A Europa está num momento crítico e corre o risco de ter de sacrificar o bem-estar das suas populações, afirma Mario Draghi no relatório sobre o Futuro da Competitividade Europeia entregue à Comissão Europeia a 6 de setembro. Consequentemente, a União Europeia vai ter de investir massivamente nos próximos anos para aumentar a sua produtividade e a sua capacidade de inovação e para recuperar a competividade face aos seus diretos concorrentes EUA e China e manter a sua relevância global.
Mario Draghi identifica inequivocamente os principais problemas da competitividade europeia
e aponta soluções para os resolver, competindo agora aos Estados-membros da União Europeia
assumir a responsabilidade de decidirem sobre a forma política de as aprovar e executar, no todo ou em parte
«A Europa», alerta Mario Draghi o antigo presidente do Banco Central Europeu e ex-primeiro-ministro de Itália, «depara-se com um desafio existencial: anos de fraco crescimento somados às recentes mudanças geopolíticas tornam real a possibilidade de o Velho Continente perder a capacidade de gerar prosperidade e garantir a paz e a democracia para as suas populações».
«A única forma de a União Europeia responder a este desafio», alerta Mario Draghi, «é crescer e tornarmo-nos mais produtivos, preservando os nossos valores de igualdade e de inclusão social. E a única forma de nos tornarmos mais produtivos é a Europa mudar radicalmente».
«Este relatório aparece numa altura difícil para o nosso continente» constata Mario Draghi. «Devemos abandonar a ilusão de que apenas a procrastinação pode preservar o consenso. Na verdade, procrastinar só produziu crescimento mais lento, e seguramente não logrou novos consensos. Chegámos ao ponto em que, se não agirmos, teremos de comprometer o nosso bem-estar, o meio ambiente, ou a nossa liberdade», avisa.
Concretizando, o antigo presidente do Banco Central Europeu e ex-primeiro-ministro de Itália apresentou um conjunto de «propostas de uma nova política económica e industrial» para impulsionar a competitividade dos 27 Estados-membros da UE.
«Os países da União Europeia devem investir até €800 mil milhões por ano», sugere Mario Draghi, «se não quiserem perder ainda mais terreno face às economias dos EUA e da China». Uma proposta imensamente superior ao financiamento do Plano Marshall que foi adotado para a reconstrução dos países aliados da Europa, após o fim da Segunda Guerra Mundial.
As propostas de Mario Draghi para a referida nova política económica e industrial da União Europeia focam-se em três eixos principais de ação: inovação e produtividade; descarbonização da economia; e redução da dependência externa em áreas como a aquisição de matérias-primas e defesa.
Para o cumprimento destes objetivos, «é necessário um investimento anual adicional entre os 750 e 800 mil milhões de euros, com base nas estimativas mais recentes da Comissão, correspondentes a 4,4%-4,7% do PIB da União Europeia em 2023. A escala destas necessidades de investimento é gigantesca». E exemplifica: «Em comparação, o investimento efetuado sob o Plano Marshall entre 1948-51 foi equivalente a 1-2% do PIB da UE.»
Além de uma avaliação geral dos problemas atrás citados e de eventuais soluções, o relatório apresenta algumas medidas específicas que a União Europeia deverá, segundo Draghi, promover: «Completar a integração dos mercados de capitais dos 27; menor peso da regulação para impulsionar a inovação; aquisição conjunta de energia, de matérias-primas, e de equipamentos de defesa; consolidação em áreas como a das telecomunicações e indústria de defesa; e aumento do investimento em setores como o farmacêutico.»
O antigo primeiro-ministro italiano Mario Draghi apela à «mobilização do investimento privado e à emissão de dívida conjunta pelos países da UE, cujos títulos tornar-se-iam na referência para um mercado de capitais integrado», bem como para um investimento maciço em defesa, mediante uma nova estratégia industrial europeia.
«A UE deve avançar para a emissão regular de ativos seguros comuns para permitir projetos de investimento conjuntos entre os Estados-membros e ajudar a integrar os mercados de capitais. Se as condições políticas e institucionais estiverem reunidas, (…) a UE deve continuar a emitir instrumentos de dívida comuns que seriam utilizados para financiar projetos de investimento conjuntos que aumentarão a competitividade e a segurança da União», argumenta Mario Draghi.
Política de Defesa – uma das grandes prioridades da Europa
Propondo neste relatório uma «nova estratégia industrial para a Europa», o ex-governante considera o setor da defesa como uma das prioridades comunitárias, assinalando que «a deterioração das relações geopolíticas também cria novas necessidades» de avultados gastos com o reforço da capacidade industrial de defesa na Europa.
O ex-presidente do Banco Central Europeu alerta que «a indústria da defesa necessita de investimentos maciços para recuperar o atraso», salientando que, se todos os Estados-membros da UE que fazem parte da NATO cumprirem este ano a meta de 2% de investimento na defesa, as despesas com este setor aumentarão 60.000 milhões de euros.
