No Queimoso passarsido o Augusto Simão, que tunhe acompanharsido mês rabiscos no papeloso Capeia Arraiana, apreciarsindo-os, lançarsiu-me uno desafierno na noiena reta: «Por que nentes escrevumpes uno mintroso sobre Quadrazais? Toienes é que sunhes a pensante dedada p’ ó fazunhir.» Nentes penhando esperarsa duno desafierno daquesses, penhei sim sabunhir o que galrar senentes uno «dudez!» sim teimosa. A eureca penhou cá no baixo da muchela, sim granjeira chispa de a trazunhir ó de riba. (Carcho 15.º).
(Continuação)
II – DEIXARSIRA A ENSINADORA
Carcho 15.º
No lúzio 17 sunhia a cornuada, que ele inhiria adicar. Dudez inté aguilhasse o broco co’a picosa corrida cum que pensarsiu im aguilhar o lupome, mas cristado num charriante de brocas alombado de mostronços, de entre os bondantes que taponavam o lonjado do Vale. Nim se atrevunhiu a inhir p’a una calampreia, no sunhisse o broco pegarsir-le p’as galdrinas.
– Já lá vunhem! Já lá vunhem!
Aí vunhiam os brocos do Zé Marrão im apressada atrás dos macalos p’ó curro cimado à entrarsa do Vale, im frente da ti MariTorrinhê. Tótia maralha se resgueirou nos charriantes ó nas calampreias.
No terrunho os manegos tomarsiram destino nos galhos. Saiumpiu o frenteiro bravio, que inhiu im apressadaria varrida p’ós galhos. O encosto sunhiu rachal, mas a manegada aguantou.
O traseiral guiava cumo quem sabumpia da cupação. O broco cornava de una inicial e de atra e tentarsia levantarsir os galhos p’a andunhir por baixo dele. Mas a manegada sunhia foita e no l’o permitumpiu. Im andunhida aguilharam os brocos baro aguilhados e sunhiram tótios agarsidos, constante c’o Jaquim de Rendo, o Sr. Frederico e o Jaquim Caseiro adiantados p’ós pegarsir, andunhidos de mutos atros. Uno ó atro capinha da Reta vunhia aqui acertar o sê saber.
No entremez algunos manegos c’o fadal limpante sangrento pedunhiam mai algunos ganfos p’ó broco. Os manuarjos chingavam briol p’as borrachas à catalona ó alguna biera. Naquesse lúzio o Meguel aguantou sim chingar.
Noverno broco saiumpiu do curro im apressadarias varridas e escarvando a terrunha. Darsia urredos, pareçunhindo crunhir acabar tútio e tótios. Lembrarsiu-se da acabada do Manal, rapado p’o broco.
Tunhiu tefe-tefe que o broco saltarsisse e o rapasse p’as gâmbias ó le darsisse alguna escornadela. Por aquisso, mingou-as.
Cando acabarsiu a cornuada, inhiu p’ó coime e chingou ânsia. Paladou-le cumo briol.
Chegarsira o Escolante, que ele ladeou, por já no tunhir de inhir à ensinadora. Adicara terrar branquinhos apoi do acimo das cascosas. Os terrunhos sim ânsia penhavam a sunhir regados p’a terrar despigado. Ó virar do risco, adicara o Manhonho deitarsir o despigado à cabrada nas sós terrunhas à Escaleira.
Primeirava a paladar do suarento do aberto. A méria tunhiria de terrar a leva ó Alcambar e pagarsir a agém que a regasse e terrasse. Ele inda no savumpia fazunhir aquêssas cupações, mas inhia adicando cumo se fazunhiam p’a mai tardosa sunhir ele a fazunhir a terradeira. Agora tunhia de lucrar galhal p’à méria mandarsir fazunhir aquêssa cupação.
