a sensação de lançar sentada, numa cadeira de rodas, se isso não era uma vantagem, Neroli Fairhall, respondeu-lhe, de fogacho:
– Não sei, nunca atirei em pé.
Para Atlanta-1996 (para esses Jogos que deram o ouro a Fernanda Ribeiro), Fairhall apurou-se também. Já tinha 51 anos, lesão num ombro, cortou-lhe o caminho para mais uma edição de Jogos Olímpicos (sim, Olímpicos, não Paralímpicos…) obrigando-a a cirurgia de reconstrução de emergência. Esteve mais de um ano sem poder sequer treinar, voltou ao tiro ao alvo – e voltou a ser campeã paralímpica em Sydney-2000, campeã paralímpica já fora igualmente em Seul-1988. Em 2006 morreu, vítima de complicações causadas pela paraplegia, treinadora de tiro foi quase até aos seus últimos dias…
A cega dos 1500 metros na luta com Carla Sacramento…
Depois de Neroli, houve outra paralímpica em Jogos Olímpicos: Marla Runyan, que representou os Estados Unidos, nos 1500 metros de Sydney, ao lado de Carla Sacramento. Não era surda como Ildikó Rejto, era cega – aos nove anos, fora atacada pela Doença de Stargardt que, a pouco e pouco, lhe foi roubando a visão.
Em 1992 ganhou quatro medalhas de ouro nos Jogos Paralímpicos (nos 100, 200 e 400 metros e no salto em comprimento) – e nos Jogos Olímpicos de Sidney (depois de no Jogos Paralímpicos de Atlanta ter levado mais ouro do pantetlo e prata do… lançamento do peso) fez a história que se sabe: representou os Estados Unidos, nos 1500 metros, ao lado de Carla Sacramento (fechando a final em oitavo lugar) – antes de lá chegar, revelou-o:
– Sempre que me falam da minha deficiência, da minha desvantagem, eu digo, como se fosse o meu mantra: não se preocupem, pois eu posso ver a linha de chegada, a meta está lá, no final da longa reta… E não, não perco as minhas adversárias por ser como sou, vejo-lhes os pés em sombras, identifico-as pelas cores das camisolas, a maneira como se movimentam e basta-me…
Maurice Greene, então o homem mais veloz do mundo, afiançou-o:
– Marla serve de exemplo para todos nós, para a luta de todos nós atrás dos nossos sonhos…
Em 2001 (depois de já se ter sagrado campeã americana de 5000 metros) Marla Runyan escreveu a sua auto-biografia, chamou-lhe: «Não Há Linha de Chegada: A Minha Vida como Eu a Vejo».
Lançada a distâncias ainda maiores, em 2002 estreou-se na maratona de Nova Iorque com 2.27,10 segundos (falhando o pódio por 10 segundos, mas batendo magote de gente ilustre, de Margaret Okayo a Lornah Kiplagat, de Sonia O´Sullivam a Maria Guida…)
Doutorada em Transtorno de Comunicação e Educação Especial, aos Jogos Olímpicos voltou Runyan em Atenas-2004. Casada com Matt Lonergan (o seu treinador) em 2005 teve uma filha – e só por causa de operação de emergência falhou o que queria que fosse o seu adeus: os Jogos de Pequim. Treinado atletas, Marla tornou-se, entretanto, professora de crianças cega numa escola de Massachusetts que tem como sua aluna mais famosa, Helen Keller…
Depois das lâminas de 25 mil dólares nos pés, o inferno na morte da namorada
Londres-2012 também viveu nos seus Jogos Olímpicos o signo de uma estrela paralímpica (que não se imaginava já a caminho de tragédia e dram…): Óscar Pistorius, a correr 400 metros, com lâminas nos pés que lhe custavam, cada uma, 25 mil dólares…
A sua vida era a transformação de uma frase num desígnio:
– Não há nada que os atletas ditos normais façam que eu não consiga fazer.
