:: :: 100 :: :: Crónica 100 da série «Crónicas sobre a aldeia». Fim de um ciclo. Altura para comemorar. E quero fazê-lo da melhor forma que sei: homenageando os meus conterrâneos, os seus falares, as suas filosofadas diárias… Vai gostar!…
Hoje… crónica número 100
Hoje termino aqui esta série de crónicas em que falei de forma geral da minha aldeia. Vão seguir-se mais rememorações de textos que divulguei há muito tempo, para memória futura… Por exemplo: resumirei os tempos da grande emigração, os meus anos da tropa, sobre tudo em Cabinda; e falarei da epopeia do volfrâmio, etc.
Mas hoje, repito, com esta crónicas das crónicas perfaço o número 100 e isso merece uma comemoração. E faço essa comemoração com a melhor homenagem aos meus conterrâneos aldeões como eu: recordando as suas filosofias, os seus modos de falar, as expressões bem locais e típicas…
Percorri dezenas de crónicas e decidi organizar esta mostra dos modos de estar, de pensar e de brincar da minha gente. O leitor vai adorar. Estas linhas que lhe transcrevo foram todas publicadas entre 2007 e hoje… Retirei-as de 42 crónicas escritas ao longo desses anos. Há muitas mais, mas não quero de modo algum abusar da sua paciência, caro leitor.
Então, vamos lá a isto… Divirta-se «à grande e à francesa»…
Assim filosofam e assim falam as pessoas da minha terra…
– Uma constipação bem curada são trinta dias e mal curada trinta e um;
– «É dabonda» – basta;
– «Senhora do òrondo» – o seja, mulher que anda sempre muito bem arranjada;
– «Agarra-te às estevas, mãos de aranha» – quer dizer «desenrasca-te»;
– «Pensa que se benze e parte o nariz» – significa está muito enganado;
– «Isto ou aquilo não é nariz de santo» – como quem diz… é uma coisa normal;
– «Menino rabino» – é a expressão para menino esperto e vivaço;
– «Aquilo é que está ali um azamel» – para quem tem mesmo dificuldades naturais em movimentar-se.
– «Aquilo é uma tchecória»;
– «Tás cá c’ma gosma» – aquilo é um gosma, um chupista.
– «É muito àsado» – ou, com mais carinho.
– «É muito àsadinho» – Para dizer que a pessoa estava sempre disponível e fazia tudo – «É uma cestinha de mão.»
– Aquilo é um babanca! – não sabe o que diz.
– Ah, malandro. Ah, candágua!
– Esse? Esse é um colhana!
– Aquilo é uma tchoca. Tem lá a casa numa tchoquice…
– É um bacalhau sueco.
– És uma boa tchafesga das grelhas.
– Aquela é cá um mostrunço…
– É um tchoninhas!
– Você é um cabeça de alho choucho – Isso era uma grande ofensa.
E, quando um garoto dá sinais de muita rapidez no falar, muita ginástica, no conversar e boas referências do professor na escola… «é esperto que nem um alho».
Modos de dizer com muita piada
No Casteleiro, quase é cais: quase nada é cais nada. As pessoas não têm joelhos, têm «ij’bêlhos».
E agora as frases com piada ou até meio filosóficas (da filosofia da vida real, claro)…
– Isto é um s’pônhamos – quer dizer que se trata apenas de uma hipótese, que não está nada acertado em definitivo, que se está só a dar um exemplo.
– Contra mim falo… – quer dizer que eu disse uma coisa de modo diferente, mas que de facto a coisa era diferente. Ou que estou a falar agora assim, mas que já antes disse outra coisa.
Uma grande mania, na minha terra é uma «sezeta»:
– Aquela tem cada sezeta! – Isso quer dizer que se lhe metem coisas más na cabeça e não saem de lá…
– Já se tchapou a marcolina! – Isso significa que já se estragou o que estava a andar…
– Devagar, que tenho pressa! – Prefere-se que as coisas fiquem bem feitas.
Por exemplo: diz-se que «as coisas feitas à noite, de manhã aparecem» – e com razão. Já me tem acontecido a mim também.
– Atrás de tempo, tempo vem! – Ou seja, as pressas dão em vagares.
– Devagar, que tenho pressa!
Também se costuma dizer que a pressa é má conselheira. Tudo isso porque «Roma e Pavia não se fizeram num só dia».
E quando, mesmo assim, alguém ainda está a apertar para se acabar a obra:
– Calma no Brasil, que Portugal é nosso.
E se uma pessoa acha que a coisa se vai fazer rapidamente e que não vale a pena estar preocupado, fala-se assim:
– Isto é um vê se te avias!
Para finalizar esta história das pressas:
– Vás lá todo lampeiro… – quer dizer que és sôfrego, que tens pressa de te «aviares», que vais com muita sede ao pote.
– Era cá um matchacaz! – Ou seja, uma pessoa «munta» grande e mal amanhada.
– «A camisa está no fio» – quer dizer que a camisa já está muito rafada e gasta.
Quando o garoto está a estragar tudo e se quer avisar de que o pai pode não reagir lá muito bem, diz-se-lhe assim:
– Anda-q’à-rranjas bonita!
Quando alguém diz mal de tudo e nunca gosta de nada:
– Não cuspas para o ar que te cai em cima.