Chegarsiu o fronteiro do Brumoso. Naquesse lúzio apulou a furada da marraina. Paladou-le a pôco, por sunhir gíria, mas tamém por tunhir de a carchar p’a méria e irmérias. Êlas nejo apularam. A marraina dêlas devunhia tunhir-se pardido. Lembrarsiu-se apoi qu’êla havunhia inhido à Reta Granja. Penhava desculparsida. E negém se lembrarsia de les vunhir darsir semi-artife cumo doada. Aquisso sunhia único p’a quem no tunhia nejo e andarsia a pedunhir, cumo a tapadinha Mar’dos Anjos que, além de tapada e gebinha, inda por riba tunhia no coime uno varrido achoinado, o João Tonto.
P’o semi da tardosa os manegos fazunhiam os assados cum agulhas ó falhorda, voltarsindo as cascosas do ar una a una, p’a de noverno le colocarsirem una assentada de falhorda a que deitarsiam runfo. Suquiam-nas acumpanharsidas de ardosa ó anis. Daqueste tempo os assados tunhiram que sunhir debaixo dos cabanais, que o terrado penhava molharsido da nevursa. Incanto as cascosas do ar se alumavam, os manuarjos brincavam ó contras ó cabeças c’os palitos ó ó par ó parnão.
Andunhia-se a ala ó covas, co’as rasas tótias abonitadas e preferidas de ardentes alumadas.
A Janjo tunhia inhido procurarsir unos derivados e inda no voltarsira. A méria penhava, por aquisso, im doridos, forçada que êla chegarsisse p’a inhir ó covas.
Penhara tótia matriz tapando o fitas cum carcho de atro mai gebo, unindo uno tramposo já sim molde, metunhindo una traseira nas galdrinas do Meguel sobre a atrasada, tótia delida… O fitas inda havunhiria de sunhir rompido im estreitas, juntamente cum atras farpelas gebas, p’a fazunhir atro fitas. Sunhia preco rusar tútio.
E a Janjo sim apareçunhir… Aquele nevurso já se mantunhia havunhia oitenos lúzios. Nim se lembrarsiam duno monte grosso.
Aquêla animadinha tunhiria podunhido brecar inté à Buraca?
(Continua)
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NOVELA NA RAIA – EPISÓDIO 15
(publicado originalmente a 21 de Setembro de 2018)
A minha intenção é sempre a mesma. Avivar a memória da cultura de Quadrazais para que não se perca, sobretudo entre os jovens que não nasceram ou não cresceram em Quadrazais, tendo ouvido apenas dos pais e avós algumas histórias e cenas da vida quotidiana da terra onde haviam nascido, tão longe do local onde agora se encontram. Na «Novela na Raia» vou utilizar personagens reais da aldeia, tentarei descrever quadros da aldeia e narrar os factos do dia-a-dia, embora não obrigatoriamente protagonizados por estas personagens.
SEGUNDA PARTE – DEIXARA A ESCOLA
Episódio 15
No dia 17 era a tourada, que ele iria ver. Talvez até picasse o boi com a aguilhada comprida com que pensou em picar o lobesome, mas empoleirado num carro de vacas carregado de toros, de entre os vários que tapavam o largo do Vale. Nem se atreveu a ir para uma calampreia, não fosse o boi pegar-lhe pelas calças.
– Já lá vêm! Já lá vêm!
Aí vinham os bois do Zé Marrão em corrida atrás dos cavalos para o curro montado à entrada do Vale, em frente da ti MariTorrinhê. Toda a gente se refugiou nos carros ou nas calampreias.
No terreiro os rapazes tomaram lugar no forcão. Saíu o primeiro toiro, que se dirigiu em correria louca para o forcão. O embate foi brutal, mas a rapaziada aguentou.
O rabeador manejava como quem sabia do ofício. O boi marrava de uma ponta e de outra e tentava levantar o forcão para penetrar por baixo dele. Mas a rapaziada era valente e não lho permitiu. Em seguida picaram os bois bem picados e foram todos agarrados, sempre com o Jaquim de Rendo, o Sr. Frederico e o Jaquim Caseiro à frente p’ós pegar, seguidos de muitos outros. Um ou outro capinha espanhol vinha aqui treinar a sua arte.
No intervalo alguns rapazes com o habitual lenço vermelho pediam mais alguns trocos p’ ó boi. Os homens bebiam vinho pelas borrachas à catalona ou alguma cerveja. Nesse dia o Miguel aguentou sem beber.