E o que quis fazer foi correr para além dos Paralímpicos, mas a IAAF foi-lhe recusou admissão às pistas, alegando que as suas «cheetah» eram «doping mecânico». A decisão saiu de um estudo de 10 especialistas em fisiologia e biomecânica que concluíram que as próteses, feitas de carbono ultra-leve, lhe davam ganho de energia em gasto de oxigénio de 25%. Inconformado, recorreu para o Tribunal Arbitral do Desporto – e o TAS deu-lhe razão: que na ideia da IAAF não estava o outro lado da questão: «A menor inércia nos primeiros 30 metros da prova, a fricção e perda de energia na ligação do equipamento aos cotos, a maior instabilidade em piso molhado…»
Com a polémica ao rubro, estudo do cientista Ross Tucker estimou a vantagem que as próteses, que custam mais de 25 mil dólares, lhe davam: 10 segundos – e considerou que a decisão do Tribunal de obrigar, enfim, a IAAF a aceitá-lo nas suas competições era uma «farsa». A réplica de Pistorius foi:
– Não dou nenhum crédito a essas coisas. O TAS decidiu a meu favor porque os principais especialistas mundiais demonstraram o contrário: que eu não tenho vantagem nenhuma nas lâminas…
Óscar Pistorius nascera em 1986, em Pretória, com apenas dois dedos em cada pé e com as pernas sem perónio. Aos 11 meses amputaram-no à altura do joelho. Com ano e meio deu os primeiros passos de próteses. Cresceu, de «cheetahs» jogou pólo aquático e ténis, fez boxe, dedicou-se ao râguebi. Lesão desviou-o para o atletismo – e com 17 anos tornou-se campeão paralímpico de 200 metros em Atenas. Quatro depois venceu os 100, os 200 e os 400 em Pequim. Passaram a chamar-lhe «Blade Runner, O Corredor Lâmina».
Com a popularidade a galope, a Volvo e a Oakley ofereceram-lhe «contratos publicitários de super-estrela» – e ele revelou que, como «forma de retribuir o sucesso e o resto», se juntava ao empresário Mike Hendrick na Fundação Mineseeker, que se destinava a apoiar pessoas que foram amputadas em conseqüência de ferimentos causados por minas em África. Foi o que foi fazendo (cada vez mais na crista da onda…) – até que tudo desabou: acusado de ter morto a namorada, condenado a prisão (com a vida transformado num filme, sobretudo pelo seu lado negro…)
O automóvel que levou Natalie du Toit a perder a perna sem… perder os Jogos Olímpicos
Não, não foi obviamente por acaso que a porta-estandarte da África do Sul nos Jogos Olímpicos de Pequim-2008 fora Natalie du Toit (que de Jogos Paralímpicos já levara 11 medalhas, 10 de ouro). Nascera na Cidade do Cabo em janeiro de 1984 e lançou-se à natação aos 14 anos:
– Três anos depois, perdi parte da perna esquerda ao ser atingida por um automóvel que me apanhou na estrada a conduzir a minha scooter, à saída de um treino.
Foi a 26 de fevereiro de 2001 e… seis meses após, ainda sem sequer voltar a andar, já estava na piscina de novo, a preparar os Jogos da Commonwealth de 2002, surpreendendo toda a gente por chegar à final dos 800 metros. Estudante de Genética e Fisiologia, Natalie Du Toit continuou a fazer do seu lema a sua vida:
– …não deixar que uma tragédia nos abata, ser otimista, trabalhar pelo sonho…
e foi assim que chegou a prova de águas abertas dos Jogos Olímpicos de Pequim, das suas águas saindo em 16.º lugar – e, depois, dos Jogos Paralímpicos de Londres, levou mais duas medalhas de ouro e uma de prata…
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«Às voltas da História», crónica de António Simões
(Cronista no Capeia Arraiana)
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