A natação nos Jogos Olímpicos de Antuérpia (em 1920) não se fez em piscina pura. Desenharam-se linhas de ação no estuário do rio e foi assim que Ethelda Bleibtrey (que nascera em fevereiro de 1902, numa cidadezinha do estado de New York, nas margens do rio Hudson) deixou num fanico o recorde mundial de Fanny Durack: 1.13,6 minutos – e mal colocou pé em terra largou em desabafo: «Isto não foi nadar em água, foi nadar em lama…» (Parte 13).
A caminho do ouro (ganho na… lama) polícia de Nova Iorque levou-a presa por nadar «nua»
(e nadar «nua» era ter o tornozelo à mostra)…
(Continuação)
Ouro levou também Ethelda Bleibtrey nos 300 metros livres (sim, nesses tempos, as distâncias ainda eram as que calhavam) e nos 4×100, as únicas três provas para mulheres no programa olímpico – e conta-se que o rio era tão frio que depois de cada prova havia sempre outra corrida para ver quem chegava primeiro ao duche quente. E, encantado com as suas vitórias («e com a sua beleza», insinuou-se…) o Príncipe Alberto convidou Ethelda para jantar no seu palácio.
Ethelda Bleibtrey começara a nadar três anos antes, aos 17 – para recuperar de um ataque de poliomelite. Era uma rebelde e, algures por 1919, passara uma noite na prisão de Nova Iorque – acusada de nadar «nua» (em público) por Manhattan Beach.
«Nua» para as normas em vigor era nadar como ela nadou: sem meias, mostrando as pernas, com um fato de banho como os que Annette Kelleman lançara, atrevida, dez anos antes – e o juiz de turno condenou-a a multa de 1000 dólares. Gerou-se movimento de solidariedade em sua defesa – e o fervor em rodopio obrigou Jimmy Walker, o perfeito de Nova Iorque, a mudar as regras, a revogar a ideia de que tornozelo mostrado já era nudez, atentado ao pudor e, no caso dela e não só desataram os fatos de banho a destapar as pernas bem, bem acima, do joelho e de decotes cada vez mais largos…
A havaiana que se tornou figura insólita por treinar na viagem para Paris suspensa por um cabo…
Entre 1920 e 1922, Bleibtrey venceu todos os campeonatos americanos entre 50 jardas e milha e passando a profissional (era o que acontecia a quem, então, colhesse um cêntimo que fosse – em publicidade, por exemplo…) não pôde estar nos Jogos Olímpicos de Paris, em 1924. Dedicou-se, então, ao surf que chegou a fazer ao desafio com o Príncipe de Gales no Havai e com Jack Kelly, remador campeão olímpico, pai de Grace do Mónaco, em Atlantic City.
Ethelba Bleibtrey perdera o posto na lista de recordes mundiais em Newark, a 30 de Junho de 1923 quando Gertrude Ederle parou o cronómetro a 1.12,8. Um ano depois, nova detentora passou a ser Mariechen Wehselau. Mariechen era do Havai – como os irmãos Kahanamoku e só aos 18 anos saiu pela primeira vez do território – para fazer testes em Nova Iorque.
A viagem seguinte foi de Nova Iorque para Paris (para os Jogos) – a bordo do SS América. Tornou-se exótica atração porque todos os dias treinava suspensa por um cabo e um arnês imitando no vácuo os movimentos que faria se estivesse dentro de água. E foi assim que Weshselau se tornou campeã olímpica com 1.12,2 minutos.
A nadadora que Clarke Gable desafiou para clube noturno e que depois morreu pobre com um gato siamês à sua beira
Entre 1930 e 1931, Helen Eleanor Madison bateu 16 recordes mundiais em 16 meses – tornando-se a primeira mulher a menos de um minuto nas 100 jardas. Foi, pois, sem surpresa que chegou aos Jogos Olímpicos de Los Angeles como uma estrela. Venceu os 100, os 400 e os 4×100 metros crawl. Depois da sua última medalha – Clarke Gable, já famoso actor em Hollywood, foi à piscina desafiá-la para ir com ele ao Coconut Grove, clube nocturno na berra em Los Angeles – e «passaram toda a noite a dançar».
Poucos meses após a aventura, entrou em filme de Hollywood: «The Human Fish and The Warrior´s Husband» – flop de bilheteira (e o seu adeus ao cinema…) e o bastante, todavia, para Madison não pudesse voltar aos Jogos. Tinha três anos apenas de natação e nenhuma derrota. O seu recorde mundial de 100 jardas durou 15 anos – e o das 500 jardas, 23. Helen ainda ganhou dinheiro em exibições de natação – mas por pouco tempo.
Foi entretrainer numa boite – efémera também. Quando em Berlim estavam a fazer-se os Jogos Olímpicos que lhe poderiam ter dado ainda mais glória, Helen Eleanor Madison trabalhava já discreta ao balcão de uma loja de venda de cachorros quentes. Depois passou para um centro de enfermagem. Foi casada com Jack Medica, seu companheiro de equipa no Washington Athletic Club – que em 1936 se sagrou campeão olímpico dos 400 metros e vice-campeão de 1500.
No inferno passou Madison os últimos anos da sua vida, lutando contra diabetes e cancro. Pobre e ajudada pelo Seattle-Post Intelligencer e alguns admiradores, morreu na cave de um prédio sombrio onde vivia com um gato siamês e um periquito (e só depois disso deram o nome dela à principal piscina de Seattle).
(Continua)
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«Às voltas da História», crónica de António Simões
(Cronista no Capeia Arraiana)
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