Novo boi saiu do curro em correrias loucas e escarvando a terra. Dava urros, parecendo querer matar tudo e todos. Lembrou-se da morte do Manal, apanhado pelo boi. Teve receio que o boi saltasse e o apanhasse pelas pernas ou lhe desse alguma escornadela. Por isso, encolheu-as.
Quando acabou a tourada, foi para casa e bebeu água. Soube-lhe como vinho.
Chegara Outubro, que ele ignorou, por já não ter de ir à escola. Vira semear nabos após o arranque das batatas. Os terrenos secadais estavam a ser lavrados para semear pão. Ao regressar da raia, vira o Manhonho deitar o grão à cabrada nas suas terras à Escaleira. Começava a gostar do trabalho do campo.
A mãe teria de semear a leba ao Alcambar e pagar a alguém que a lavrasse e semeasse. Ele ainda não sabia fazer esses serviços, mas ia vendo como se faziam p’a mai tarde ser ele a fazer a sementeira. Agora tinha de ganhar dinheiro para a mãe mandar fazer esse serviço.
Chegou o primeiro de Novembro. Nesse dia recebeu a rosca da madrinha. Soube-lhe a pouco, por ser boa, mas também porque teve de a repartir pela mãe e irmãs. Elas nada receberam. A madrinha delas devia ter-se esquecido. Lembrou-se depois que ela havia ido a Lisboa. Estava desculpada. E ninguém se lembrara de lhes vir dar meio-pão como esmola. Isso era só para quem não tinha nada e andava a pedir, como a ceguinha Mardos Anjos que, além de cega e velhinha, ainda por cima tinha em casa um doido acamado, o Jão Tonto.
Pelo meio da tarde os rapazes faziam os magustos com carumba ou palha, voltando as castanhas uma a uma, para de novo lhe colocarem uma camada de palha a que deitavam fogo. Comiam-nas acompanhadas de aguardente ou anis. Desta vez os magustos tiveram de ser debaixo de telheiros, que o chão estava molhado da neve. Enquanto as castanhas se assavam, os rapazes jogavam ao contras ó cabeças com os palitos ou ao par ó pernão.
Seguia-se a p’cissão ao cemitério, com as campas todas enfeitadas e encimadas de velas acesas.
A Janjo tinha ido procurar uns galhos e ainda não voltara. A mãe estava, por isso, em cuidados, desejosa que ela chegasse para ir ao cemitério.
Estivera toda a manhã remendando o cobejão com um bocado de outro mais velho, cosendo um cobertor já sem compostura, metendo uma cueda nas calças do Miguel sobre a anterior, toda delida… O cobejão ainda haveria de ser rasgado em tiras, juntamente com outras roupas velhas, para fazer outro cobejão. Era preciso reciclar tudo.
E a Janjo sem aparecer… Aquele nevão já durava há oito dias. Nem se lembravam dum tão forte. Aquela alminha teria podido romper até à Burraca?
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Notas
À catalona – forma de beber com o recipiente afastado da boca
Boguelhas – bogalhas
Borracha – a gudra espanhola
Cacheina – glande
Calampreias – refúgios à volta do terreiro da corrida
Caldudo – sopa de castanhas piladas.
Carumba – caruma
Cueda – remendo na parte de trás das calças.
Delida – já como peneira
Fanega – medida equivalente a dois alqueires
Foção – foice sem cabo
Leba – Gleba, terra que lhes havia sido dada em partilha de baldios
Luvetes – luvas
MardosAnjos – Maria dos Anjos
MariTorrinhê – Maria Torra.
Melharengo – Mulherengo
Molida – objecto redondo, oco no meio, feito de fitas de diversas cores para colocar na cabeça, onde assentará o cântaro; rodilha
Nacleto – Anacleto
Oriço – ouriço
Ruça – geada
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Crónica «Novela na Raia» – «Episódio 15»… [aqui]
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«Narrada no Risco», por Franklim Costa Braga
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Maio de 2014)
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