José Conceição Vicente é filho de progenitores naturais da aldeia da Bendada, no concelho do Sabugal, onde casaram. Nasceu-lhes uma filha e dois filhos, que viviam de uma agricultura de sobrevivência.
Na década de quarenta do século passado os pais com a respectiva família, para melhorar as condições económicas, para se libertarem da actividade agrícola – uma forma alegre e também dolorosa de empobrecer –, partiram para a Barroca Grande, a fim de trabalhar nas Minas da Panasqueira. É nesta povoação que nasceu o seu quarto filho, José Conceição Vicente.
O saudoso pai ia para o trabalho da mina onde arrancou volfrâmio e outros minerais durante trinta e dois anos, o que lhe causou o internamento e tratamento de uma tuberculose no Sanatório Sousa Martins, na Guarda, durante três anos, e a malvada silicose que lhe causou a morte, assim como aconteceu a muitos companheiros mineiros.
A mãe dedicava-se ao cuidado dos filhos e num terreno agrícola cultivava produtos hortícolas, e tinha uma pequena exploração familiar de animais, umas galinhas, coelhos e um a dois suínos…
Da sua infância tem muitas recordações negativas:
«Quando o meu pai saía de casa para ir trabalhar por turnos para o subterrâneo das minas, nós filhos e a minha mãe vivíamos a sua ausência com muita ansiedade e preocupação, porque sabíamos que ia bem, mas não sabíamos se chegava com saúde e vivo. Aliás, teve vários acidentes, sem grandes consequências. Chegava com as roupas de mineiro a cheirar a “tufo”, um cheiro do ambiente de trabalho, e muitas vezes enxugava a roupa à lareira. O pior de tudo foi uma infecção pulmonar que o obrigou a um longo internamento e a maldita silicose, que lhe causa a morte.»
Quanto aos aspectos positivos, realça:
«O meu pai teve sempre uma profissão de mineiro estável, a empresa dava habitação, água, luz e lenha para a cozinha e estufa e um pequeno quintal. Era uma empresa que nunca falhou no pagamento dos salários, cumpria rigorosamente as datas.»
José Vicente estudou na Escola Primária de Barroca Grande e fez o exame da quarta classe na cidade da Covilhã. Ele e os irmãos não deram continuidade aos estudos secundários por dificuldades económicas, o vencimento de um mineiro era insuficiente para custear as despesas escolares.
Ainda na idade escolar já ajudava os pais na pequena agricultura e trato dos animais domésticos. Aos catorze anos entrou na empresa das minas como aprendiz de soldador. Obtido o diploma, trabalhou dezoito anos naquela profissão e muitas vezes teve necessidade de se deslocar ao interior das galerias mineiras a fim de reparar determinadas avarias com o material.
Como tinha muitas aptidões futebolísticas, fez um contrato amador no Benfica de Castelo Branco, seguiu-se a Académica de Coimbra, foi companheiro de Artur Jorge, Artur, Maló. Dali foi para o Sporting da Covilhã, arrumando as chuteiras nas prateleiras do clube local das Minas.
Aos vinte anos e já casado, cumpriu serviço militar em Elvas, Santa Margarida, Sacavém e foi mobilizado para Moçambique com a especialidade de mecânico.
Durante um ano naquele território, viu a morte passar-lhe perto, porque tinha necessidade de socorrer viaturas militares sinistradas. «Felizmente deu-se o 25 de Abril, regressei à Metrópole, conheci a minha filha. Estava salvo e vivo, mas outros camaradas militares por lá ficaram, faleceram em combate.»
Regressou ao trabalho de soldador nas Minas da Panasqueira, enquanto a esposa trabalhava na secretaria do Hospital da empresa mineira. Para ajudar o marido pediu para sair, com a abertura de um café e uma mercearia na Barroca Grande.
A família cresceu com o nascimento de mais um filho, que não tinha na Barroca Grande uma oportunidade de dar continuidade aos estudos.
«Para lhe oferecer melhores condições de valorização escolar, tive de me sacrificar. Para lhe dar melhor futuro, tive de mudar de vida, pegar na bagagem e deslocar-me para o Fundão, onde já tinha comprado uma habitação.»
Na cidade do Fundão entrou no negócio da restauração, com o Restaurante Eclipse na zona histórica fundanense, no Centro Comercial Cidade Nova, na Acrópole, num café junto a sul do Edifício Multiusos, na Pastelaria Boavista e Arco Íris, junto ao Tribunal.
Fechou aquele ciclo empresarial e comprou uma quinta em Aldeia Nova do Cabo (Fundão), no sopé norte da Serra da Gardunha, com uma vista encantadora para a Serra da Estrela, e fundou o Restaurante Vale do Jardim, um espaço verdejante, rural, com piscina e vocacionado para eventos de convívios sociais, casamentos, batizados…
Tudo com grande espírito empresarial, conjuntamente com a esposa Fernanda Manuela Cunha,… «o meu grande pilar, o meu braço direito, sem a sua ajuda não conseguíamos os nossos objectivos».
Afirma que a longa vida foi preenchida com sangue, dor, muitos sacrifícios, muitas horas sem dormir e «a cuspir nas mãos para melhor pegar nas ferramentas que Deus me deu».
Estamos na presença de uma um homem, filho de um mineiro lutador, trabalhador, empreendedor e feliz.
Olhando para o longo percurso desta família, recordo o lema dos Comandos… «A sorte protege os audazes.»
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«Aldeia de Joanes», crónica de António Alves Fernandes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Março de 2012)
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