Tenho vivido estes últimos meses um pouco como tanta gente dessas terras do Sabugal, onde anseiam pela carrinha com os alimentos, ou o Presidente da Junta, para poderem falar um pouco.
Ainda me lembro quando percorria esses caminhos da Raia, encontrava alguém desejoso por conversar. Filhos longe, cônjuge falecido, mas a horta ou o quintal lá ia dando para viver, com um porco na engorda para um dia de felicidade quando fosse a matança.
Não imaginava que anos depois passasse o mesmo. Apenas o telefone para falar com a família e amigos, só que os amigos foram sido esquecidos e alguns familiares também.
Nós, humanos, somos seres que nascemos para uma atividade social, principalmente o convívio preferencialmente são e sem contendas. Mesmo o «dizer mal nas costas» acabei por entender que nos faz falta, mesmo sendo um comportamento socialmente reprovável. O desabafo, faz-nos manter vivos e curiosamente liberta-nos de sentimentos que acabam por nos tranquilizar.
Infelizmente nem podia dizer o que fosse e, mesmo telefonando, quem ouvia nunca entenderia por desconhecer a realidade, de facto.
O ler, ouvir música, ver alguma televisão com programas que transmitam positividade acabam, passadas semanas, por não ser suficientes para combater a «solidão» que, progressivamente, nos começar a «invadir» e a criar perturbações psicológicas que chega a um ponto de total desequilíbrio.
Tive a oportunidade de ter tido uma conversa com um prestigiado médico. Não há medicação para essa maleita. A cura está dentro de nós.
Aproveitando a sorte de ter sido convidado a um casamento e fazendo um esforço para rasgar a preguiça a convites de contexto social, mesmo enquadrados por uma cultura totalmente diferente, acabei por ir vencendo a preguiça, curiosamente um «pecado mortal», e, curiosamente, comecei a sentir-me outro. O principal sintoma é no dormir, que felizmente, começou a normalizar.
Confessando que ainda sinto o prazer de estar sozinho, mas ocupado, já não perco uma oportunidade de ir ao encontro da possibilidade de conversar independentemente do tema ou da situação.
E até tenho esse bom exemplo no país que me acolheu. Convívio não falta na sua realidade cultural. E, curiosamente, nos piores momentos como um óbito ou um internamento hospitalar, pessoas não faltam para dar o seu contributo humano nem que seja com a sua presença.
Por isso hoje vou fazer quase 200 quilómetros em resposta a um convite de jantar com pessoas que até tenho amizade e empatia.
Na verdade, nunca imaginei, por exemplo, que essas gentes esquecidas na Raia, sofressem tanto para além das maleitas da idade.
Talvez por isso tivesse a iniciativa de fazer voluntariado num hospital missionário católico, embora tutelado pelo Estado Angolano, localizado no mato, mas com belíssimas instalações, onde muita gente o procura, muitas vezes para desabafar, reconhecendo que são pessoas simples, educadas socialmente procurando um «abrigo» para esquecer problemas pessoais ou até, por falta de conhecimento, não saber como resolver as suas «dores».
Nunca pensei que um abraço, ou mostrar humildade para com um doente ouvindo-o com atenção e respeito, também fizessem parte do processo clínico de tratamento.
E no meu caso, o tratamento é reciproco.
Cunhinga, Missão Padre Manuel Garcia, 20 de Setembro de 2024
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«No trilho das minhas memórias», por António José Alçada
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Junho de 2017)
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