A novela em torno da aprovação do Orçamento Geral do Estado (OGE) tem vindo a arrastar-se penosamente mês após mês, semana após semana, dia após dia, com a bolha político-mediática entretida em especulações e em debates de duvidoso valor acrescentado sobre o futuro da governação do país e com os portugueses a assistirem a tudo com plácida indiferença.
Marcelo Rebelo de Sousa vai repetindo, a cada oportunidade que se lhe depara diante das câmaras de televisão,
que um eventual chumbo do OGE seria mau para o país, afirma que os portugueses não compreenderiam
uma crise política nesta altura e que, consequentemente, o Orçamento do Estado para 2025 tem de ser aprovado
Como sempre, os atores políticos bem se esforçam por procurar levar a água ao seu próprio moinho, mas os episódios desta novela vão-se repetindo ad nauseam. As intenções de voto sobre o Orçamento Geral do Estado (OGE) até agora anunciadas pelos dois principais partidos da oposição têm sido contraditórias. O que ontem se afirmava deixou de ser verdade hoje e nada garante que seja verdade amanhã. Por outras palavras, ninguém sabe exatamente como esta novela irá acabar quando chegar o momento da decisão final que os referidos partidos irão tomar sobre o Orçamento.
De facto, já todo o cidadão atento percebeu que esta novela se arrastará penosamente até ao prazo-limite da decisão sobre a proposta do OGE apresentada pelo Governo para 2025, com o país real a assistir aos jogos florentinos dos partidos e aos cálculos políticos dos seus protagonistas e sem perceber exatamente o que os afasta ou o que os aproxima e, o que é pior, o que efetivamente eles querem para o futuro da governação do país.
Luís Montenegro, ao prometer bónus a pensionistas, ao cativar os mais jovens com a baixa do IRS e as empresas com a redução do IRC, ao repôr salários em atraso e ao descativar várias carreiras da administração pública, vai jurando a pés juntos que não pensa em eleições antecipadas. E o Governo da AD lá vai continuando a declarar-se empenhado em evitar uma nova crise política e em negociar com os partidos da oposição.
E a verdade é que, apesar da dramática vaga dos incêndios que têm grassado um pouco por todo o país (devido à inexistência de adequadas medidas prevenção e de eficaz controlo dos fogos bem como de repressão dos incendiários e daqueles que se aproveitam dos incêndios por parte dos sucessivos governos de Portugal, incluindo os três liderados por António Costa), e de alguns erros menores de gestão corrente, Luís Montenegro tem até agora conseguido garantir no essencial a paz social financiando o que pode (e o que não pode) para tapar os múltiplos buracos deixados pelos governos anteriores resultantes da cativação dos recursos do Estado indispensáveis ao adequado funcionamento dos serviços públicos. É possível e é mesmo provável que, salvo circunstâncias de força maior, os eleitores lhe renovem a confiança em caso de novas eleições antecipadas.
Afinal, não passou assim tanto tempo desde a queda de António Costa. Por outro lado, toda a gente sabe que o aumento dos salários e das pensões e a baixa dos impostos decididos por quem governa constitui, habitualmente, uma receita eleitoral vencedora.
Pedro Nuno Santos encontra-se, pelo contrário, numa posição mais ingrata, o que ajuda a explicar as constantes oscilações, avanços e recuos em que tem incorrido ao longo dos últimos meses relativamente ao sentido de voto do Orçamento por parte do seu partido. Leva menos de nove meses de liderança no PS e foi passando alegremente do «é praticamente impossível aprovar o Orçamento» até à negociação com o Governo, à abstenção, à negociação de um Orçamento Retificativo, ou ao recuo à sua posição inicial de rejeição do OGE. Pedro Nuno Santos não quer ficar mal na fotografia, sendo que já percebeu que é a sua liderança no PS que pode estar em sério risco, caso o governo da AD cumpra a legislatura, tanto mais que tem como adversário político direto um Primeiro-Ministro que aprendeu muito com António Costa em matéria de tática política.
André Ventura, há meses sem saber o que fazer para continuar a ter protagonismo na cena político-mediática, esgotado que foi o episódio da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o caso das gémeas, decidiu a dado momento ser mais criativo e propôs ao Governo um referendo sobre imigração como moeda de troca para aprovação do OGE. Mas, não tendo obtido resposta favorável do Governo, Ventura retirou-se das negociações e prometeu votar contra um Orçamento que aliás ainda não conhece, alegando sentir-se «excluído» e «traído» e queixando-se de tudo isto numa carta enviada ao Primeiro-Ministro que foi tornada pública. Manifestamente, ao partido Chega vai continuando a faltar a confiabilidade, a coerência e a seriedade política de que carece para atingir o objetivo de chegar um dia à governação do país, preferindo jogar o papel menor da vitimização.
À esquerda, os diálogos das suas várias forças partidárias têm-se repetido sem grande imaginação.
Mariana Mortágua, ainda não encontrou um rumo para o Bloco de Esquerda após a pesada herança de um partido em crise que recebeu das mãos de Catarina Martins, e parece ter-se resignado a ser uma espécie de «consciência de esquerda» do Partido Socialista: ora o tenta convencer a construir uma plataforma de toda a esquerda, ora o vai avisando de que, se ousar viabilizar este «Orçamento de Direita», então será tão de direita como os partidos da direita. Em contrapartida, Paulo Raimundo parece continuar empenhado em deixar o PCP «orgulhosamente só» e a deslizar paulatinamente para uma crescente insignificância eleitoral. Rui Tavares, por seu turno, anda meio desaparecido e estará muito provavelmente a estudar que «projetos-piloto» conta apresentar nos próximos tempos para conseguir, enfim, «transformar o país» no sentido que pretende. Quanto a Inês Sousa Real encontra-se, até ver, ausente em parte incerta.
Last but not the least, é fundamental não desvalorizar o papel político-constitucional do Presidente da República nesta conjuntura. Até agora, Marcelo Rebelo de Sousa vai repetindo, a cada oportunidade que se lhe depara diante das câmaras de televisão, que um eventual chumbo do OGE seria mau para o país, afirma que os portugueses não compreenderiam uma crise política nesta altura e que, consequentemente, o Orçamento do Estado para 2025 tem de ser aprovado.
É muito provável que tenha razão. Pena é que não tenha tido a mesma posição em 2021, quando foi o primeiro a falar no cenário de eleições antecipadas caso o OGE para 2022 fosse chumbado. António Costa, aliás, bem aproveitou essa oportunidade, usando o espantalho da crise política para se vitimizar e conseguindo nas eleições antecipadas de 2022 uma maioria absoluta que , como é sabido, não correu bem ao PS, e, o que é mais importante, não correu nada bem ao país.
O Presidente poderá agora fazer o mesmo se o chumbo do OGE se repetir em novembro próximo, dissolvendo o Parlamento e convocando eleições antecipadas. Todavia, há razões para pensar que Marcelo Rebelo de Sousa não parece muito interessado em «ficar com o bebé no colo» após um eventual chumbo do Orçamento. E percebe-se porquê. É que não há grandes razões para esperar que, em caso de novas eleições legislativas, a paisagem político-partidária venha, como as sondagens têm reiteradamente revelado, a alterar-se de forma significativa.
Entretanto, resta-nos esperar pelas cenas dos próximos capítulos desta novela.
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«Portugal e o Futuro», opinião de Aurélio Crespo
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Julho de 2020)
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