Há onze anos, publiquei aqui no nosso «Capeia» estas linhas que acho de um sabor especial. É sobre o feijão-frade, o feijão pequeno, como se diz na nossa terra… Chegou a hora de recordar esse texto. Leia e sorria. Se assim for, já valeu a pena…
A culinária do feijão pequeno
Já se sabe, de tanto que já se escreveu sobre isso que o pão (centeio) e o feijão eram a base da alimentação há 60 anos e mais para trás. E claro… a batata indispensável. Hoje vou levá-lo a uma viagem à gastronomia do feijão desse tempo da minha meninice. Não custava nada comer as sopas de feijão grande: eram uma delícia. Já o feijão pequeno (feijão-frade) nem por isso. Já vai ler…
Eram tempos complicados, esses, também. Dinheiro, escudos no bolso, muito poucos em todas as casas. Fartura de produção das hortas e dos campos, nem sempre e não em todas as casas. Grão, feijão e batata. Centeio. O porco, onde era, para o ano inteiro. E assim se passava. Batata frita em azeite era um acepipe. Um ovito estrelado de vez em quando, se as galinhas andassem bem dispostas. E era um pau.
Havia um lavrador (até bastante abastado) que tinha fama de meter de manhã três ou quatro batatas cozidas com casca no bolso e assim passava o dia todo: metia um bocadito de batata à boca e enganava a fome. Mas isso era um caso famoso de sovinice.
E o pão. Como tanto aqui se tem escrito, ali, pão = centeio.
Feijão grande
Havia feijão grande e feijão pequeno. Do feijão grande havia várias famílias: branco, vermelho e manteiga são as mais conhecidas. Quando estão gradas, das vagens (baijes) fazia-se uma sopa supimpa. A vagem bem verde ainda dá para cozer e fazer um belo acepipe. Depois há várias opções culinárias, como: sopa (caldo), feijão cozido e feijão guisado, que serão as mais frequentes.
Embora hoje saibamos que muito feijão – como qualquer outra leguminosa em excesso – faz acelerar a diabetes, digo-lhes que estes pratos ainda hoje me deliciam a sério.
Feijão pequeno – as opções para o cozinhar
Hoje adoro alguns pratos feitos com feijão-frade. Naquela altura, nem por isso. Os campos produziam bem esta leguminosa. Quando «maduros», havia que os ir apanhar. Depois, e antes de mais, havia que escolher os feijões:
– Então? Está a escolher os feijões?
Escolher era tirar-lhes todo o lixo que vinha junto, mais os feijões podres, secos ou degradados, mais algum bicharoco que por ali se tivesse alojado. Depois disso, eram muito bem lavados. Passava-se então, no dia-a-dia, semana a semana, a uma das opções culinárias. O feijão pequeno comia-se:
– Cozido – Só o feijão. Mas cozido em panela de ferro, bem antiga, de preferência. Comia-se com cebola e azeite e vinagre. Tinto, de preferência. E um pouco de salsa. Sei que noutros pontos do País há quem ponha pimento vermelho. Acho que não gostaria disso.
– Cozido com couve cortada às tiras largas – mas, atenção, não como se faz para o caldo verde, ou partida em pedaços grandinhos. O mesmo tempero. Magnífico de sabor.
– Guisado – Com cebola. No dia seguinte, com as sobras e com pão, tipo açorda.
– Em sopa – A sopa de feijões pequenos era uma delícia.
Hoje, é um pouco mais fácil variar e lá vem o ovo cozido ou o atum a acompanhar o feijão-frade. Já ninguém hoje sabe o que é feijão pequeno.
Aliás, hoje as coisas são tão diferentes e tão mais fáceis que, se eu quiser fazer dezena e meia de pratos diferentes de feijão-frade, vou ao site «Sabor Intenso» e encontro a forma de fazer cada um desses pratos… [aqui]
E nem sequer lá consta a célebre «sopa de feijão pequeno» da minha terra – e até me parece que nenhum desses pratos lá inseridos é o tal feijão pequeno simplesmente guisado…
Feijão pequeno – comida de segunda?
Os feijões pequenos sempre foram tidos como comida de segunda. Tchítcharos, era o que lhes chamavam na Raia, à espanhola e para dizer que era comida de segunda, comida de pobre. Julgo que era assim que as coisas funcionavam naqueles tempos difíceis.
Sei de pelo menos uma casa abastada onde só se comiam feijões pequenos todas as noites. Sei de outra (casa comercial e tudo) onde as papas feitas com água e sem leite eram a alimentação diária. Mas, isso, eram ricos sovinas. A maioria dos consumidores de feijões pequenos (dizia-se sempre no plural, atenção) era formada pelos deserdados da sorte – e eram a maioria.
Já agora, chamamos-lhe «feijão-frade», porquê? Frade? Será porque a sua cor branca e aquela manchinha preta em cima, juntamente com a sua forma meio dobrada, fazem lembrar o capuz do hábito monacal de alguns frades de convento? Talvez. Quase de certeza.
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Até para a semana, à mesma hora, no mesmo local (com ou sem volfrâmio)!
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«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2011)
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