Efetivamente, neste relatório o tema da defesa assume particular relevância. Mario Draghi não podia ser mais claro: a indústria de defesa europeia é uma verdadeira manta de retalhos. Draghi ilustra um quadro preocupante de uma Europa onde cada país parece mais interessado em «proteger o seu próprio quintal» do que em colaborar para o bem comum da defesa europeia. A base industrial de defesa da UE está altamente fragmentada, com cada Estado-Membro focado em preservar a sua autonomia e capacidade industrial, tudo resultando numa duplicação de esforços e falta de sinergias. Por isso, Draghi defende uma maior cooperação entre os Estados-Membros, com uma aposta na consolidação de ativos industriais em setores-chave e na criação de centros de excelência descentralizados pela Europa, apostando na uniformização e no aumento da interoperacionalidade dos equipamentos. Caso seja levada à prática, o resultado desta cooperação reforçada entre os Estados-Membros, sob a coordenação da UE, teria como consequências positivas diminuir as despesas com a defesa, produzir mais e melhor e tornarmo-nos mais competitivos a nível global.
Um segundo ponto crucial abordado no relatório é a necessidade de aumentar o financiamento público e privado para a inovação e o desenvolvimento tecnológico no setor da defesa. Os Estados-Membros, e a UE no seu todo, investem significativamente menos que os seus principais concorrentes, o que se reflete na falta de escala a nível de produção, traduzindo-se na reduzida quantidade de material disponível para uso no teatro de operações da UE e para o abastecimento do mercado europeu. Mario Draghi recomenda a criação de novos e simplificados mecanismos de financiamento da UE para apoiar a inovação tecnológica no setor, nomeadamente através do Fundo Europeu de Defesa, bem como a mobilização de capital privado com garantias da UE. Neste capítulo, Draghi vai mesmo ao ponto de sugerir que a UE se inspire na resposta dada ao Covid-19, quando recorreu ao endividamento (bonds) para lançar tanto a compra conjunta de vacinas, como o Mecanismo de Recuperação e Resiliência com vista a atenuar o impacto económico e social da pandemia. De facto, na área da defesa, o mesmo procedimento poderá servir para fomentar e apoiar os Estados-Membros a repor e melhorar as suas capacidades de defesa, a curto e médio prazo, sem esforços adicionais dos orçamentos nacionais.
O terceiro aspeto fundamental abordado por Draghi relativamente à indústria da defesa salienta a necessidade de uniformizar os processos de aquisição e de padronizar os equipamentos de defesa entre os Estados-Membros. A atual falta de coordenação tem resultado no uso pelas forças armadas de múltiplos sistemas, total ou parcialmente incompatíveis, muitos deles adquiridos fora do espaço da UE.
Por isso, Mario Draghi segue uma recomendação, previamente apresentada, para a criação de um regime europeu de aquisição preferencial de equipamentos de defesa concebidos e produzidos na UE, que priorize as soluções industriais europeias e fortaleça a sua autonomia estratégica. Adicionalmente, propõe a introdução de um mecanismo de aquisição conjunta para sistemas críticos, visando o desenvolvimento de economias de escala e a redução da dependência de fornecedores externos.
Em conclusão, Mario Draghi identifica inequivocamente os principais problemas da competitividade europeia e aponta soluções para os resolver, competindo agora aos Estados-membros da União Europeia assumir a responsabilidade de decidirem sobre a forma política de as aprovar e executar, no todo ou em parte. Resta esperar que em breve a Política Europeia da Defesa merecerá dos paises-membros da UE o cuidado e a atenção indispensáveis à adequada salvaguarda da segurança do continente europeu.
Diz a sabedoria popular: «Quem te avisa teu amigo é.» De facto, como salienta Mario Draghi, é tempo de abandonar a ilusão de que só o adiamento das soluções permite salvaguardar o consenso entre os 27 Estados-membros da União Europeia.
A UE precisa de um despertar urgente. Por isso,este relatório é mais que um diagnóstico um grito de alerta! Chegámos a um ponto em que, se a União Europeia não agir sem perda de tempo, acabará por comprometer não apenas a sua capacidade de gerar prosperidade económica e bem estar social aos seus cidadãos, mas também e acima de tudo de garantir a paz, a democracia e a liberdade na Europa.
De facto, como salienta Mario Draghi, é tempo de abandonar a ilusão de que só o adiamento das soluções permite salvaguardar o consenso entre os 27 Estados-membros da União Europeia.
A UE precisa de um despertar urgente. Por isso,este relatório é mais que um diagnóstico é um grito de alerta! Chegámos a um ponto em que, se a União Europeia não agir sem perda de tempo, acabará por comprometer não apenas a sua capacidade de gerar prosperidade económica e bem estar social aos seus cidadãos, mas também e acima de tudo de garantir a paz, a democracia e a liberdade na Europa.
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«Portugal e o Futuro», opinião de Aurélio Crespo
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Julho de 2020)
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