Atenas viu o primeiro homem a ganhar quatro medalhas de ouro na mesma edição de Jogos Olímpicos: Carl Schuhmann. Nos Jogos Olímpicos de 1904, em St. Louis, George Eyser não se limitou a lá ir. Saiu de lá com três medalhas de ouro: no salto de cavalo, nas paralelas e na… «escalada de corda» e a esses títulos juntou duas medalhas de prata no cavalo com arções e no Combinado (quatro exercícios) e ainda levou o bronze da Barra Fixa (sempre disfarçado com calças compridas). (Parte 13).
Um foi atropelado por um elétrico, amputaram-lhe a perna esquerda
e com a perna de pau escondida ganhou seis medalhas (uma a… escalar à corda!).
Outro, depois de ganhar quatro de ouro, foi atirado por ingleses para um campo de concentração)…
(Continuação)
Se da primeira vez que Paris viveu Jogos Olímpicos, o americano Alvin Kraenzlein saiu de lá com quatro medalhas de ouro (antes, pois, de Jesse Owens lhe repetir a façanha em Berlim-1936 para irritação de Adolf Hitler…) quatro anos antes Atenas viu o primeiro homem a ganhar quatro medalhas de ouro na mesma edição de Jogos Olímpicos: Carl Schuhmann. Não, não foi só, teve mais o seu pecúlio, às quatro de ouro somou uma de bronze – e não apenas na ginástica (duas individuais no salto de cavalo e nas barras paralelas, outra coletiva na barra fixa).
Por pouco não foi outra no atletismo, no salto em comprimento. Mais discreto, também esteve no triplo e no lançamento do peso. A medalha de bronze (aliás, nessa edição de relançamento das Olimpíadas por Pierre Coubertin ainda não se criara, na verdade, o ritual das três medalhas…) ganhou-a no halterofilismo, que se fez numa prova só, sem se dividir em escalões de peso – levantando 100 quilos. Dessa sua prova saiu a primeira controvérsia da história olímpica. O dinamarquês Viggo Jenses e o escocês Lauceston Elliot chegaram ambos a 111,5 quilos – e os árbitros decidiram que campeão era Viggo por ter «melhor estilo de halterofilista».
Por que o primeiro homem das quatro medalhas de ouro acabou deportado para a Ilha de Man…
Porém, mais impressionante (e formidável) foi o que Schuhmann fez na prova de luta greco-romana (a que se atirou de calças normais para o traje do seu dia a dia…) – também em categoria aberta, sem limite de peso. A final foi contra o grego Georgios Tsitas, que tinha mais de dois metros, Carl andava por 1,63.
Após 40 minutos de combate, o árbitro suspendeu-o por falta de luz – e, no dia seguinte, quando estavam já há mais de 25 minutos em despique no centro do estádio olímpico (desenhado em forma de U para se manter fiel à tradição de Olímpia no atletismo), Schuhmann ergueu o seu adversário por cima dos ombros e o Rei Jorge atirou da sua tribuna o brado:
– Impressionante, incrível!
Sem mais se desfazer do entusiasmo (e do arrebatamento), o monarca grego pediu a Carl Schumann que subisse à tribuna para o cumprimentar e, ao vê-lo chegar, exclamou-lhe:
– A luta é o nosso desporto mais popular e, depois disto, você vai tornar-se o homem mais popular da Grécia, mais popular do que eu…
Não, não foi de popularidade atiçada que o receberam na Alemanha. Bem pelo contrário. Como a Associação Alemã de Ginástica boicotara os «Jogos do Barão de Coubertin» na sequência da confrontação com Karl Gebhart (que após falhar negócios a que se atirara nos Estados Unidos regressara à Alemanha com a ideia de formar o Comité para Participação da Alemanha nos Jogos Olímpicos de Atenas – e fora ele, praticante de esgrima, quem convencera Schumann e outros ginastas a dizerem sim ao que outros disseram não…) – Schumann e outros ginastas foram ridicularizados pelos seus dirigentes e ainda mais por jornalistas que lhes eram afetos.
Foi, pois, sem a consagração devida que, em 1908, Carl Schuhmann deixou Berlim, foi para Londres trabalhar como ourives e continuou a fazer o que já fazia na Alemanha: a treinar ginastas. Foi lá que a I Guerra Mundial o apanhou de surpresa e por ser alemão, deportaram-no para a Ilha de Man, internaram-no num campo de concentração – onde aprendeu boxe, quando se assinou o Armistício e o libertaram, voltou à Alemanha, em Berlim passou a ensinar boxe também…
Reabilitado, não deixou de estar, como uma das suas mais ilustres figuras na abertura dos Jogos Olímpicos de Berlim – e, tendo falecido a 24 de março de 1946 (com 76 anos), sepultaram-no no Friedhof Heerstraße (cemitério de estrelas em Berlim Oeste) tendo o senado da região considerado «honorário» o seu túmulo.
Nas três medalhas de ouro na ginástica, uma foi na «escalada de corda» (sem a perna de pau…)
Da Alemanha fora George Ludwig Fridrich Julius Eyser para os Estados Unidos, ainda adolescente.
Nascera em Kiel em 1871 e vivera em Denver, no Colorado, antes de se mudar para St. Louis para trabalhar como guarda-livros numa empresa de construção civil. Estava o século XIX à beira do fim, Eyser já recebera a nacionalidade americana – quando, a caminho do escritório, um elétrico o atropelou.
Chegou ao hospital com a perna esquerda esfacelada, amputaram-na.
Passou, então, a viver com uma perna de pau (dissimulada por calças largas que nunca mais largaria…) e, mesmo assim, não deixou de fazer ginástica num clube da cidade (fundado pela comunidade alemã): o Concordia Turnvereinque o inscreveu para os Jogos Olímpicos de 1904 em St. Louis – e Eyser não se limitou a lá ir, saiu de lá com três medalhas de ouro: no salto de cavalo, nas paralelas e na… «escalada de corda» (e sim: tal como em Paris, voltaram a ver-se no programa olímpico prova insólitas e exóticas que voltaram a pôr Pierre de Coubertin descabelado a pregar contra quem, nos comités organizadores, integrados nas Feiras Mundiais, lhe estava a «abastarda» os Jogos «rope climbing»).
Nem sempre se desembaraçando para competição da perna de pau (isso, sim: lá, nos Jogos, nunca deixou de a disfarçar com as calças compridas…), a esses três títulos olímpicos, Eyser juntou duas medalhas de prata: no cavalo com arções e no Combinado (4 exercícios) – e ainda levou o bronze da Barra Fixa.
E não deixou, igualmente de participar num triatlo (que era mais outros dos insólitos e dos exotismos de Saint Louis que, pelo meio até teve competição para… anões!), fazendo, claro, só com uma perna oito metros no lançamento do peso, quatro metros no salto em comprimento e 15,4 segundos nos 100 metros – o que, obviamente, o atirara para o último lugar sem que, contudo, isso o incomodasse ou lhe abalasse o que ele afirmava, orgulhoso, ter: «o espírito dos nibelungos».
E, naturalmente, da sua perna de pau se fez o que é ainda hoje: objeto de museu…
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«Às voltas da História», crónica de António Simões
(Cronista no Capeia Arraiana)
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