Havia lua cheia! Era clara, clara como quando o dia começa a romper…
No chão viam-se diamantes de geada a brilhar nas «tchinas», na terra negra, nos arbustos e poisados nos galhos dos carvalhos que haviam tombado pelas ventanias do tresloucado Outono. Esse vento que quando soprava aventava aqueles uivos horrendos e, ainda por cima, trazia de carava as tormentas que tanto assustavam a «TeMaurícia» e a Pèpita. Se fora lá em casa, tinham raminhos de alecrim, benzidos na quinta-feira Santa e podiam rezar a Santa Bárbara Bendita!… Mas, quando a apanhavam pelo caminho do contrabando, já assim não era.
Bem, nesta noite, não havia esse medo. O problema é que as «tchancas» tinham a borracha fininha por baixo e deixavam gelar os pés que a torto e a direito iam estalando sobre a geada. O pior eram as poças tapadas de «caramelo» que, não fora reflectirem a lua, não se daria por elas. E era cada escorregadela que nem queiram adivinhar!…
Lá iam ambas, lado a lado de carava, falando tão baixinho que mais parecia irem a rezar a ladainha. E, se evitavam ser escutadas, também elas tentavam adivinhar qualquer ruído dos guardas ou dos carabineiros em sentinela.
Por mais atentas que fossem só deram pelo vulto negro como se fora um gigante, quase, quase ali à sua frente. O vapor do ar que se lhes escapava pelas narinas desapareceu. O frio misturado com o terror arrepiou-as de todo!… A Pèpita fez chichi pelas pernas abaixo. Repararam que os guardas estavam de costas para elas. Naturalmente não as teriam visto!… resvalaram para o meio dumas moitas de carqueja e ficaram ali «espojadas» até verem os vultos a sumir. Depois agarraram nos odres do azeite e elas que lá vão, agora não conversam mas rezam em agradecimento à Senhora dos Milagres que as acoitou.
No dia seguinte, o Senhor Guarda Joaquim, piscou o olho à Pepita e sorriu-lhe. Foi então que ela percebeu a razão do milagre…
:: ::
«Gentes e lugares do meu antanho», crónica de Georgina Ferro
(Cronista no Capeia Arraiana desde Novembro de 2020)
:: ::
Leave a Reply