Um grupo de amigos de longa data das localidades do Barco, Fundão, Telhado, Vales do Rio e Pesinho ruma, há diversos anos, em meados de Setembro, a Vila Franca de Xira. É uma viagem gastronómica e cultural do Fundão até aquela cidade ribatejana.
No dia da viagem a Vila Franca de Xira o centro e o norte do País estavam em chamas, e veio ao pensamento de muitos de nós que afinal todos os anos ouvimos as mesmas ladainhas, mas as tragédias humanas, ambientais, sociais e económicas continuam a acontecer.
Neste tipo de viagens o melhor transporte é o ferroviário em que o poder político, mais virado para o alcatrão, tem apostado pouco. Na estação da C.P. do Fundão já se encontravam muitos passageiros e embarcamos num comboio com carruagens modernas e confortáveis com direito a bar, onde estava empregada uma jovem natural de Pinhel.
Na carruagem 22, a comitiva dos amigos encaminhou-se para o lugar que o bilhete apontava, ao lado de uma esbelta, bela e loura inglesa, que irradiava simpatia, e que escolhera um espaço rural na Quinta da Torre para viver há já alguns anos. Ia para Inglaterra visitar os seus pais idosos.
Das janelas do intercidades observámos a «campina», os terrenos agrícolas da Soalheira, Castelo Novo, Lardosa, Alcains, Castelo Branco. Vimos campos com sementeiras de feijão frade, rebanhos…
Alguém afirmou: «Daqui a uns anos chegará o regadio, dado que os projectos, pareceres governamentais, fundos monetários atribuídos, pareceres municipais (Fundão-Castelo Branco) estão acordados. Está tudo sobre carris.»
Surgiu logo uma outra voz: «Já está tudo descarrilado! Não há regadio para ninguém! Foi tudo por água abaixo, deitado para o lixo. Acordos, diligências, fundos, irão para outros concelhos, porque infelizmente ainda há velhos do Restelo e o egoísmo impera.»
Todos exclamaram: «Como é possível?! Só neste adiado país. Pobres agricultores que não merecem este desrespeito.»
Na companhia do leito do rio Tejo, surgiram as Portas de Ródão, os restos do Castelo do Rei Wamba, o Castelo de Belver (antigo tesouro do Reino), Almourol… as conversas versam sobre a história dos Templários e a defesa do território. Uma autêntica tertúlia ferroviária.
Chegámos à estação de Vila Franca de Xira. Quem tiver a bexiga cheia deve tomar medidas extraordinárias pois na estação ferroviária não há WC. Não se devem distrair com os belos painéis de azulejaria e procurar nas proximidades um mijatório.
A hora aprumava-se e no restaurante «Os Putos», a lembrar a canção do Carlos do Carmo, a ementa obrigatória consiste em enguias fritas e ensopado.
Museu do Neo-Realismo
A tarde foi ocupada por uma visita rápida (o tempo não permitia delongas), a Vila Franca de Xira, centralizada no Museu do Neo-Realismo. Nos dois primeiros andares, as nossas observações divagaram por muitas pinturas, esculturas, fotografias… mas no rés-do-chão fixámo-nos na exposição de cartoons «António – 50 Anos de Humores». Ficámos agarrados a tantas mensagens humorísticas, corrosivas, referentes a temas políticos, sociais, literários, científicos, religiosos…. Lá vimos as figuras caricaturadas de Álvaro Cunhal, Zé Povinho, José Cardoso Pires, Fernando Pessoa, Eça de Queiroz, Einstein, João Paulo II, entre muitas outras.
Alguém afirmou que «uma boa caricatura vale mais do que mil palavras».
Lidas as mensagens e o seu significado satírico, cultural, político, saímos daquele espaço às gargalhadas.
A viagem de regresso deu-se num comboio de paragem em todas as estações e apeadeiros, com as carruagens superlotadas, a lembrar sardinhas em latas de conserva, e só em Abrantes tivemos direito a sentar.
É sempre bom quando um grupo de amigos viaja.
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«Aldeia de Joanes», crónica de António Alves Fernandes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Março de 2012)
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