E mais:
– Ir por lã e vir tosquiado ou ir por vinho e vir vindimado…
E quando uma pessoa é teimosa:
– E não cais daí p’ra baixo!
Palavras e expressões do nosso Povo
Metade destas palavras e expressões só a vai perceber quem é da terra. «Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso» como se costuma dizer. Pois bem: na minha aldeia há maneiras de dizer que sempre me deixaram «banzo». Por exemplo:
– Sabem o que é um «fraca-tchitchas»? E «zarinzel»?
Ou então:
– Está ali a prender o tchebinho.
– Apareceu aí um imbalde…
– Está aqui uma grande balquêrada.
– Anda ali a coxambrar.
E as expressões da tradicional sabedoria popular? Exemplos:
– A rico não devas e a pobre não prometas.
– Julga que se benze e parte o nariz.
– A tudo Nosso Senhor nos chega se a vida dura.
– Muito fala o são ao doente.
– Quem muito fala pouco acerta.
– Cão que ladra não morde.
– Tenho de fazer de Manelzinho de Sousa.
Palavras de outros tempos
Alguns exemplos de palavras e expressões usadas noutros tempos:
– Ir ao rebusco;
– Dar aqui uma barredela;
– Fazer uma barrela;
– Aquilo é um bacalhau sueco.
Leia: é uma tronga e mal comportada, de má resposta e tudo.
Labrusco é sujo. Mas o tempo neste inverno tem estado muitas vezes labrusco, também.
Quando um tipo é atado, meio enrascado e fica atrapalhado sempre que é preciso fazer alguma coisa, diz-se assim:
– Aquilo, em tendo qualquer coisa que fazer, é logo uma serra!…
Moranhêro é esta atmosfera meio húmida e pouco chuvosa que tem estado em alguns destes dias:
– Ó rapaz’s, está cá um moranhêro!
Quando uma comida está muito boa, diz-se que está de estalo ou que está de trás da orelha. Mas se está um daqueles dias maus a sério, com vento e chuva etc., então a frase mais apropriada é outra mais forte:
– Está cá um dia de capar cães…
E esta?
– Isto é que vão aqui uns lavarintos!
Cada um é como é…
– Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso.
Não é mesmo assim? Vamos então às expressões que ouvimos e usamos no Casteleiro…
– Aquele anda sempre com macacadas!
Quer dizer que ora diz uma coisa, ora diz outra; ora se comporta de uma maneira, ora de outra. Não se pode confiar muito no que ele diz e faz. Ou então que é pouco firme nas suas atitudes para com os outros. Sendo macacada, em princípio, um conjunto de macacos, parece-me que a palavra aparece naquela expressão de algum modo abastardada também.
– Ah, cão de água!
Uma mãe, já farta das tropelias do filho, chama-o para vir para casa e comportar-se com juízo. Como ele não deixa de fazer asneiras, vai de rotulá-lo como cão-de-água. Como se o animal não fosse em si mesmo tão bem educado e tão meigo. Então os cães-de-água (como o da foto), coitadinho… Repare que, no apelo da mãe, não usei os traços que uso no nome da raça do animal. Porque para a mãe, não de trata de facto de chamar animal ao filho mas antes de o rotular como um grande rufia.
– Aquilo é um cepo! – isto significa que a pessoa mal de mexe. Ou também que não tem grande habilidade manual.
– Estás um bom agoniado.
Ou:
– Aquela anda sempre agoniada – significa que a pessoa em causa anda sempre mal disposta, trombuda.
– Saíste-me um bom amigo da onça – isso significa que a pessoa se portou mal e que faltou aos deveres da amizade.
– Hoje dormi que nem um prego – dormi profundamente, não dei conta de nada. Podia passar-me um camião por cima que eu não acordava.
– Aquilo é que é um águia… – quer dizer que é bom no que faz…
«É um rato» – significa que é mesmo rápido a perceber as coisas, que é muito vivaço.
– É um pato – ou – Caiu que nem um patinho – deixa-se enganar com facilidade.
– Mulher honrada não tem ouvidos!
De uma pessoa que se julga com algumas posses e anda de nariz empinado, dizem:
– Tem a mania que é rico!… – e diz logo outra – Oh! Tem sete potes e um penico!
Outra palavra corrompida pelo Povo: «magarefe» Na realidade, magarefe é o cortador de carnes, como se sabe. Vá-se lá então saber por que é que de um tipo que não é de fiar se diz:
– É um magarefe!
E esta faz-me lembrar que aos miúdos (e não só, mas sobretudo) que andam sempre com parvoíces se diz assim:
– És um bom tcharepe…
Uma pessoa que anda de trombas é um «burgesso». Uma pessoa que não desenrasca as coisas é «um bom culhana». Um tipo que é pequeno e magro é um «meia-pele».
De uma pessoa que tem dificuldade em se movimentar ou que anda devagar e a tartamudear, diz-se que «anda ali a atchalandrar».
Termino da melhor maneira, com o espírito malandreco das nossas gentes… Na brincadeira para simular um palavraozeco, mas sem ofender, quando está vento diz-se:
– Está cá uma arais. Mas c’arais.
:: :: :: :: ::
Até para a semana, à mesma hora, no mesmo local! Cem crónicas depois…
:: ::
«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2011)
:: ::
Leave a Reply